TST presume discriminatória a dispensa de empregado que se encontra em tratamento contra o câncer
Renata Olandim Reis e Clarissa Mello da Mata
A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mantendo decisão proferida pelo TRT da 17ª Região (ES) (1), reafirmou entendimento que considera discriminatória a dispensa, sem justa causa, de empregado submetido a tratamento médico contra o câncer, ainda que a rescisão do contrato de trabalho tenha ocorrido após a alta previdenciária e o retorno ao labor.
No caso, o trabalhador teve reconhecido o direito à reintegração ao emprego, apesar de a despedida ter ocorrido dois anos depois da cessação do auxílio-doença e alta pela autarquia previdenciária, sob a alegação de que a conduta da empresa, que tinha ciência de que o acompanhamento médico do Reclamante ainda perduraria por mais três anos, foi ilegal. Os Ministros entenderam que a empresa dispensou o Autor para se livrar de eventuais ônus de se manter em seu quadro de pessoal um empregado enfermo.
Tal decisão – ainda controvertida em nossa doutrina e jurisprudência regional – reacende a discussão quanto à criação arbitrária de uma estabilidade extra legem, ou “não prevista em lei”, retirando do empregador, de forma desarrazoada, o direito potestativo de dispensar seus empregados.
Isso porque, perante a legislação pátria, o empregador tem direito a dispensar seus empregados de forma imotivada, desde que arque com os ônus de tal dispensa, com a concessão do aviso prévio e pagamento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS, do 13º salário proporcional e das férias, acrescidas de 1/3, proporcionais – além do saldo de salário, comum às rescisões de contrato motivadas, ou “por justa causa”.
Ainda, segundo a lei brasileira, em caso de doença, somente detém estabilidade provisória o trabalhador que, após sofrer acidente de trabalho, recebe auxílio-doença acidentário ou se, após a despedida, for constatada doença profissional relacionada com a execução de suas atividades laborais – ou seja, as chamadas “doenças ocupacionais”.
Ocorre que, além de tais previsões, o TST, com fulcro nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho, da não discriminação e da função social da empresa, entendeu ser presumidamente discriminatória a despedida de empregado “portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. Em tais casos, conforme consignado na Súmula 443 do C. TST, publicada em 27/09/2012, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Porém, a jurisprudência do TST vem, ao longo dos anos, também aplicando o entendimento consubstanciado na Súmula 443 do C. TST nos casos em que o empregado dispensado injustamente é acometido por câncer, ainda que tal moléstia não suscite “estigmas ou preconceitos” no ambiente do trabalho, como, de fato, infelizmente, ainda ocorre com os portadores do vírus HIV ou de outras doenças infectocontagiosas.
Dessa forma, nota-se que o entendimento de nosso TST caminha para pacificar no sentido de que, em casos em que o trabalhador se encontra acometido por doença grave, sua dispensa é presumidamente discriminatória e, consequentemente, ilegal, ainda que não haja a constatação de eventual estigma ou preconceito laboral com a mesma. Assim, na prática, há uma concessão, ainda que sem previsão legal, de uma “estabilidade no emprego” a tais trabalhadores.
Verifica-se, portanto, que o TST criou hipótese de estabilidade não prevista em lei, o que gera grande discussão sobre a constitucionalidade da referida Súmula 443 do C. TST e que poderá, inclusive, levar tal questão ao STF, para analisar se a Súmula viola o princípio constitucional da reserva legal e da separação dos poderes. Discussões similares vem acontecido em diversos outros casos, como, por exemplo, o debate acerca da Súmula 331 do C. TST, que impediu que as empresas possam terceirizar sua atividade-fim sem que haja lei nesse sentido – discussão esta, frise-se, que já está sob judice no STF, aguardando julgamento.
Em relação à suposta ilicitude de dispensa de empregado enfermo, é certo que, assim como em outros entendimentos sumulados pelo TST, tal questão gera uma enorme insegurança jurídica aos empregadores, tendo em vista que o conceito de doença grave presente na referida Súmula é um bastante aberto, podendo ser aplicado, como vem acontecendo, a diversas doenças. Essa ampliação é verificada ainda mais nos dias atuais em que os Tribunais vem “deixando de lado” o requisito da doença que cause estigma ou preconceito, atribuindo a estabilidade ao verificar pura e simplesmente a existência de doença grave do empregado.
Logo, cabe ao empregador, ao decidir dispensar o empregado enfermo, se certificar de que possui provas de que tal decisão se baseou em fatos alheios à sua condição médica e apenas inerentes ao exercício de suas funções laborais – como, por exemplo, a diminuição qualitativa ou quantitativa de sua produtividade – à situação financeira da empresa ou a outros inúmeros fatores abarcados pelo poder diretivo do empregador. Isso porque sendo o referido caráter discriminatório da dispensa presumido, tal suposta ilegalidade pode ser afastada por prova robusta de que a doença do empregado em nada influenciou a decisão do empregador.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a Equipe Trabalhista do VLF Advogados.
Renata Olandim Reis
Advogada da equipe trabalhista do VLF Advogados
Clarissa Mello da Mata
Advogada da equipe trabalhista do VLF Advogados
(1) Veja aqui a íntegra da decisão tratada.