O BacenJud 2.0 e seus novos aprimoramentos
Camila Rodrigues Guimarães
O BacenJud é um sistema que permite à Justiça solicitar informações e enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional via internet, por meio de convênio celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Banco Central do Brasil (Bacen)(1). Na prática, é um instrumento de comunicação eletrônica gerido pelo Bacen, para facilitar o protocolo de ordens judiciais junto às instituições participantes (requisição de informações, bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados)(2).
O acesso ao Sistema se dá por meio de uma senha utilizada por juízes (ou servidores por eles autorizados). A senha permite a inclusão das ordens judiciais, as quais são repassadas automaticamente às instituições participantes, o que otimiza significativamente a tramitação.
As ordens enviadas de todo o país são diariamente consolidadas pelo Bacen após as 19h, quando então o Sistema gera os arquivos de remessa e os transmite às instituições participantes até as 23 horas e 30 minutos. Ou seja, no mesmo dia, as instituições recebem os arquivos contendo as ordens judiciais para cumprimento.
Com exceção das transferências de valores, as determinações judiciais são cumpridas no dia útil bancário seguinte. As instituições participantes então geram arquivos de resposta e os enviam ao Bacen, até as 23 horas e 59 minutos, quando são submetidos à validação.
Após a validação e até às 8 horas da manhã do dia útil bancário seguinte, os arquivos de resposta são consolidados e transmitidos para visualização do juízo emissor. As respostas disponíveis na tela possibilitam ao magistrado protocolizar ordens subsequentes (desbloqueio, transferência, reiteração, cancelamento), repetindo-se a mesma lógica e prazos.
No caso das transferências, o cumprimento da ordem não está sujeito a um prazo regulamentar.
As ordens judiciais de bloqueio são feitas até o limite das importâncias especificadas e cumpridas de acordo com os saldos existentes em contas de depósitos à vista (contas correntes), de investimento e de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras e demais ativos sob a administração e/ou custódia da instituição participante. Atingem o saldo credor inicial (livre e disponível), apurado no dia útil seguinte ao que o arquivo de remessa for disponibilizado às instituições responsáveis, sem considerar créditos posteriores ao cumprimento da ordem e, nos depósitos à vista, quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida etc.)(3).
Não atingido o limite, o magistrado deverá expedir nova ordem de bloqueio e quando o saldo consolidado for igual ou inferior a R$ 10,00 (dez reais) o bloqueio pode ser dispensado pela instituição participante.
Desde o ano de 2008 o STJ disponibilizou um formulário para cadastramento de pessoas físicas e jurídicas no sistema nacional de conta única do BacenJud (Resolução nº. 61 do Conselho Nacional de Justiça), que possibilita o recebimento de ordens judiciais de bloqueio. Qualquer pessoa natural ou jurídica pode solicitar o cadastramento, mas estão obrigadas a manter valores disponíveis em montante suficiente para o atendimento das ordens judiciais, sob pena de serem excluídas do sistema.
Enquanto bloqueados, os valores não são remunerados em favor do Poder Judiciário pela instituição participante. Após transferidos, tais valores observarão o regime estabelecido para o respectivo depósito judicial. Os valores bloqueados em aplicações financeiras sujeitas a oscilações de mercado podem sofrer reduções entre as datas do bloqueio e da transferência.
Na ordem judicial de transferência de valor, o magistrado deve informar os dados necessários ao seu cumprimento, dentre os quais a quantia a ser transferida, a instituição participante destinatária e a respectiva agência, e se mantém ou desbloqueia o saldo remanescente, se houver. E, enquanto não determinar o desbloqueio ou a transferência, os valores permanecem bloqueados nas contas ou aplicações financeiras atingidas, ressalvada a hipótese de vencimento de contrato de aplicação financeira sem reaplicação automática. Nesse caso, os valores passam à condição de depósito à vista em conta corrente e/ou conta de investimento, permanecendo bloqueados.
O sistema transmite os dados com criptografia e possibilidade de visualização das respostas na tela contribui para eliminar o uso do papel. Na versão 2.0, chegou-se a mais de 5,5 milhões de requisições em 2014 e quase esse número em 2015 (4).
Porém, a despeito de ser uma das mais significativas ferramentas em prol da efetividade das ações destinadas a satisfazer direitos creditórios, ainda há aspectos do sistema que precisam ser aprimorados.
Inspirado nesse propósito, o CNJ, representantes do Banco Central do Brasil e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) se reuniram para discutir melhorias no sistema. As novas funcionalidades debatidas foram: a substituição da senha dos magistrados por um certificado digital (já em fase de teste); a inclusão das cooperativas de crédito no sistema, antes restrito aos bancos comerciais, por meio da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB); o rastreamento automático das contas de filias, pela indicação dos oito primeiros dígitos do CNPJ apenas, pois a indicação do número completo, feita atualmente, restringe a pesquisa apenas a um CNPJ (geralmente o da matriz).
A partir dessas discussões será aprovado o novo regulamento do sistema, aprimorando a disciplina das requisições judiciais. Além dessas novas funcionalidades, o sistema permitirá a solicitação de extratos bancários, indicando o momento exato do bloqueio dos valores, já que os bancos fazem varreduras em horários específicos para atender às solicitações da Justiça feitas pelo sistema.
Estranhamente, porém, não parece ter sido debatida uma funcionalidade útil: a manutenção da ordem de bloqueio até que atingido o valor requisitado ou até que suspenso o comando pelo magistrado. A razão de uma funcionalidade um tanto óbvia quanto essa não ter sido implantada ainda é um mistério. De qualquer forma, as novas atualizações já são um ganho para a maior efetividade dos processos judiciais na hora de satisfazer o direito de crédito exigido em juízo.
Camila Rodrigues Guimarães
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) O sistema BACEN JUD 2.0 consulta a base de dados de relacionamentos do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), instituído por força da Lei 10.701, de 9.7.2003, e disciplinado pela Circular BACEN 3.347, de 11.4.2007, para identificar as instituições destinatárias de cada ordem judicial, se não especificadas pelo próprio magistrado.
(2) O regulamento do BacenJud 2.0 está disponível em: http://www.bcb.gov.br/Fis/pedjud/ftp/REGULAMENTO_BACEN_JUD_2.0_24_07_2009.pdf
(3) Quando a ordem de bloqueio de valor destina-se a uma instituição participante com especificação da agência e do número de conta, o cumprimento da ordem dá-se com base apenas no saldo de todas as contas e aplicações registradas sob esse número.
(4) Os números da utilização do Sistema desde sua implantação podem ser vistos em: http://www.bcb.gov.br/fis/pedjud/ftp/estatisticas/consolidado/Consolidado.xls