TJSP decide sobre eficácia da cláusula compromissória estatutária
Francisco Figueiredo
A Lei 13.129/15 trouxe uma série de alterações na Lei Brasileira de Arbitragem (Lei 9.307/96), modernizando o instituto e adequando-o à prática arbitral no Brasil. Apesar de ter sido apelidada de “Nova Lei de Arbitragem”, a Lei 13.129/15 realizou também alterações na Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), ao inserir em seu corpo o art. 136-A (1).
A criação do art. 136-A teve como objetivo regular a inserção de cláusula compromissória nos estatutos sociais de sociedades anônimas, bem como seus efeitos perante os acionistas. Antes da vigência do novo dispositivo, a seguinte situação poderia ocorrer: na deliberação social que decide pela inclusão de cláusula compromissória no estatuto de determinada companhia, os acionistas dissidentes poderiam alegar não estarem vinculados à via arbitral, por não terem manifestado seu consentimento para tal, elemento fundamental da convenção de arbitragem (2). Assim, em uma mesma sociedade, alguns acionistas estariam vinculados à arbitragem, enquanto outros teriam seus litígios solucionados pelo Poder Judiciário.
Com a reforma implementada pela Lei 13.129/15, passou a ser expressa a vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória inserida no estatuto social, sendo garantido ao acionista dissidente o direito de retirada. Assim, caso o acionista dissidente não exerça seu direito de recesso, presume-se sua aceitação às regras do jogo.
Não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão publicada em 14 de dezembro de 2016, suspendeu a eficácia de cláusula arbitral inserida no estatuto social de uma companhia. O acórdão foi proferido em sede de agravo de instrumento interposto pelos acionistas majoritários da Companhia contra decisão que deferiu pedido de antecipação de tutela feito pelos acionistas minoritários.
O Desembargador Relator do recurso fundamentou sua decisão no fato da modificação do estatuto social representar possível abuso do poder de controle dos acionistas majoritários, uma vez que a sociedade estava passando por alegada dificuldade financeira. Assim, na visão do órgão julgador, a eleição da arbitragem (um método de solução de conflitos “sabidamente mais oneroso”) seria conflitante com a “gestão voltada à realização do objeto e cumprimento da função social da empresa”.
Diante do mencionado cenário de crise financeira, o relator entendeu que seria contrário ao interesse da sociedade o pagamento dos haveres dos acionistas dissidentes que resolvessem exercer seu direito de retirada, e considerou que a adoção da arbitragem como método de resolução de conflitos poderia implicar a limitação do direito de acesso à justiça dos acionistas, previsto do art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
O acórdão proferido pelo TJSP demonstra a resiliência de uma visão ainda ultrapassada do instituto da arbitragem e do direito societário na jurisprudência brasileira.
É necessário lembrar que quando uma pessoa decide se tornar sócia de uma companhia, comprando suas ações, ocorre uma aceitação tácita das normas que regem o relacionamento entre os acionistas e a companhia. Dentre tais regras, encontram-se aquelas que preveem o quórum de deliberação das matérias a serem aprovadas pelos acionistas.
Assim, ao comprar ações de uma sociedade, o adquirente se submete a todas as deliberações formalmente válidas tomadas em assembleia geral. O que vincula todos os acionistas às deliberações é o principio majoritário. Tal princípio organiza os interesses individuais dos acionistas, garantindo que a soma final das manifestações de vontade gere um único resultado, que é vinculante em relação a todos (3).
No caso analisado pelo TJSP, a inserção da cláusula compromissória no estatuto da companhia foi aprovada pela maioria dos acionistas. No entanto, o mencionado tribunal desconsiderou o principio majoritário ao suspender a eficácia da convenção arbitral, sob o argumento de possível abuso de poder.
O suposto abuso dos acionistas majoritários foi justificado unicamente na eleição da via arbitral como forma de solução de conflitos, quando deveria ter sido indicada a prática de uma infração no exercício da prerrogativa legal do controle acionário. O voto do Desembargador relator não demonstrou a existência de antijuridicidade na conduta dos acionistas majoritários, nem mesmo a intenção do controlador de causar danos aos minoritários ou a terceiros, elementos indispensáveis para a configuração do abuso de poder (4).
Ao contrário, o Tribunal entendeu que a mera eleição da arbitragem poderia ocasionar danos aos sócio minoritários. No entanto, a própria Lei das Sociedades Anônimas prevê a possibilidade de sua utilização, em seu art. 109, §3º, sendo pouco razoável considerar que a escolha de tal método individualmente considerada possa configurar abuso de poder.
Em relação ao argumento de que a inserção da cláusula compromissória no estatuto social poderia ocasionar a limitação do direito de acesso à justiça, é seguro dizer que a arbitragem possui natureza jurisdicional, e garante aos seus litigantes o direito constitucional de ação (5). É este o entendimento do STF, que reconheceu a constitucionalidade do instituto, exatamente por assegurar ao jurisdicionado o devido acesso à justiça (6). Na realidade, é possível afirmar que por sua celeridade, especialidade e sigilo, a arbitragem costuma ser uma via mais adequada para a solução de conflitos societários.
Diante dessas considerações, observa-se que o TJSP desconsiderou o art. 136-A da Lei das Sociedades Anônimas, criado justamente para definir de vez a situação do acionista dissidente nas deliberações que tenham como objeto a eleição da arbitragem. De fato, o posicionamento adotado demonstra uma visão ainda muito conservadora em relação à arbitragem.
Espera-se que o acórdão comentado seja apenas um caso isolado, representando uma minoria em relação às decisões judiciais que versem sobre arbitragem societária. No fim do dia, não há mais espaço para posicionamentos que não reconheçam ou desprestigiem a arbitragem como método de solução de conflitos de grande importância no atual cenário jurídico.
Francisco Figueiredo
Advogado da equipe de Arbitragem e Consultoria do VLF Advogados
(1) Lei 6.404/76. Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.
§ 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.
§ 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável:
I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe;
II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei.
(2) CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 96.
(3) TELLECHEA, Rodrigo. Arbitragem nas Sociedades Anônimas: Direitos
Individuais e Princípio Majoritário. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 93.
(4) CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas, 2º volume: artigos 75 a 137. 4 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 461.
(5) CARMONA, Carlos Alberto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Atlas, 2009, p. 06.
(6) STF, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206-7/Reino da Espanha, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 30.4.2004.