STJ fixa tese de impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais em ação de prestação de contas
Patrícia Bittencourt e Marcus Drumond
Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) pacificou entendimento, a partir de julgamento de recurso representativo de controvérsia, para fixar tese de impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais em ação de prestação de contas.
A tese foi fixada por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.497.831/PR, cuja relatoria para o acórdão coube à Ministra Maria Isabel Gallotti. O contexto fático do caso envolvia a pretensão de correntista de obter a prestação de contas de todas as movimentações ocorridas em sua conta bancária desde 1995. Após ter sucesso na primeira fase da ação, o correntista pretendia analisar a legalidade dos encargos que incidiram nas contas prestadas pela instituição financeira.
A controvérsia instaurada, então, consistia na possibilidade ou não da discussão dos encargos financeiros pactuados com a instituição financeira, na segunda fase da ação de prestação de contas.
A ação de prestação de contas consiste em procedimento especial que objetiva demonstrar “(...) o resultado da administração de quem age em nome de outra pessoa para lhe gerenciar os negócios ou bens” (1), e está prevista atualmente no Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 550 e seguintes.
O procedimento da ação de prestação de contas é dividido em três fases distintas: (i) na primeira, busca-se a declaração de existência ou inexistência do dever de prestar contas; (ii) na segunda, prestam-se as contas devidas; e (iii) na terceira, executa-se, mediante cumprimento de sentença, o saldo eventualmente apurado (2).
Sendo assim, a ação de prestação de contas é entendida, pela doutrina, como “uma ação especial de conhecimento com predominante função condenatória, porque a meta última de sua sentença é dotar aquele a que se reconhecer a qualidade de credor, segundo o saldo final do balanço aprovado em juízo, de título executivo-judicial para executar o devedor” (3).
No caso analisado pelo STJ, a primeira fase foi favorável ao correntista, na medida em que restou verificada a obrigação do banco de prestar contas, prosseguindo-se os autos à segunda fase do procedimento. Mesmo tendo o banco apresentado as contas devidas, na segunda fase, o correntista, ao apresentar sua Impugnação, utilizou como fundamento questionamento da legalidade dos encargos contratuais pactuados.
Neste contexto, é importante destacar que o Novo Código de Processo Civil, ao tratar da ação de exigir contas (antiga ação de prestação de contas do Código de 1973, que agora tem seu cabimento previsto apenas ao titular do direito de exigir contas) traz novidades no que toca à Impugnação das contas prestadas na segunda fase.
Nos termos do art. 550, §3º, do Código de Processo Civil de 2015, “a Impugnação das contas apresentadas pelo réu deverá ser fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento questionado”. A matéria, portanto, é claramente limitada, na medida em que será questionado o lançamento e não a legalidade de eventual cláusula contratual que o tenha fundamentado.
A impossibilidade da discussão da validade de cláusulas contratuais no âmbito da ação de prestação de contas tem fundamento, então, na divergência do rito especial próprio às ações que busquem apenas a prestação de contas daquelas cuja intenção é revisão contratual.
Em um primeiro olhar, essa diferenciação pode soar contrária aos interesses atuais de fungibilidade e economia processuais. Este ponto, inclusive, é destacado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator originário do recurso representativo de controvérsia, já que o ideal seria “evitar o posterior ajuizamento de uma ação revisional” (4).
Entretanto, a razão para diferenciação de ritos supera o argumento da simples economia processual. Realmente, o rito processual especial, separado em fases e célere, é compatível apenas às discussões sobre escrituração e contabilização, na linha do que entendeu o STJ.
Admitir o contrário, ou seja, a possibilidade de discussões contratuais na segunda fase da ação de prestação de contas, acabaria por transformar o procedimento especial em comum, já que a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais atrairia a necessidade de ampliação dos meios de defesa e dilação probatória em relação ao procedimento especial.
Na linha deste raciocínio, o próprio Ministro Paulo de Tarso Sanseverino salientou que, quanto ao rito contido na ação de prestação de contas, "não só juízo específico de abusividade como também qualquer juízo de validade de cláusulas contratuais é descabido nesse rito especial”, pontuando que deve “o magistrado limitar-se ao exame dos planos da existência e da eficácia das cláusulas contratuais, ou seja, a análise do conteúdo das cláusulas pactuadas entre as partes no contrato em discussão".
A Ministra Maria Isabel Gallotti apenas acrescentou, em seu voto-vista acompanhado pela maioria, a ressalva da “possibilidade de ajuizar ação revisional de contrato cumulada com repetição de eventual indébito ou, ainda, se for o caso, revisar as cláusulas contratuais em sede de embargos à execução, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa” (5).
A decisão, portanto, resguarda a via da prestação de contas, de forma mais célere e especial, aos casos nos quais não serão revistas disposições contratuais, possibilitando a via revisional ou em sede de embargos à execução, procedimentos com fases de postulação e instrução mais amplos, àqueles que objetivarem promover este tipo de discussão.
Patrícia Bittencourt
Advogada da equipe de contencioso estratégico do VLF Advogados
Marcus Drumond
Estagiário da equipe de contencioso estratégico do VLF Advogados
(1) Trecho do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti no julgamento do REsp n° 1.497.831, julgado em 14/09/2016, DJe 07/11/2016. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1470331&num_registro=201400949262&data=20161107&formato=PDF
(2) MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015.
(3) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais – vol. III – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
(4) Trecho do voto do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do REsp n° 1.497.831, julgado em 14/09/2016, DJe 07/11/2016. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1470331&num_registro=201400949262&data=20161107&formato=PDF
(5) Trecho do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti no julgamento do REsp n° 1.497.831, julgado em 14/09/2016, DJe 07/11/2016. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1470331&num_registro=201400949262&data=20161107&formato=PDF