Terra Prometida, livro de Joan Lowell, e Guerra Civil, filme de Alex Garland
Anna Julia Costa e Katryn Rocha
Terra Prometida, livro de Joan Lowell
Tente imaginar: uma atriz de Hollywood dos anos 1930 está em um cruzeiro pelo Atlântico e, despretensiosamente, se apaixona pelo capitão do navio. Romântica incurável e muito disposta a fugir de um passado de mentiras, a donzela pula de cabeça no sonho compartilhado com o amante: morar em Anápolis, no interior de Goiás.
A quebra de expectativa não contribui para a credibilidade da história, mas foi exatamente isso que aconteceu com a atriz Joan Lowell, que deixou sua carreira não-tão-promissora em Los Angeles para desbravar o cerrado brasileiro.
A atriz ficou famosa por escrever roteiros com algumas meias verdades sobre sua vida. Criou, e até conseguiu vender para Hollywood, histórias sobre seu suposto passado como repórter investigativa, novelista, caçadora de tesouros maias e até como pirata dos dias modernos. Irresistível dizer que essa carreira teve perna curta.
Como não deixar de ser, Terra Prometida é uma autobiografia criativa, um relato que desafia as fronteiras entre ficção e não ficção e que revela, no mínimo, o talento peculiar da autora para criar histórias convincentes. Assim, o livro funciona como uma espécie de relato sobre a “Marcha para o Oeste” tropical, contada através dos olhos de uma estrangeira que tenta traduzir – e inventar – o Brasil.
As aspirações homéricas de Joan a fazem tentar criar uma espécie de “Hollywood tupiniquim” em Goiás, e, convincente como era, a ideia até atraiu outras estrelas americanas para a região, como a primeira mulher a ganhar um Oscar, Janet Gaynor. Mas, como muitas de suas empreitadas, o projeto fez mais sucesso no papel do que na prática.
Terra Prometida é uma crônica muito divertida, misturando sempre propaganda, aventura e reflexões sobre identidade e pertencimento. Para o leitor brasileiro, o relato ainda carrega um toque de surreal, que é irresistível. Afinal, se Joan Lowell tivesse um pouco mais de sorte, talvez hoje existisse uma calçada da fama para visitarmos em Anápolis.
Anna Julia Costa
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Guerra Civil, filme de Alex Garland
Lançado em 2024, Guerra Civil é dirigido por Alex Garland e conta com Kirsten Dunst e Wagner Moura no elenco principal. O road movie ambientado na guerra é também um ensaio sobre o colapso da comunicação, da empatia e da própria ideia de nação, sem, contudo, ser didático ou entregar respostas (característica recorrente nos filmes do Garland).
O filme se isola dos mecanismos políticos de como, quando, quem, ou por que, e não se interessa por explicar como os EUA chegaram àquela guerra civil. Entretanto, a ausência de contexto político não é omissão, é provocação. O que importa é como as pessoas reagem quando tudo desmorona, como a imprensa age como lente que ajuda a contar a História enquanto o mundo ao redor implode.
Garland usa a fotografia como linguagem narrativa: a câmera não apenas registra, ela testemunha. Lee (Kirsten Dunst), uma fotógrafa de guerra calejada, carrega o peso de cada clique como se fosse um disparo. A estética do filme é crua, quase documental, e isso não é por acaso, pois o diretor quer que o espectador sinta o cheiro da pólvora e o silêncio ensurdecedor da apatia.
Já Joel (Wagner Moura) e a jovem Jessie (Cailee Spaeny), servem como contrapontos emocionais de Lee, contrastando perspectivas de personagens que representam a perda da fé no jornalismo de quem já testemunhou tristezas demais e a esperança quase utópica de quem recém começou.
Garland se despede do cinema com um filme que não é sobre guerra somente, mas sobre o que resta quando a guerra se torna banal. Aqui, o horror é sóbrio, cotidiano, e talvez por isso ainda mais perturbador.
Quando o filme termina, ficamos com a sensação de que ele não responde uma questão muito importante, e, talvez ao não responder explicitamente, ele esteja dando a resposta mais eloquente: se não há mais comunicação, seja por celular, internet, tudo estando suspenso no país, a desintegração sendo completa, para quem esses jornalistas testemunham o que acontece?
Ainda que não se tenha como propagar o que foi testemunhado, alguém tem que testemunhar, porque em qualquer guerra, antes de alguém ganhar, todos perdem e muito.
Guerra Civil está disponível na Netflix.
Katryn Rocha
Auxiliar de Comunicação do VLF Advogados