Os Dispute Boards e os contratos de construção civil
Lucas Sávio Oliveira e Carolina Santoro Goulart
Uma empreiteira é contratada para a construção de uma ponte suspensa com 1500m de vão livre. O projeto, previamente elaborado pela contratante, foi utilizado para a definição dos preços unitários orçados, dentre eles o relativo à perfuração para cravação dos pilares. Passado ¼ do prazo acordado para o término da obra é verificado que o projeto precisa ser alterado e que mais cravações serão necessárias. O ajuste financeiro é, então, feito com base nos preços unitários, dando-se quitação de parte a parte. Todavia, no momento de fazer as novas cravações ocorre a descoberta de material mais duro do que os estudos geológicos tinham apontado, fazendo com que os preços unitários acordados para perfuração não fossem compatíveis com a realidade. O desequilíbrio financeiro gerado inviabilizava o negócio por parte da empreiteira, que não consegue negociar novos valores com a contratante. A obra para.
Situações como a descrita não são incomuns na execução de contratos de obras civis, especialmente as de grande porte. E se não bastassem os transtornos e gastos com a paralização, outros virão para a resolução do litígio, que mesmo em arbitragem, poderá levar mais de um ano para ser resolvido. Foi pensando em evitar um quadro assim que surgiu o Dispute Board, ou comitê de controvérsias, em uma tradução literal para o português.
Antônio Fernando Marcondes, com base na definição do Dispute Resolution Board Foundation (DRB-F), afirma que o Dispute Board
“é um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratado antes do início de um projeto de construção para acompanhar o progresso da execução da obra, encorajando as partes a evitar disputas e assistindo-as na solução daquelas que não puderem ser evitadas, visando à solução definitiva” (1).
Destaque-se que a citada instituição publicou em 2009 dados de pesquisa que demonstram que 97% dos litígios provenientes de contratos de construção que previam a utilização do método foram solucionados com sucesso (2).
O Dispute Board surgiu no ano de 1975, quando foi utilizado experimentalmente para acompanhar a execução do projeto de construção do Eisenhower Tunnel Colorado, nos Estados Unidos. O ensaio demonstrou a eficácia do método que, a partir de então, ganhou relevância nos Estados Unidos e passou a ser adotado em inúmeros projetos na área de construção (3).
No Brasil, o Dispute Board foi utilizado com sucesso na construção da Linha 4-Amarela do Metrô da cidade de São Paulo e também na entrega de 35 contratos internacionais para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos ocorridos no Rio de Janeiro em 2016 (4).
Frequentemente, os comitês de controvérsias são compostos por três profissionais especialistas, que devem ter domínio sobre a construção e os documentos contratuais (5). Aconselha-se que os membros do comitê sejam experientes em outros métodos de resolução de conflitos e que atuem de forma imparcial.
Tais profissionais são contratados desde o início podendo, inclusive, acompanhar a formação do contrato. Seu trabalho segue durante toda a execução da avença, fazendo com que eles tenham pleno conhecimento, em tempo real, do andamento do empreendimento e todas as suas vicissitudes, em especial do cumprimento dos marcos contratuais. No caso citado, houvesse a previsão de um Dispute Board, ele poderia, por exemplo, ter atuado na revisão do projeto, verificando logo que as mudanças levariam a mais cravações em áreas não analisadas geologicamente, recomendando novos estudos e, assim, evitando o conflito.
O acompanhamento da obra pelo comitê não se dá apenas por meio de documentos enviados pelas partes, a exemplo dos diários de obra, mas também in loco. As visitas regulares dos membros do comitê a campo fornecem informações importantes e permitem, por exemplo, averiguar os serviços executados, o relacionamento entre as partes e o cumprimento do cronograma (6).
Existem três modalidades distintas de Dispute Boards: o Dispute Review Board, no qual os especialistas emitem recomendações não obrigatórias para as partes, que apenas se tornam vinculantes caso as partes não se manifestem em contrário em prazo previamente determinado; o Dispute Adjudication Board, em que os especialistas proferem decisões que vinculam as partes desde o início, independente da insatisfação dos contratantes; e os Combined Dispute Boards, que podem emitir recomendações ou decisões, dependendo das circunstâncias do caso concreto (7).
Câmaras e instituições internacionais como Chartered Institute of Arbitrators (CIArb), International Chamber of Commerce (ICC), Institution of Civil Engineers (ICE), American Arbitration Association (AAA), e Dispute Board Federation, possuem regulamentos que disciplinam a adoção e o funcionamento de Dispute Boards. No Brasil, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) e a Câmara de Mediação e Arbitragem do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CMA/CREA-MG) também possuem regulamento sobre o método. Em breve, também a Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (CAMARB) contará com seu próprio regulamento.
Espera-se que, seguindo a tendência mundial, os Dispute Boards passem a fazer cada vez mais parte da realidade brasileira. Seguramente, buscar evitar controvérsias e, quando não for possível, solucioná-las de modo satisfatório, poupando dinheiro, tempo e obtendo um grande nível de satisfação das partes envolvidas, é algo buscado por quem atua no mercado de construção civil.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Arbitragem, Consultoria Internacional e Contratos do VLF Advogados
Carolina Santoro Goulart
Estagiária da equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) MARCONDES, 2011 apud VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 327.
(2) Sobre os Disputes Boards em Centro de Arbitragem e Mediação Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Disponível em: <http://www.ccbc.org.br/Materia/1063/dispute> Acesso em 10/01/2016.
(3) VAZ, Gilberto José. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os Dispute Boards e os contratos administrativos: são os DBs uma boa solução para disputas sujeitas a normas de ordem pública? Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 38, São Paulo: Ed. RT, jul-set/2013, p. 134.
(4) MIERS, Christopher. Real Time Dispute Resolution in Rio de Janeiro..Since you Cannot Delay the Olympic Games. Disponível em: <http://kluwerarbitrationblog.com/2015/05/25/real-time-dispute-resolution-in-rio-de-janeiro-since-you-cannot-delay-the-olympic-games/> Acesso em 10/01/2016.
(5) Publicação International Chamber of Commerce, 2015, Disponível em: <http://www.iccbrasil.org/resolucao-de-litigios/dispute-boards/> Acesso em 10/01/2016.
(6) VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 327.
(7) VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 329.