Compreendendo as mudanças do Regime FÁCIL instituído pela CVM
Fernanda Marra Vidigal
O mercado de capitais brasileiro, historicamente, mostrou-se pouco acessível às pequenas e médias empresas em razão de custos elevados, exigências regulatórias complexas e intensa burocracia. Buscando alterar esse cenário, a Lei Complementar nº 182/2021 estabeleceu o “Marco Legal das Startups”, que, além de regular o modelo das startups e instrumentos facilitadores para o investimento em inovação, promoveu alterações na Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”), simplificando algumas regras aplicáveis às sociedades anônimas de menor porte (1).
Entre essas alterações, o art. 294-A da Lei das S.A. atribuiu à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a tarefa de regulamentar condições facilitadas para o acesso dessas companhias ao mercado de capitais. Em cumprimento a essa determinação, a CVM editou as Resoluções CVM nº 231/2025 (2) e nº 232/2025 (3), instituindo o regime de Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens (“Regime FÁCIL”), que entrará em vigor em 2 de janeiro de 2026. O novo regime pretende criar um ambiente regulatório mais simples e menos oneroso, incentivando a participação de pequenas e médias empresas no mercado de capitais.
As Resoluções CVM nº 231/2025 e nº 232/2025 disciplinam o enquadramento de sociedades anônimas como companhias de menor porte e, para essas companhias, estabelecem os procedimentos de obtenção, manutenção e cancelamento de registro de emissor de valores mobiliários, bem como as regras aplicáveis às ofertas públicas de distribuição, as hipóteses de dispensa de obrigações legais e a supervisão exercida pelas entidades administradoras de mercados organizados.
A seguir, serão analisados os principais aspectos do Regime FÁCIL.
Enquadramento de sociedades anônimas como companhias de menor porte e CMP
Seguindo o parâmetro estabelecido pelo Marco Legal das Startups no art. 294-B da Lei das S.A., a Resolução CVM nº 232/2025 define como companhia de menor porte a sociedade anônima que tenha auferido receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões, apurada com base nas demonstrações financeiras do último exercício social encerrado.
Para usufruir dos benefícios do Regime FÁCIL, além de estar enquadrada como companhia de menor porte, a empresa deve obter a classificação “CMP” mediante o cumprimento dos demais requisitos elencados no artigo 9º da Resolução CVM nº 232/2025, quais sejam: (i) possuir receita operacional comprovada; (ii) estar listada em mercado organizado; e (iii) se já for emissor registrado pela CVM, obter a anuência prévia de seus investidores (4).
A companhia pode deixar de ser CMP por opção, por desenquadramento do limite de receita, por perda da listagem em mercado organizado ou por não realizar oferta pública de distribuição nos 24 meses subsequentes à classificação. Contudo, o regime apresenta flexibilidade na transição e na perda da classificação, concedendo prazos de cura e adaptação. Em caso de desenquadramento por receita, o emissor contará com prazo de até um ano para se adaptar, podendo manter a classificação como CMP se voltar a atender ao critério de receita. Para as demais hipóteses, o prazo de adaptação é de até 90 dias, durante o qual o emissor pode demonstrar que não subsistem os motivos que ensejaram a perda, a fim de manter a sua classificação como CMP.
Decorridos os prazos, a companhia deixa de estar classificada como CMP e deve cumprir integralmente as obrigações regulatórias aplicáveis às demais companhias abertas.
Simplificação dos procedimentos de obtenção, manutenção e cancelamento de registro de emissor de valores mobiliários
O Regime FÁCIL introduz inovações para simplificar a jornada da companhia de menor porte no mercado de capitais, a começar pelo processo de obtenção do registro de emissor na CVM. Sob o Regime FÁCIL, a companhia de menor porte pode obter seu registro junto à CVM de forma automática, imediatamente após a sua listagem em entidade administradora de mercado organizado, sem a necessidade de requerimento formal ou análise prévia junto à autarquia. Alternativamente, a companhia pode obter o registro diretamente junto à CVM, observando integralmente as regras da Resolução CVM nº 80/2022 (5), sem que as dispensas automáticas do regime se apliquem.
O cancelamento do registro como emissor exige a realização de oferta pública de aquisição (“OPA”), assim como ocorre para as companhias abertas. Mas, para as empresas classificadas como CMP, há algumas flexibilizações, como a aprovação por metade das ações em circulação, dispensa de contratação de instituição financeira para garantia da liquidação da OPA quando assumida pela entidade administradora do mercado organizado e a possibilidade de laudo de avaliação produzido por avaliadores credenciados pela própria administradora.
Benefícios para os emissores classificados como CMP
O acesso de companhias ao mercado de capitais no Brasil, em regra, envolve arcabouço regulatório extenso e detalhado, que exige a elaboração de formulários complexos, o envio frequente de informações financeiras, a apresentação de relatórios adicionais, quóruns elevados em determinadas deliberações e, em muitos casos, a contratação de intermediários financeiros. Esse conjunto de obrigações gera custos relevantes e acaba por desestimular a participação de empresas de menor porte.
O Regime FÁCIL busca justamente reduzir esse peso regulatório, prevendo dispensas e flexibilizações específicas para as companhias classificadas como CMP. Entre os principais benefícios, destacam-se os seguintes:
> Simplificação documental: o Formulário FÁCIL substitui o Formulário de Referência e, quando aplicável, o prospecto da oferta, unificando informações essenciais e reduzindo custos operacionais e jurídicos.
> Redução da periodicidade de reporte financeiro: o formulário de informações semestrais (ISEM) substitui o formulário trimestral (ITR), diminuindo a frequência de auditorias e revisões contábeis intermediárias.
> Outras dispensas regulatórias: incluem isenção da obrigação de apresentar relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, política de divulgação de atos ou fatos relevantes, informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa, e formulário de valores mobiliários negociados e detidos. Para tanto, as CMP devem apresentar a relação de dispensas regulatórias que pretendam usufruir, a qual só pode ser modificada uma vez a cada exercício social.
> Simplificação de governança e assembleias: dispensa de voto à distância em assembleias presenciais e a já mencionada redução do quórum de OPA para cancelamento de registro, que passa de 2/3 (6) para a metade das ações em circulação das CMP.
> Ofertas públicas simplificadas: CMP podem realizar ofertas de valores mobiliários de até R$ 300 milhões por ano, incluindo a “Oferta Pública Direta”, que ocorre por meio de procedimento especial diretamente em sistema eletrônico de negociação do mercado organizado, aumentando autonomia e reduzindo custos.
> Flexibilizações para dívida: dispensa de intermediários na realização de ofertas de valores mobiliários representativos de dívida destinadas a investidores profissionais.
O Regime FÁCIL representa marco para o mercado de capitais brasileiro, ao pretender criar ambiente regulatório proporcional e adaptado às companhias de menor porte, reduzindo obstáculos burocráticos e ampliando seu acesso ao financiamento por meio da emissão de valores mobiliários. Seu êxito dependerá da adesão das empresas e da capacidade do mercado de se adaptar a esse novo ambiente regulatório e às demandas que surgirem na prática.
Fernanda Marra Vidigal
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) O Marco Legal das Startups foi objeto de análise pelo VLF Advogados no artigo “O Marco Legal das Startups e a regulamentação do empreendedorismo inovador”, disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=908. Acesso em: 22 ago. 2025.
(2) CMV. Resolução CVM nº 231, 3 de julho de 2025. Altera as Resoluções CVM nº 80, de 29 de março de 2022, e CVM nº 166, de 1º de setembro de 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/anexos/200/resol231.htm. Acesso em: 22 ago. 2025.
(3) CMV. Resolução CVM nº 232, 3 de julho de 2025. Dispõe sobre as regras aplicáveis ao regime de Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens – FÁCIL no âmbito do mercado de capitais. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/anexos/200/resol232.htm. Acesso em: 22 ago. 2025.
(4) Vale notar que a classificação enquanto CMP não substitui ou altera a distinção de categorias de registro previstas na Resolução CVM nº 80/2022. Assim, os emissores registrados na CVM continuarão segmentados em categorias A e B, podendo, adicionalmente, ser classificados como CMP.
(5) A Resolução CVM nº 80/2022 dispõe sobre o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.
(6) Conforme previsto na Resolução CVM nº 85/2022.