Prescrição e causas de suspensão da exigibilidade: STJ precisa aceitar que pau que dá em Francisco, tem que dar em Chico também!
Rafhael Frattari
O Superior Tribunal de Justiça está julgando caso relacionado à fluência do prazo prescricional para que o Fisco ajuíze a ação de execução cujo resultado poderá ter efeitos trágicos, já que a um só tempo: fará letra morta das causas de suspensão da exigibilidade do crédito expostas no CTN, desrespeitará sua jurisprudência anterior, desprezará o princípio da actio nata, bem como implicará em tratamento privilegiado ao Fisco.
O julgamento em andamento cuida de embargos de divergência interpostos no AgRg na AREsp. n. 407.940 e os votos já proferidos destoam da jurisprudência anterior do STJ. Veja-se alguns detalhes do caso.
O contribuinte ajuizou mandado de segurança e obteve liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário. Houve sentença concedendo a segurança e, portanto, mantendo os efeitos da causa suspensiva. Posteriormente, em 2ª instância reformou-se a sentença, o que significa decisão favorável ao Fisco. Houve, então, interposição de recurso especial pelo contribuinte, sem a atribuição de efeito suspensivo e, posterior, trânsito em julgado de decisão favorável ao Fisco. Na hipótese, a ação execução fiscal foi proposta mais de cinco anos após a cassação dos efeitos da medida liminar (confirmada pela sentença), mas menos de cinco anos após o trânsito em julgado da ação.
Neste caso, entendeu o Ministro Kukina que o prazo prescricional contra a Fazenda Pública só deveria fluir a partir do trânsito em julgado, ainda que já em 2ª instância tenha sido revogada qualquer medida em favor do contribuinte para suspender o crédito tributário.
Infelizmente, não há no voto do Ministro Kukina nenhum argumento que explique ou justifique o entendimento, mas apenas menção a um trecho da decisão do TJ/RS que laconicamente afirmou que “...a conduta processual de uma das partes não pode gerar encargos para a outra...”, embora não fique claro o que isso significa para o deslinde do problema.
No dia 08 de março, o caso julgado pelo Ministro Kukina começou a ser apreciado pela 1ª Seção do STJ, que, espera-se, o recoloque em acordo com o melhor direito, inclusive já decidido no EREsp. 1.375.895, quando se afirmou o óbvio: a prescrição há de ficar suspensa apenas enquanto perdurar causa que suspende a exigibilidade do crédito.
Evidentemente, enquanto perdurarem os efeitos do provimento liminar favorável e até que sobrevenha decisão posterior contrária ao contribuinte, a causa de suspensão da exigibilidade do crédito surtirá os seus efeitos que lhe são próprios, impedindo que o Fisco ajuíze a ação executiva do crédito. Consequência lógica é que enquanto vigente a causa de suspensão da exigibilidade não fluirá o prazo prescricional, já que neste caso está ausente um dos elementos do fato prescricional: a inércia do credor.
Ora, se o Fisco está impedido de ajuizar a execução, não se pode dizer que está inerte. Nessa hipótese, a Fazenda não executa porque não pode e não porque é desidiosa ou lenta. Seria enorme contrassenso punir alguém porque não se põe a fazer algo que está juridicamente impedido de fazê-lo. Portanto, não há dúvida, presente a causa suspensiva da exigibilidade, teremos todos os seus efeitos mais óbvios: a) impedimento do ajuizamento da ação executiva; b) impedimento da fluência do prazo prescricional contra o Fisco e c) garantia da certidão de regularidade fiscal, com efeitos negativos.
De outro lado, cessada a causa de suspensão, deverá (poder-dever) a Fazenda Pública exigir judicialmente o crédito, o que implica dizer que o prazo prescricional deve transcorrer normalmente, uma vez que não há impedimento à ação fiscal. Em verdade, não há nada de novo ou de complexo no raciocínio exposto, mas apenas o bom e velho princípio da actio nata, malversado na decisão noticiada.
A partir do momento em que não há causa de suspensão, o Fisco pode executar o contribuinte e o prazo para que ele o faça transcorre normalmente, por óbvio. Assim, no caso acima, quisesse a Fazenda propor a ação executiva após a decisão de 2ª instância – que reformou a sentença procedente e cassou os efeitos da liminar outrora concedida – não haveria qualquer impedimento. Logo, o prazo prescricional para que o fizesse estava em curso desde a decisão de 2º grau.
Na verdade, são comuns manifestações da Fazenda Pública no sentido de que a ausência de causa suspensiva em medida judicial proposta pelo contribuinte permite que o Fisco possa ajuizar livremente a execução. Por isso, se crê que nem a Fazenda Pública defenderá o malsinado entendimento, e por uma razão importante.
Se em casos de cassação de liminar a prescrição só começasse a correr após o trânsito em julgado, porque até lá não poderia o Fisco ajuizar a execução, é forçoso reconhecer que neste período (entre a cassação da medida liminar e o trânsito em julgado) o contribuinte devesse fazer jus à certidão com efeitos negativos, já que a execução não poderia ser ajuizada contra ele. A cessação da causa suspensiva deve atuar em prol e contra o Fisco. Como se diz nos cerrados das Minas Gerais, pau que dá em Chico, dá em Franscisco!
De todo modo, o melhor seria que o julgamento dos embargos de divergência dê a chance aos Ministros de retificaram o equívoco cometido no julgamento anterior, em homenagem ao Códito Tributário Nacional e aos mais basilares elementos da prescrição.
Rafhael Frattari
Sócio da área tributária do VLF Advogados.