Banco do Brasil e outras instituições financeiras impossibilitadas de cumprir alvarás de resgate de depósitos judiciais
Marina Caldeira Almeida
A Lei nº 21.720/2015 (1) do Estado Minas Gerais determina às instituições financeiras encarregadas de custodiar depósitos judiciais o repasse de 75% (setenta e cinco por cento) desses valores para conta específica do Poder Executivo local, com o fim de custear gastos com a previdência social, pagamento de precatórios e assistência judiciária, além de amortização da dívida com a União. Os valores não repassados deveriam compor Fundo de Reserva, visando assegurar o pagamento dos depósitos judiciais quando da expedição dos respectivos alvarás de levantamento.
A Lei estadual, no entanto, contraria a Lei Complementar nº 151/2015, que autoriza a utilização de parcela dos depósitos judiciais apenas em ações nas quais o estado é parte. É dizer, enquanto o artigo 2º da lei federal permite somente o levantamento de valores que sejam objeto de depósitos vinculados a processos em que os entes federados sejam parte, a lei do Estado de Minas Gerais, em seu artigo 1º, estende a obrigatoriedade de transferência a todos os processos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Diante da incompatibilidade entre as normas e da manifesta afronta a diversos princípios e dispositivos da Constituição da República de 1988, entre eles, o artigo 170, inciso II, por ofensa ao direito de propriedade, e o artigo 148, incisos I e II, a Procuradoria Geral da República (“PGR”) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade ("ADI") nº 5353, em julho de 2015 (2), no âmbito da qual foi concedida medida liminar pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) para suspender a eficácia da lei mineira.
Confirmada a liminar pelo Plenário do STF (3), em setembro de 2016, as transferências à conta do Estado por parte dos bancos foram suspensas. Contudo, o saldo do Fundo de Reserva contemplado pela Lei nº 21.720/2015 – composto pelos 25 a 30% remanescentes do repasse ao Estado de Minas Gerais -, do Banco do Brasil esgotou-se, não havendo recursos financeiros para honrar com os resgates de valores referentes a depósitos judiciais.
A situação foi comunicada por meio de ofícios expedidos pelo banco público, e, por força da carência de recursos, em dezembro de 2016, o Estado de Minas Gerais foi notificado pelo Banco do Brasil, que requereu a recomposição do fundo de reserva para viabilizar os pagamentos dos alvarás judiciais. Estima-se que, apenas entre os meses de setembro a outubro de 2015, R$ 4,8 bilhões tenham sido repassados.
Em extrato do ofício, o BB declara que ”notificou, em 23/12/2016, o Estado de Minas Gerais sobre a insuficiência de saldo no fundo de reserva, solicitando a sua recomposição em até 48 horas. No entanto, ainda não recebemos os aportes de valores necessários para honrar os pagamentos dos alvarás judiciais.”
Do outro lado, o governo de Minas Gerais garante que a instituição financeira criou um "artifício contábil" na tentativa de obrigá-lo a restituir recursos dos depósitos judiciais recebidos desde 2015. Dessa forma, no dia 4 de janeiro de 2017, recorreu à Suprema Corte, alegando descumprimento de ordem judicial por parte do Banco do Brasil.
Cumpre esclarecer que a decisão liminar proferida pelo STF nos autos da ADI nº 5353, que determinou a suspensão da Lei 21.720/2015, opera com efeitos ex nunc, vale dizer, a partir do momento de sua prolação, sem retroagir no tempo. Logo, os repasses feitos até aquele momento não são afetados pela decisão e consideram-se válidos.
É sobre esse fundamento que repousa a tese principal do governo mineiro na disputa travada perante a Corte Suprema. Em nota, o Estado de Minas Gerais se pronunciou, verbis: “O estratagema utilizado pelo Banco do Brasil, que simula a falta de recursos no fundo de reserva dos depósitos judiciais, constitui nova tentativa da instituição de fazer retroagir a decisão do Supremo. Não há que se falar, nesse momento, em devolução de recursos já repassados ao Estado nem em necessidade de recomposição do fundo de reserva, que não há".
Assim, enquanto a maior instituição financeira do país e um dos estados mais ricos da federação se contrapõem, a incerteza paira sobre os titulares de depósitos judiciais, que seguem sem qualquer garantia de que terão esses valores revertidos para si.
Marina Caldeira Almeida
(1) Disponível neste link.
(2) Conforme notícia disponível aqui.
(3) Conforme notícia disponível aqui.