TCU afasta necessidade de ressarcimento ao erário de agente público pela ausência de dolo ou erro grosseiro
Matheus Emiliano
O Tribunal de Contas da União (“TCU”) proferiu decisão de grande relevância, o Acórdão 1.460/2025 – Plenário (1), que representa notável evolução em seu entendimento sobre a responsabilidade pessoal de agentes públicos ressarcirem o erário, em especial no que tange à exigência de erro grosseiro, conforme previsto no artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”). Em recurso de revisão, a Corte reverteu condenação anterior que impunha débito solidário e multa a ex-prefeito por supostas irregularidades em contratos emergenciais na área da saúde.
O Ministro Bruno Dantas, relator do acórdão, destacou o entendimento firmado no Acórdão 378/2023-TCU-Plenário, que considera desarrazoado imputar débito a gestor que apenas homologou processo de compra quando os vícios eram de difícil percepção ao homem médio. No tocante ao presente caso, o relator pontuou que os percentuais considerados “adequados” para o BDI (17,83%) e encargos sociais (83,63%), que fundamentaram a alegação de superfaturamento, foram estabelecidos pela própria Corte de Contas a posteriori, após estudos e cálculos específicos, e não a partir de critérios objetivos e preexistentes de fácil consulta pela municipalidade à época dos fatos. Essa particularidade reforça a tese de que a irregularidade não era de óbvia e imediata percepção.
Um dos pontos cruciais do voto do Ministro Bruno Dantas foi o aprofundamento na aplicação do artigo 28 da LINDB, preconizando que o agente público só responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. O Ministro afirmou que a obrigação primária de ressarcir o dano recai sobre quem foi indevidamente beneficiado, assim, a solidariedade do agente público nessa obrigação não é automática, dependendo da comprovação de que sua conduta contribuiu para o prejuízo com, no mínimo, culpa grave. Ainda, a absolvição na esfera criminal por ausência de dolo, embora não vinculante, corroborou com a conclusão pela inexistência de culpa grave.
Diante do exposto, o Plenário do TCU decidiu conhecer e dar provimento ao recurso de revisão interposto pelo agente público ao caso. O Tribunal declarou o Acórdão 7.790/2018-TCU-Segunda Câmara insubsistente de modo exclusivo em relação ao recorrente, julgou suas contas regulares com ressalva e concedeu-lhe quitação, determinando o arquivamento do processo.
Esse acórdão sinaliza notável evolução no entendimento da Corte quanto à extensão da aplicabilidade do artigo 28 da LINDB aos casos em que se apura ressarcimento ao erário. Anteriormente, a Corte de Contas vinha mitigando a qualificação da culpa nessas situações, por vezes impondo responsabilidade financeira pessoal sem a exigência explícita de erro grosseiro ou dolo (2).
Ao enfatizar a necessidade de erro grosseiro (ou dolo) como pressuposto indispensável para a responsabilização pessoal do agente público, especialmente quando os vícios são de difícil percepção e as decisões são tomadas em cenários de alta complexidade e pressão, o TCU adota abordagem mais alinhada com os princípios da LINDB, reconhecendo as complexidades e os desafios inerentes à gestão pública.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) A íntegra do Acórdão 1.460/2025-TCU-Plenário está disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2698413. Acesso em: 25 jul. 2025.
(2) Acórdão 1.958/2022-TCU-Plenário.