STJ fixa entendimento de que responsabilidade contratual e extracontratual prescrevem em três anos
Stefânia Bonin
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), em ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.281.594/SP, que ocorreu no dia 22/11/2016, fixou entendimento de que o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual (1).
O caso fático envolve uma revendedora de automóveis e uma montadora de veículos que rescindiram contratos de vendas e serviços. A revendedora ajuizou ação de reparação de danos sob a alegação de que a fabricante lhe causou prejuízos por infringir o direito de exclusividade e preferência que detinha para comercializar os veículos da marca em determinada região. A ação não logrou êxito na primeira instância, em que foi reconhecida a prescrição, extinguindo o feito, tendo sido a sentença confirmada em segunda instância.
A controvérsia instaurada gira em torno da interpretação do artigo, 206, §3º, V, do Código Civil (2), que prevê que prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Trata-se de antiga discussão acerca da aplicabilidade do referido prazo tanto para responsabilidade contratual quanto para responsabilidade extracontratual.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a responsabilidade civil contratual tem origem com o inadimplemento total ou parcial do contrato, enquanto a responsabilidade civil extracontratual decorre da prática de um ato ilícito, em que não há vínculo anterior entre as partes por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual.
Em recurso ao STJ, a revendedora requereu o afastamento da prescrição pela aplicação do prazo prescricional de dez anos, previsto no artigo 205, do Código Civil (3), sob a alegação de tratar-se de responsabilidade civil contratual, sendo o prazo trienal aplicável apenas às hipóteses de responsabilidade ex delicto.
Em sentido contrário, na análise feita pelo STJ, o relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o termo “reparação civil”, presente no artigo 206, §3º, V, do Código Civil, deve ser interpretado amplamente, de forma a abarcar tanto a responsabilidade contratual (artigos 389 a 405) como a extracontratual (artigos 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (artigo 186, parte final), e de abuso de direito (artigo 187). Ademais, de acordo com a redação do referido artigo, não foi conferida distinção entre as responsabilidades que alcança.
Outrossim, foi abordada como ponto crucial para o exame da questão controvertida, a sistemática adotada pelo Código Civil de 2002, que primou pela redução dos lapsos prescricionais, tão delongados no diploma anterior. O que se percebe é que houve uma ampliação do rol de prazos específicos de prescrição e, por conseguinte, uma redução dos casos de aplicação do prazo geral do artigo 205, do Código Civil.
Observa-se a relevância da unificação dos prazos prescricionais, sobretudo em torno da responsabilidade civil, no sentido de conferir às relações jurídicas maior segurança, previsibilidade e uniformidade de tratamento. Nesse sentido, não seria coerente estabelecer o lapso temporal decenal para as reparações civis decorrentes de contrato e aplicar o prazo prescricional trienal tão somente para a reparação civil no âmbito extracontratual.
O Ministro Relator, inclusive, trouxe à baila análise do tema sobre a ótica do Código de Defesa do Consumidor, editado mais de uma década antes do Código Civil. O referido diploma, que visa, por meio do equilíbrio nas relações entre o consumidor e o fornecedor, tutelar os direitos de vulneráveis postos no mercado de consumo, não concede prazo tão alongado para que o interessado busque sua pretensão de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, que, ao final, também é derivada de relação contratual. Segundo disposição do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (4), fica estabelecido o lapso de cinco anos, metade do prazo previsto no artigo 205, do Código Civil, para o ajuizamento de demanda fundada em acidente de consumo. Assim, razão não há para adotar o prazo prescricional de dez anos para reparação de danos referentes a contratos que, em regra, sequer envolvem parte vulnerável.
Diante dos fundamentos expostos, concluiu-se que a prescrição das pretensões de natureza de reparação civil, vistas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002, deve observar o prazo comum de três anos.
Importante ressaltar que ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais. Dessa forma, primeiro deve-se averiguar se a pretensão está especificada no rol do artigo 206 ou em demais leis especiais, para só então, em caráter subsidiário, ter incidência o artigo 205.
O referido tema também foi objeto de debate na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, oportunidade em que foi editado o Enunciado 419 (5), no mesmo sentido aqui exposto, segundo o qual "o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual".
Assim, a decisão do STJ de unificar o prazo prescricional para reparação civil advinda de responsabilidade contratual e extracontratual tratou apenas de recepcionar entendimento já pacificado no âmbito doutrinário.
Stefânia Bonin
Advogada da equipe de contencioso do VLF Advogados
(1) REsp nº 1.281.594/SP, Terceira Turma do STJ, julgado em 22/11/2016, DJe. 28/11/2016. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1556962&num_registro=201102118907&data=20161128&formato=PDF
(2) “Art. 206. Prescreve: § 3o Em três anos: V - a pretensão de reparação civil.” Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Último acesso em 15 de dezembro de 2016.
(3) “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Último acesso em 15 de dezembro de 2016.
(4) “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.” Código de Defesa do Consumidor. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm. Último acesso em 21 de dezembro de 2016.
(5) Enunciado 419. Art. 206, § 3º, V: O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual. V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília : CJF, 2012.