A inconstitucionalidade do Decreto nº 47.028/2016 e de suas alterações posteriores (Decreto nº 47.082/16)
Rafhael Frattari e Glauber Mesquita
Em agosto deste ano, o Decreto nº 47.028/2016 alterou o art. 32 do Regulamento do ICMS de Minas Gerais para restringir a transferência de créditos de ICMS mediante a imposição de duas novas exigências:
1. apresentação de certidão negativa de débitos estaduais pelo cedente, para que possa haver a cessão; e
2. apresentação de certidão positiva, com efeitos de negativa, de débitos estaduais pelo cessionário, para que possa receber os créditos.
No dia 18 de novembro, a publicação do Decreto nº 47.082/16 passou a exigir que também o cessionário apresentasse certidão negativa de débitos estaduais, aumentando a restrição também para aquele que pretende aproveitar os créditos adquiridos.
Obviamente, a exigência padece de vício evidente de inconstitucionalidade e ilegalidade, já que descumpriu, a um só tempo, uma das mais vetustas garantias constitucionais e também dispositivo expresso do Código Tributário Nacional.
A certidão de regularidade fiscal é parte do cotidiano das empresas, especialmente daquelas em que a atividade depende legalmente da apresentação dos documentos. Basicamente, há três tipos de certidões: (i) certidão negativa, que atesta a inexistência de débito identificado do contribuinte; (ii) certidão positiva com efeitos de negativa, que indica a existência de débitos, garantidos por deposito em juízo, por penhora de bens ou cuja exigência está suspensa por decisão judicial ou pela existência de processo administrativo; e, por fim, (iii) a certidão positiva, que informa a existência de débitos em aberto, não garantidos e a respeito dos quais não há ordem judicial para a sua suspensão, ou que não estão sendo discutidos em processo administrativo.
A apresentação da certidão negativa de débitos ou, também, da certidão positiva, com efeitos de negativa, é exigência para que as empresas pratiquem uma série de atos empresarias, como a contratação com o Estado, o recebimento de valores do Poder Público, a obtenção de financiamentos públicos (e privados), o gozo de regimes especiais e de benefícios fiscais, bem como em operações cotidianas de importação e quejandos. Em suma: as certidões de regularidade fiscal são fundamentais para o exercício da atividade de inúmeras empresas.
Em virtude da complexidade do sistema tributário nacional, é praticamente impossível que as pessoas jurídicas tenham Certidão negativa de débito, pois isso indica que elas não têm qualquer discussão tributária, seja em esfera administrativa ou judicial. Assim, a maioria esmagadora das empresas tem Certidão positiva, com efeitos de negativa. Isso não faz com que sejam consideradas devedoras do Fisco ou sonegadoras contumazes, mas simplesmente indica que exercem o seu lídimo direito de defesa, seja pela discussão administrativa, seja pelo acesso ao Judiciário, a fim de questionar medidas fiscais que lhes pareçam ilegítimas.
Nesta trilha, exigir que as empresas envolvidas na transferência de créditos de ICMS apresentem Certidão Negativa significa, na verdade, impedir, por via transversa, a ocorrência da própria cessão dos créditos, já que não há companhias de porte significativo que possuam a certidão negativa. O Governo Mineiro claramente deseja impedir – ou restringir ao máximo – a transferência de créditos!
Obviamente, restrição dessa monta não poderia ter sido introduzida na ordem jurídica por ato normativo do Poder Executivo, como são os Decretos n. 47.028/2016 e n. 47.082/2016, em total desprestígio ao Princípio da Legalidade. É evidente que o caso não é de regulamentação das hipóteses de transferência de créditos, mas sim de sua extinção, ainda que por via indireta e sub-reptícia.
Para além da ofensa ao Princípio da Legalidade, há também nítida agressão à garantia de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CR/88) e ao Princípio da Igualdade (art. 5º, caput, CR/88). Ora, ao exigir a apresentação da Certidão Negativa de débitos, o Estado de Minas Gerais pretende desestimular que os contribuintes questionem medidas fiscais ilegais, já que, neste caso, o máximo que conseguiriam seria obter a certidão positiva, com efeitos de negativa, o que não seria suficiente para garantir eventual participação em negociações para a cessão de crédito. O expediente certamente vai de encontro à garantia do livre acesso ao Judiciário, que não pode ser suprimido ou empobrecido, especialmente quando há causas de suspensão da exigibilidade do crédito, previstas legalmente no Código Tributário Nacional (art. 151).
A medida do Governo Mineiro faz, ainda, distinção entre contribuintes, utilizando de critério inconstitucional, uma vez que pune aqueles contribuintes que buscam a proteção de seus direitos pela via administrativa ou judicial, premiando aqueles que agem como cordeiros frente ao querer estatal. Por óbvio, este não pode ser um fator de discriminação utilizado para o estabelecimento de direitos. Não se trata de distinguir entre os que pagam e os que devem tributos, mas sim entre os que se apequenam diante das ilegalidades e aqueles que buscam a preservação dos seus direitos, medida que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
Exatamente por isso, e para concretizar os princípios e garantias constitucionais citados é que o Código Tributário Nacional, em seu art. 206, foi expresso ao prever que a Certidão positiva, com efeitos de negativa, deve ter igual efeito jurídico da Certidão negativa. Como o CTN é norma geral de direito tributário, a legislação ordinária federal, estadual ou municipal deve obediência às regras estipuladas no Digesto Tributário. Se o legislador estadual encontra-se peado pelas normas do CTN, o que se dirá dos limites impostos ao Poder Executivo Estadual?
A única razão para que o Governo Mineiro tenha cometido tal desatino é a crise financeira vivida no País. No entanto, essa não pode ser justificativa válida para que os direitos dos contribuintes sejam tolhidos, ao arrepio do sistema legal, caminho próprio dos regimes autoritários de outrora. Não há crise que autorize desrespeito de tal monta à própria Constituição Federal, pelo que se espera que o Poder Judiciário Mineiro seja altivo diante do expediente inconstitucional utilizado pelo Decreto nº 47.028/2016 com as alterações promovidas pelo Decreto nº 47.082/2016.
A equipe de contencioso tributário do VLF Advogados está pronta para dar maiores informações sobre o caso e agir na defesa dos interesses de seus clientes.
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela equipe tributária do VLF Advogados
Glauber Mesquita
Advogado da equipe tributária do VLF Advogados