STJ afirma que Lei de Execução Fiscal não limita o número de substituições da garantia oferecida em juízo
Luciana Netto e Patrícia Bittencourt
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.637.094/SP (1), ocorrido em dezembro de 2016, entendeu que o artigo 15, I, da Lei nº 6.830/1980 (“Lei de Execução Fiscal”) (2), não traz qualquer limitação acerca da quantidade de vezes que é possível efetuar a substituição da penhora ou mesmo da garantia oferecida nos autos.
O caso fático trata de uma Execução Fiscal ajuizada pelo Município de São Paulo em desfavor de Instituição Financeira, que inicialmente teria oferecido títulos de dívida pública para garantia dos débitos de Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) discutidos em juízo.
Durante o tramite da Execução Fiscal, a Executada requereu, de início, a substituição da garantia oferecida por fiança bancária, o que foi deferido. Após, com a reforma da Lei de Execução Fiscal, que passou a permitir expressamente a apresentação de seguro garantia judicial para caução do valor executado, a Instituição Financeira pleiteou nova substituição da garantia, de fiança bancária para seguro garantia judicial, o que foi indeferido, por suposta ausência de amparo legal para a nova substituição pretendida pelo banco.
O cerne da controvérsia, como visto, diz respeito à intepretação do artigo 15, I, da Lei de Execução Fiscal, que estabelece que, em qualquer fase do processo, o juiz deferirá ao executado a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia judicial.
O STJ, por meio da análise feita pelo relator do Recurso Especial, Ministro Herman Benjamin, compreendeu que o referido dispositivo, de fato, não define a quantidade de vezes que é possível efetuar a substituição da penhora.
Para o STJ, em correta leitura da legislação, o silêncio da norma quanto ao número de vezes em que pode ocorrer a substituição da penhora ou garantia não pode ser interpretado de forma restritiva ao Executado, especialmente por não haver prejuízo ao Exequente, já que se trataria de substituição de cauções idôneas e previstas em lei.
O acórdão destaca, contudo, existir limites à substituição da garantia, apenas não quanto ao número de vezes da substituição, mas sim quanto à equivalência entre as garantias ofertadas.
Significa dizer que uma garantia somente poderá ser substituída por outra se esta última possuir o mesmo status daquela ofertada inicialmente. Ou seja, por exemplo, o depósito em dinheiro poderia ser substituído por fiança bancária, já que ambas as garantias possuem o mesmo status legal, mas não poderia ser substituído por bens ofertados pelo Executado. Este, inclusive, é o entendimento que já vinha sendo adotado pelo STJ (3).
Quanto a este ponto, a discussão mereceria melhor atenção pelo STJ. De fato, a aplicação da ordem legal prevista para oferta de garantias de forma absoluta, como vem sobrevindo na jurisprudência, afronta o princípio da menor onerosidade das execuções, o qual foi mantido pelo Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 805, que dispõe: “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.
Ainda que a prevalência do interesse público sobre o interesse privado e a supremacia da ordem legal estabelecida para oferecimento de garantias sejam argumentos para estabelecimento de limites de substituição de caução, quanto à natureza das garantias, melhor seria se cada substituição fosse analisada caso a caso, observando a possibilidade de prosseguimento pelo meio menos gravoso, especialmente diante do custo do dinheiro, atualmente, no Brasil.
A Ministra Eliana Calmon, no julgamento do Recurso Especial 1.156.668/DF, já chamou atenção ao tema, em voto vencido no qual destacou que “é preciso que se atente para a necessidade de as empresas saírem do sufoco fiscal em que vivem, porque o dinheiro no Brasil é absolutamente caro pelos juros extorsivos, e é preciso, muitas vezes, que a empresa tenha capital de giro” (4).
De toda sorte, enquanto não há reflexão pelo STJ quanto à possibilidade de substituição de garantias, respeitando a menor onerosidade ao Executado, ao menos se reconheceu a possibilidade de múltiplas substituições de penhora e garantias ofertadas, desde que seja reconhecida a equivalência entre elas.
Destaca-se, por fim, que o entendimento é aplicável também às Execuções Fiscais de créditos não tributários.
Leia aqui a íntegra do acórdão.
Luciana Netto
Advogada da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
Patrícia Bittencourt
Advogada da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
(1) STJ – Recurso Especial nº 1.637.094/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin. Julgado em 06/12/2016. Publicado em 19/12/2016. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=66971137&num_registro=201602865266&data=20161219&tipo=51&formato=PDF>. Último acesso em 16 de fevereiro de 2017.
(2) Art. 15. Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz: I - ao Executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6830.htm>. Último acesso em 16 de fevereiro de 2017.
(3) STJ – EREsp 1077039/RJ, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 09/02/2011. Publicado em 12/04/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=6281243&num_registro=200901274396&data=20110412&tipo=91&formato=PDF>. Último acesso em 16 de fevereiro de 2017.
(4) Voto vista proferido pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do REsp 1156668/DF, Primeira Seção. Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 24/11/2010, publicado em 10/12/2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=999573&num_registro=200901753941&data=20101210&formato=PDF> Último acesso em 16 de fevereiro de 2017.