STF decidirá a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS: em caso de vitória dos contribuintes, haverá modulação nos efeitos da decisão?
Rafhael Frattari
No dia 09 de março, o STF decidirá a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das Contribuições para o PIS e para o Financiamento da Seguridade Social, ao apreciar o RExt. 574.706, ao qual foi reconhecida repercussão geral. Caso a inclusão seja considerada inconstitucional, é possível que haja algum tipo de modulação dos seus efeitos?
A tese que questiona a inclusão do valor pago a título de ICMS na base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social é bem conhecida dos tribunais e da área tributária. Depois de anos, o Supremo Tribunal Federal deve decidir definitivamente sobre a constitucionalidade do procedimento.
Não é preciso dizer que os contribuintes têm boa expectativa de vitória, tanto pela qualidade do direito defendido, quanto pelos indicativos em decisões anteriores, de vários tribunais do país e do próprio STF, ainda que se tenha alterado bastante a sua composição desde outubro de 2014, quando se formou maioria pela tese da inconstitucionalidade, em julgamento não finalizado.
Neste caso, poderia o STF atribuir efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade, para que possa valer apenas para o futuro, deixando de prover a restituição/compensação do que fora efetivamente pago a maior?
Do ponto de vista teórico, isso nunca poderia ocorrer, uma vez que a Lei n. 9.868/99, que prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade não pode desprezar direitos fundamentais, o que certamente haveria caso a propriedade dos contribuintes não seja recomposta com a devolução do tributo indevidamente exigido.
Em trabalho acadêmico escrito há mais de dez anos, ainda nos bancos da UFMG, defendi que sempre que houver inconstitucionalidade de tributo, há de se ter a devolução do montante indevido (1). No ponto, não deveria haver espaço para tergiversações, sobretudo diante do histórico de ilegalidades perpetradas contra os contribuintes no Brasil, que levou um ministro na década de noventa a dizer que era comum a instituição ou exigência de tributos sabidamente fora dos parâmetros legais. Na prática, infelizmente, as coisas não correram bem assim.
A primeira vez que o STF aventou a hipótese de atribuir efeitos meramente prospectivos à declaração de inconstitucionalidade do tributo foi no caso da contribuição sobre autônomos e empresários, instituída irregularmente pelo art. 22 da Lei n. 8.212/91. No julgamento da ADIN. n. 1.102-2/DF, o então Ministro Maurício Corrêa considerou a sugestão do Ministério Público Federal pela modulação dos efeitos da decisão, o que deixaria a ver navios inúmeros contribuintes impactados com o tributo inconstitucional.
À época, o STF não acolheu a malsinada modulação proposta pelo Ministro Maurício Corrêa e concedeu ampla devolução do valor recolhido indevidamente, por óbvio, se requerido de acordo com as regras prescricionais vigentes.
Anos depois, o alerta sobre o tema parece ter se acendido para os contribuintes. É que no julgamento que originou a Súmula Vinculante n. 08, o STF pronunciou-se no sentido de que apenas contribuintes que já tivessem ajuizado medidas judiciais contra a aplicação do prazo decadencial e/ou prescricional de 10 anos para as contribuições devidas à seguridade social é que poderiam beneficiar-se dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Explique-se melhor.
A decisão do STF considerou ilegais os arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212, que aumentaram o prazo decadencial e prescricional contra a União Federal, ao arrepio da exigência de lei complementar para a matéria. Assim, a partir da decisão os prazos voltaram a ser de 5 anos, nos termos do CTN. Restava decidir o que fazer para o passado, nos casos em que tributos haviam sido exigidos e executados com a aplicação dos prazos inconstitucionais.
Neste ponto, o STF tomou caminho equivocado, sem dúvida. Para os casos em que o contribuinte havia se insurgido contra a utilização dos dispositivos em ações judiciais já propostas, o STF garantiu-lhes a aplicação da Súmula n. 08, como não poderia deixar de ser, claro. No entanto, os contribuintes que ainda não haviam ajuizado ações e que pagaram tributos lançados ou executados fora do prazo do CTN (de acordo com a lei inconstitucional) não poderiam propor qualquer pedido de devolução, ainda que seja claro que o pagamento de crédito tributo decaído ou prescrito é considerado pagamento de crédito extinto, nos termos do art. 156, V do CTN. Na hipótese, houve nítida modulação contra o interesse do contribuinte de boa fé, que se comportou com o máximo de lealdade com a Administração Pública, já que pagou o crédito tributário, mesmo diante de notícias de sua ilegalidade.
Além de afrontar direito fundamental do contribuinte, o procedimento deveria ser evitado por razão de política judicial, pois premia os contribuintes que judicializam todas as suas questões, punindo aqueles que não o fazem, esperando uma definição do Judiciário sobre os casos. O recado dado aos contribuintes é claro: não deixem de ajuizar ações sempre que houver expectativa de direito, muito menos aguarde que o STF defina a questão, sob pena de que seu direito seja soterrado pela curiosa modulação de efeitos.
Certamente, o precedente acima indica que o STF pode percorrer a mesma trilha no caso da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS. Por isso, é bastante aconselhável que os contribuintes que ainda não ajuizaram as suas ações façam-no até a data de julgamento do caso, ou seja, até o dia 09 de março. Embora seja bem provável que a maioria dos contribuintes já tenha buscado o Judiciário para discutir a tese que será apreciada, não custa lembrar aos que ainda não o fizeram do risco que estão correndo.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de contencioso tributário do VLF Advogados.
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) FRATTARI, Rafhael. Os prazos para a restituição do indébito no Direito Tributário Brasileiro: teoria e prática. Belo Horizonte: Líder, 2010.