Nova Lei Anticorrupção e seus impactos nas sociedades brasileiras
Mariana Resende
A Nova Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), também chamada de “Lei da Empresa Limpa”, entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014, prometendo mudanças internas nas sociedades empresárias a partir da imposição de um tratamento mais severo às práticas corruptas que beneficiam pessoas jurídicas.
A responsabilidade da pessoa jurídica passou a ser objetiva, civil e administrativa, por "atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira", dispensando-se qualquer indagação de culpa. Praticado algum ato ilícito elencado na Nova Lei Anticorrupção, em interesse ou benefício da pessoa jurídica, que cause dano à Administração Pública nacional ou estrangeira, a empresa será punida, ainda que não tenha tido qualquer conduta positiva ou descuido relacionado ao ato de corrupção, e independentemente da responsabilização individual de seus dirigentes, diretores ou dos agentes que praticaram tal conduta.
O grande avanço no combate à corrupção trazido pela norma é considerado tardio. Desde 2.000, o Brasil havia assumido o compromisso de adotar medidas necessárias para a responsabilização de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro, ao aderir à Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, internalizada por meio do Decreto 3.678/00.
Comparado com os Estados Unidos, o atraso brasileiro na regulação do combata à corrupção é ainda mais evidente. A corrupção de agentes públicos estrangeiros é tratada no país pelo FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), lei de 1977, que condena o pagamento de propina ou o pagamento feito em desacordo com normas contábeis. Referida norma ganhou destaque nas últimas semanas em razão das possíveis condenações e processos aos quais a Petrobrás está sujeita pelos escândalos por ela protagonizados nos Estados Unidos.
Cabe ressaltar que, de certa forma, a Nova Lei Anticorrupção ultrapassou o escopo de abrangência da Convenção da OCDE e do FCPA, já que, além do suborno de agentes públicos estrangeiros, elenca outros atos de corrupção lesivos a Administração Pública nacional e estrangeira, como fraudar licitações e manipular o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública. Pela análise de seus dispositivos, pode-se inferir que a Nova Lei Anticorrupção cuidou de imputar às empresas o efetivo combate à corrupção, adotando mecanismos para incentivar a implementação de mudanças estruturais nas sociedades, bem como penalidades que podem impactar a saúde financeira das empresas.
As multas são de valores consideráveis, variando de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, ou, quando não for possível utilizar tal critério, de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). A lista de penalidades que podem ser aplicadas inclui ainda a publicação da decisão em jornal de grande circulação, suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica e sua dissolução compulsória.
Tais penalidades podem ser reduzidas em razão da “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (art.7º, VIII). Referido dispositivo trata de programas de compliance, cuja efetiva aplicação interna e nas relações comerciais com fornecedores e clientes ainda não é considerada expressiva no Brasil. A definição dos parâmetros para a configuração de programas de compliance e a consequente redução das penalidades previstas pela Nova Lei Anticorrupção ainda aguarda regulamentação do Poder Executivo Federal.
Outra forma de reduzir a pena aplicada é a celebração de acordos de leniência com a Administração Pública, com a efetiva colaboração da pessoa jurídica nas investigações, que deverá resultar na identificação de demais infratores e na obtenção célere de provas do ato ilícito.
Apesar de todas as penalidades e mecanismos previstos na Lei Anticorrupção, em vigor há quase um ano, ainda não se tem registros de processos ou denúncias que se baseiam em seus dispositivos. Nesse sentido, o último relatório do Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE, publicado em 29/10/2014, que avalia o cumprimento da Convenção da OCDE pelos Estados signatários, destacou o número inexpressivo de casos de corrupção levados a julgamento no Brasil.
O relatório inclui ainda severas recomendações ao país: o aumento da detecção, investigação e repressão do suborno estrangeiro; elaboração da regulamentação da Nova Lei Anticorrupção, no tocante à avaliação e configuração de programas de compliance; a adoção de proteção aos trabalhadores do setor privado que denunciarem casos de suborno, dentre outras.
A ausência de aplicação da Nova Lei de Anticorrupção gera incertezas se o diploma legal efetivamente ensejará as punições nela previstas, em especial das pessoas jurídicas envolvidas nos últimos escândalos no país. Indaga-se ainda se a lei representará mudança significativa na cultura de corrupção nos negócios brasileiros, ao incentivar a introdução de mecanismos de controle interno das pessoas jurídicas. Certo é que não se deve imputar exclusivamente às empresas o papel de combate à corrupção.
Mariana Resende
Advogada da equipe de Consultoria Internacional e Contratos do VLF Advogados.