STJ admite a penhora de criptomoedas e indica avanço para satisfação do direito do credor
Artur Rufino
Um dos principais objetivos do processo civil brasileiro é garantir que as partes obtenham a solução integral do mérito, o que não inclui somente o reconhecimento do seu direito, mas também a atividade satisfativa, ou seja, a realização das tutelas prometidas pelo direito material (1).
No processo executivo, os exequentes dispõem de amplo arsenal de medidas capazes de proporcionar a pronta e integral satisfação do seu direito. É possível: (i) determinar a penhora de bens por Oficial de Justiça; (ii) penhorar ativos financeiros no Sisbajud; (iii) penhorar veículos no Renajud; (iv) investigar a participação do devedor em sociedades empresárias através de sistemas como Infojud e Sniper; (v) incluir o nome do devedor nos cadastros de inadimplentes; (vi) requerer a determinação de retenção de CNH e passaporte do devedor; dentre diversas outras medidas típicas e atípicas.
Ocorre que, não obstante o grande avanço do sistema de justiça dos últimos dez anos, ainda é muito comum que os devedores consigam frustrar a execução por meio de táticas de blindagem patrimonial. Atualmente, uma dessas técnicas se dá por meio da compra de criptoativos, que são moedas digitais organizadas de forma descentralizada, isto é, por meio da qual a sua emissão, atribuição de valores e transações são realizadas em meio eletrônico e sem a atuação de entidade estatal central para atestar a integridade dessas atividades (2).
Dessa forma, como as corretoras de criptomoedas (exchanges) atuam sem regulamentação específica, a principal dificuldade em penhorar esse ativo financeiro consiste em identificar a existência de criptomoedas em posse do devedor e obter a ordem de penhora do Poder Judiciário.
Exatamente por isso é que, no passado, há julgados que decidiam pela impossibilidade de determinar a penhora de criptomoedas, com o argumento de que o Banco Central não supervisiona as entidades custodiantes de criptoativos e esse bem não seria abrangido por outros meios de pesquisa, como o Sisbajud. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXPEDIÇÃO. OFÍCIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CRIPTOMOEDA. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO. BENS. DEVEDOR. INCUMBÊNCIA. CREDOR. 1. É ônus do credor indicar bens do devedor passíveis de penhora, a quem cabe envidar esforços nesse sentido. Não é atribuição do Poder Judiciário realizar diligências para localização de bens do devedor em substituição à parte credora. 2. O Brasil não possui regulamentação específica no que se refere às moedas virtuais, especialmente quanto às informações de quem é o seu titular, pois as movimentações são realizadas com o uso de criptografia. O anonimato e a volatilidade das criptomoedas geram insegurança em sua penhora. 3. Agravo de instrumento parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (TJDF, 2ª Turma Cível, 0717596-47.2024.8.07.0000, Rel. Desembargador Hector Valverde Santanna, DJE em 12/08/2024)
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) enfrentou essa questão recentemente no julgamento do Recurso Especial nº 2.127.038/SP e decidiu que é sim possível requerer a expedição de ofícios para as corretoras de criptomoedas (exchanges) para, posteriormente, efetivar a penhora desse ativo financeiro.
No caso, o STJ entendeu que os criptoativos são bens com valores econômicos aferíveis e suscetíveis à constrição, na medida em que podem ser utilizados como forma de pagamento e como reserva de valor. De fato, como reconhecido pelo STJ, o devedor responde com todos os seus bens pelas suas obrigações (art. 789, do CPC) e o processo executivo se move em interesse do credor (art. 797, do CPC).
Assim, na prática, sugere-se que o procedimento mais apropriado para a efetivação de penhora de criptoativos seja o seguinte: o exequente requer a expedição de ofício para as corretoras (exchange); identificada a existência de criptomoeda, o Poder Judiciário determina que a exchange bloqueie as operações do titular, e; apurada a cotação e o saldo, o valor deve ser convertido para moeda corrente e depositado em conta judicial (3).
É possível notar que, com a nova decisão do STJ, a autorização para expedição de ofícios para as principais corretoras de criptomoedas tem sido cada vez mais frequente pelos Tribunais de Justiça brasileiros (4).
Sobre esse ponto, também vale mencionar que o Conselho Nacional de Justiça vem trabalhando para implementar o CriptoJud, novo sistema capaz de padronizar e facilitar o rastreamento e bloqueio de criptoativos em exchanges (5). Com isso, o caminho para satisfazer o direito do credor será acelerado, pois as investigações patrimoniais e ordens de penhora com as corretoras poderão ser automáticas e recorrentes, tal como ocorre atualmente com o Sisbajud.
Além disso, outra questão fundamental de se resolver com a criação do Criptojud envolverá a liquidação do criptoativo, uma vez que a sua elevada volatilidade poderá gerar discussões sobre excesso ou insuficiência de execução.
Diante do exposto, como se vê, o sistema de justiça continua avançando para viabilizar a efetiva tutela do direito do credor, com a implementação de novas soluções capazes de superar as modernas tentativas de blindagem patrimonial dos devedores.
Para mais informações, procure a equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
Artur Rufino
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
(2) BITENCOURT, Leila; GALVÃO, Fernanda. Criptomoedas: pontos importantes e regulamentação. Disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=691. Acesso em: 25 jul. 2025.
(3) THAMAY, Rennan. Considerações sobre penhora judicial de bitcoins e sugestões de medidas para sua efetivação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.
(3) (TJMG, 3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 1.0000.24.518482-5/001, Rel. Desembargador Maurício Soares, DJE em 26/05/2025); (TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento 22021489220258260000, Rel. Desembargador Gilson Delgado Miranda, DJE em 07/07/2025); (TJSP, 18ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento 20196538020258260000, Rel. Desembargador Henrique Rodriguero Clavisio, DJE em 27/06/2025).
(4) Trata-se do Acordo de Cooperação Técnica CNJ nº 133/2024, firmado entre o Conselho Nacional de Justiça e a Associação Brasileira de Criptoeconomia.