STF decide que o acordo coletivo de trabalho deve prevalecer sobre a legislação trabalhista brasileira
Leilaine Melo Vieira
Em meio a inúmeras discussões nos últimos dias sobre a possibilidade de uma reforma na legislação trabalhista, a prevalência do acordo coletivo sobre a legislação trabalhista ganhou destaque após decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 13 de setembro de 2016.
Ocorre que o STF decidiu inovar sobre o tema, reformando decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho que havia anulado uma cláusula de acordo coletivo que excluía o pagamento de horas in itinere aos seus empregados.
Cumpre esclarecer que o art. 58 da CLT, complementado pela Súmula 90 do C. TST, prevê expressamente que o empregado tem direito ao pagamento das horas in itinere quando o local da prestação de serviço for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular e em horário compatível com a jornada do empregado, entre outros requisitos da norma.
Considerando que as horas in itinere integram a jornada de trabalho, com a finalidade de evitar o pagamento de eventuais horas extras, as empresas têm negociado com os sindicatos, por meio de acordos ou convenções coletivas, a limitação ou a supressão do pagamento das referidas horas de deslocamento. Os Tribunais Regionais do Trabalho e o TST, por sua vez, têm sedimentado sua jurisprudência no sentido de que a limitação ao pagamento das horas in itinere pode ser negociada através das normas coletivas, não admitindo, entretanto, a supressão ao pagamento destas, sob o fundamento de que trata-se de um “direito indisponível”.
Ocorre, todavia, que no caso julgado pelo STF (Recurso Extraordinário 895.759)(1), a empresa Recorrente havia firmado acordo com o sindicato da categoria à qual pertencia o empregado, para que fosse suprimido o pagamento referente às horas in itinere. Em contrapartida, a empresa ofereceria aos empregados, outras vantagens em razão da supressão desse pagamento.
Embora o Tribunal de origem, bem como o TST, tenha entendido pela invalidade do acordo coletivo que suprimia o direito previsto na legislação trabalhista, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário patronal, inovou e reformou a decisão, reconhecendo a validade da cláusula inclusa no acordo coletivo, fundamentando, em síntese, que as vantagens conferidas aos empregados compensaria a supressão do pagamento das horas in itinere.
Segundo o Ministro Relator Teori Zavascki “ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical”.
O Ministro ainda destacou que “a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da constitucionalmente estabelecida. Não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical”.
O recente julgado apenas revela que a Constituição da República, ao conferir autonomia às entidades sindicais, buscou privilegiar a vontade das partes para negociar interesses de determinada categoria, ainda que eventualmente haja a supressão de direitos legalmente previstos.
É importante destacar, ainda, que as normas coletivas devem ser analisadas como um todo, ou seja, não podem suas cláusulas serem analisadas isoladamente, considerando válidas aquelas que preveem benefícios e afastando aquelas que eventualmente suprimem direitos, notadamente em homenagem à Teoria do Conglobamento.
Nesse sentido, acredita-se que o entendimento do STF impulsiona ainda mais a intenção do novo governo em “tirar do papel” o projeto de reforma da legislação trabalhista, já que em atuais tempos de crise, devem ser privilegiadas as negociações coletivas, nas quais as categorias, por meio de seus representantes, expressam sua vontade, respeitando assim a autonomia conferida pelo art. 7º, XXV, da CR/88.
Leilaine Melo Vieira
Advogada da equipe trabalhista do VLF Advogados
(1) Integra da decisão disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4794743