A figura do investidor-anjo sob a LC 155/16
Pedro Ernesto Rocha, Glauber Mesquita e Aline Piteres
Entrou em vigor em 27 de outubro de 2016 a Lei Complementar 155/2016 ("LC 155/16"), que alterou a Lei Complementar 123/06, reorganizando a metodologia de apuração do imposto devido por empresários optantes do Simples Nacional, e instituindo a figura do investidor-anjo, com o intuito de fomentar o investimento em startups que se enquadrem como microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP).
Em geral, o investimento anjo caracteriza-se como um aporte de capital realizado em negócios embrionários e com alto potencial de crescimento. Esses investimentos são usualmente feitos por profissionais do ramo, que contribuem para o negócio com seus conhecimentos na área, apoiando o empreendedor como uma espécie de mentor, e que, em troca deste investimento financeiro e intelectual, recebem uma participação no negócio ou um título que lhes garanta o direito de vir a fazer parte do negócio. O interesse para esses investidores – chamados de investidores-anjo – advém do alto potencial de retorno do empreendimento.
A LC 155/16 veio regular a figura do investidor-anjo, para permitir o investimento de pessoas físicas e jurídicas, dando maior segurança tanto para o investidor quanto para as startups receptoras do investimento (1).
A LC 155/16 dispõe que o investidor: (a) não será considerado sócio; (b) não terá qualquer direito à gerência ou voto na administração; (c) não responderá por qualquer dívida da startup; (d) será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, por um período de, no máximo, 5 (cinco) anos, não podendo tal remuneração ser superior a 50% dos lucros do exercício social encerrado; e (e) fará jus a direito de preferência na aquisição da startup em caso de venda, e ao direito de venda conjunta da titularidade de aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios.
A ausência de responsabilidade por qualquer dívida relativa à startup – mesmo em caso de recuperação judicial – sem dúvida é fator positivo e incentivador ao investimento anjo. O fato de não ser considerado sócio e de não poder sofrer os efeitos de eventual desconsideração da personalidade jurídica significa que, ao menos em tese, o investidor-anjo não correrá qualquer outro risco além do eventual insucesso do negócio; em outras palavras: o investidor-anjo terá que se preocupar apenas em aportar recursos, não sendo necessário se precaver para responder potenciais demandas futuras de ordem trabalhista, fiscal ou cível.
Também são significativos os benefícios fiscais. A LC 155/16 prevê que o aporte feito no negócio pelo investidor-anjo não integrará o capital social da ME ou EPP e nem será considerado como receita da sociedade (ou seja, o valor aportado não será utilizado para aferir o enquadramento da sociedade no Simples Nacional). Dessa maneira, a sociedade terá mais recursos para aplicar em seu desenvolvimento sem que ocorra o seu desenquadramento do Simples.
A já citada possibilidade de que o investidor-anjo seja pessoa jurídica é outra vantagem que repercute no aspecto fiscal. Até então, não era possível que uma sociedade investisse em uma ME ou EPP nem mesmo mediante a instituição de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP). É que, para fins tributários (2), a SCP se equipara a pessoa jurídica e as ME e as EPP não podem ter como sócios pessoas jurídicas, sob pena de exclusão do Simples Nacional (art. 30, §3º, III, LC 123/06). Neste sentido, a LC 155/16 amplia o espectro de potenciais investidores nas startups sem levar ao desenquadramento do Simples.
Por outro lado, algumas restrições trazidas pela LC 155 podem, na prática, afastar os investidores.
É esse o caso da regra que impossibilita o investidor de participar da gestão dos negócios (segundo o artigo 61-A, §4º, ‘I’ o investidor-anjo não “terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa”). Essa regra repele investidores que tenham perfil mais participativo nos negócios em que investe. É comum que haja nos contratos de participação uma cláusula de veto, que dá ao investidor o direito de, a seu exclusivo critério, impedir determinadas ações pretendidas pelos sócios da startup, e, portanto, o protege. Ao vedar esse costume, do ponto de vista do investidor, a legislação está aumentando a imprevisibilidade e o risco de insucesso do negócio (afinal, o investidor pode entender que seu conhecimento e experiência podem contribuir sobremaneira para a boa condução das operações da startup e consequentemente para seu sucesso).
Outros pontos controversos que merecem de plano ser lembrados são a previsão do prazo máximo de 5 anos para remuneração do investimento (já que esse prazo pode se mostrar curto para a maturação e rentabilidade do negócio); e a limitação do percentual a ser distribuído ao investidor como remuneração pelo seu aporte (na prática, pode não ser atrativo ao investidor).
Diante dessas questões, resta saber se os benefícios criados para o investidor-anjo farão com que a Lei Complementar 155 alcance seus objetivos e não seja deixada de lado em prol de outros arranjos que atualmente já são utilizados pelo mercado, tais como contratos de opção de compra de participação societária e sociedades em conta de participação, que são instrumentos menos regulados e que dão mais liberdade às partes para contratação do investimento.
Pedro Ernesto Rocha
Advogado da equipe de consultoria societária do VLF Advogados
Glauber Mesquita
Advogado da equipe tributária do VLF Advogados
Aline Piteres
Estagiária da equipe de consultoria societária do VLF Advogados
(1) “Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa.
§1º As finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos.
§2º O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo.
§3º A atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade.
§4º O investidor-anjo:
I - não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa;
II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;
III - será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos.
§5º Para fins de enquadramento da sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte, os valores de capital aportado não são considerados receitas da sociedade.
§6º Ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte.
§7º O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.
§8º O disposto no § 7o deste artigo não impede a transferência da titularidade do aporte para terceiros.
§9º A transferência da titularidade do aporte para terceiro alheio à sociedade dependerá do consentimento dos sócios, salvo estipulação contratual expressa em contrário.
§10. O Ministério da Fazenda poderá regulamentar a tributação sobre retirada do capital investido.
Art. 61-B. A emissão e a titularidade de aportes especiais não impedem a fruição do Simples Nacional.
Art. 61-C. Caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.
Art. 61-D. Os fundos de investimento poderão aportar capital como investidores-anjos em microempresas e empresas de pequeno porte.”
(2) Solução de Consulta Disit/SRRF10 nº 10024, de 22 de junho de 2015. Assunto: Simples Nacional. Ementa: Optante pelo Simples Nacional. Vedação à participação no capital de outra pessoa jurídica. Sociedade em Conta de Participação (SCP). Equiparação à pessoa jurídica. Para fins tributários, a Sociedade em Conta de Participação - SCP equipara-se a pessoa jurídica. Sendo assim, as microempresas ou empresas de pequeno porte que sejam sócias de SCP não poderão beneficiar-se do tratamento jurídico diferenciado previsto na Lei Complementar nº 123, de 2006, o que implica a exclusão do Simples Nacional. Solução de Consulta vinculada à Solução de Consulta COSIT nº 139, de 3 de junho de 2015. Dispositivos Legais: Lei Complementar nº 70, de 1991, art. 1º; Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 3º, §§ 4º, VII, 5º e 6º; Lei nº 9.715, de 1998, art. 2º, I; Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), arts. 991 a 993; Decreto-Lei nº 2.303, de 1986, art. 7º; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 148, 149, 254 e 515; Instrução Normativa SRF nº 31, de 2001, art. 1º, caput, e § 1º; Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 14, de 2004.