Cumprimento de tutela de urgência de natureza antecipada revertida em favor do réu e ressarcimento dos prejuízos suportados
Samilly O. Motta
Visando resguardar e assegurar o regular exercício dos direitos das partes, a legislação processual brasileira prevê mecanismos para que os efeitos dos seus pedidos e/ou requerimentos possam ser antecipados, em caráter provisório, nos casos em que, cumpridos os requisitos legais, restarem demonstrados os prejuízos de aguardar o regular tramite processual, até o provimento final da demanda.
Tais mecanismos estão descritos no Livro V do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/2015”), que regula a tutela provisória.
Embora a matéria da tutela provisória seja extensa e disponha sobre vários procedimentos, por ora, serão abordados os institutos da “tutela de urgência de natureza antecipada” e da “antecipação dos efeitos da tutela”, que aquele sucedeu, previsto no art. 273 do Código de Processo Civil de 1973 (“CPC/1973”).
Na maioria dos casos, os requerimentos de tutela de urgência de natureza antecipada, assim como acontecia com a antecipação dos efeitos da tutela, são formulados pelos autores da ação e apreciados pelo juiz antes da dilação probatória ou, até mesmo, da apresentação de defesa pela parte ré.
Sendo assim, é comum que ao final da demanda em que foi deferida a tutela de urgência de natureza antecipada, reste comprovado que os pedidos formulados pelo autor são improcedentes, hipótese em que o réu poderá ter suportado prejuízo financeiro indevido, devendo este, portanto, ser ressarcido em igual proporção.
Na vigência do CPC/1973, a indenização devida aos réus era regulada apenas no Livro III, que versava sobre o processo cautelar (1), existindo uma lacuna sobre o procedimento a ser seguido nos casos em que o prejuízo suportado decorria do cumprimento da antecipação dos efeitos da tutela, prevista no art. 273 do referido diploma.
A inexistência de regulação específica sobre a matéria fazia com que os réus prejudicados ficassem à mercê do entendimento do juiz ou dos tribunais, sendo obrigados, em muitos casos, a propor uma nova ação para pleitear a reparação devida.
Com as modificações trazidas pelo CPC/2015, as tutelas de urgência de natureza antecipada e de natureza cautelar passaram a ser reguladas pelo Livro V, Título II, possuindo disposições gerais semelhantes, inclusive no que tange às indenizações devidas ao réu, caso os prejuízos suportados com o cumprimento da tutela concedida se mostre indevido, como se verifica em análise às disposições do art. 302:
“Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I - a sentença lhe for desfavorável;
II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”
Necessário observar que, além de resguardar expressamente o réu nos casos em que a tutela de urgência deferida é revogada por uma decisão a ele favorável, o art. 302 ainda garante a possibilidade da indenização ser liquidada nos próprios autos.
Uma vez liquidado o valor devido, o réu poderá valer-se do cumprimento de sentença para executar o seu crédito.
Esta possibilidade atende aos princípios da celeridade e economia processual, dispensando a propositura e tramitação de outra ação de conhecimento, e, ainda, exime a parte, já prejudicada, de recolher custas inicias e de desembolsar demais despesas necessárias para propor uma nova demanda.
Evidentemente, as referidas disposições não asseguram que o autor terá condições de arcar com o pagamento da indenização pelos prejuízos causados ao réu, razão pela qual o art. 300, §1º do CPC/2015 (2), prevê a possibilidade do deferimento da tutela ser condicionado à prestação de caução idônea, caso o juiz entenda que esta é necessária.
Importante destacar que a exigibilidade da caução não é obrigatória, pois sua fixação depende do convencimento do juiz e/ou da condição financeira da parte que requereu a tutela de urgência em arcar com sua prestação.
Desta forma, cabe ao réu apresentar elementos hábeis a convencer o julgador a fixar caução idônea para resguardar seus direitos se, ao final da demanda, os pedidos autorais não prosperarem.
Anote-se que, mesmo se o juiz entender pela não fixação da caução, o réu ainda poderá, ao final da lide, requerer a indenização que lhe é devida, devendo, para tanto, aguardar o trânsito em julgado da decisão final da demanda, valendo-se das disposições regulares do cumprimento de sentença e, subsidiariamente, da execução.
Samilly O. Motta
Advogada da equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) “Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código; IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810). Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar.” (art. 811 do CPC/73, disponível no sítio virtual: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm).
(2) “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. §1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.” (art. 300, §1º do CPC/15, disponível no sítio virtual: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm).