Juiz determina substituição, de ofício, de Administrador Judicial financeiro da maior Recuperação Judicial do país
Patrícia Bittencourt e Victor Milagres
Recentemente, o juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da capital do Rio de Janeiro decidiu pela substituição, de ofício, da Administradora Judicial financeira da maior Recuperação Judicial atualmente em curso no Brasil.
Em caráter excepcional, motivado pela grandeza da recuperação em questão, o juiz optou por fracionar as atividades de administração judicial em duas, criando a figura do administrador financeiro, para a qual havia nomeado, inicialmente, conhecida empresa de auditoria independente, enquanto para administração jurídica nomeou conhecido escritório de advocacia.
A divisão entre o aspecto financeiro da administração e seu aspecto jurídico não é pouco usual no contexto de recuperações judiciais. Entretanto, normalmente não há divisão entre nomeação de administradores autônomos, mas apenas a nomeação de perito contábil. Isso decorre do papel multidisciplinar exercido pelo administrador judicial, que não se limita à verificação jurídica dos créditos, mas principalmente a fiscalização das atividades da recuperanda, nos termos do art. 22 da Lei nº 11.101/2005 (1).
A função de administrador judicial é indelegável, ou seja, o administrador judicial não pode transferir sua função a terceiros, o que não o impede de pleitear a contratação de auxiliares, em razão do volume de trabalho gerado pelo exercício das suas funções. Contudo, os auxiliares eventualmente contratados atuarão sob orientação e responsabilidade do administrador judicial, que é quem responde perante o juízo pelas funções estabelecidas em lei.
Uma vez nomeado, o administrador judicial poderá deixar suas funções apenas por meio de substituição ou destituição, institutos de causas e repercussões absolutamente distintas.
A substituição não tem suas causas reconhecidas em lei, mas é definida pela doutrina como decorrente de “renúncia justificada, morte, incapacidade civil, falência, etc.” (2). Não se trata de sanção, mas de providência processual para garantir o prosseguimento regular do processamento da recuperação judicial, diante da impossibilidade de continuidade do administrador judicial para as funções nas quais havia sido nomeado.
Por outro lado, a destituição “é sanção imposta ao que não cumpriu a contento com as obrigações inerentes à função ou passou a ter interesses conflitantes com os da massa” (3). A destituição de administrador judicial possui previsão legal, no art. 31 da Lei nº 11.101/2005 (4).
Em caso que teve grande repercussão neste mês de abril, após o prazo para verificação administrativa dos créditos sujeitos à Recuperação Judicial, o juízo verificou a existência de irregularidades na conduta da administradora financeira, chegando a apontar falta de diligência, inclusive com a apuração de créditos em duplicidade, o que chegaria a multiplicar o passivo de forma relevante.
Tratar-se-ia, claramente, de hipótese para destituição da Administradora Judicial. Entretanto, de forma surpreendente, o juiz determinou de ofício, sem que houvesse qualquer incapacidade jurídica ou renúncia, a substituição da administradora judicial, com a justificativa de que, por mais graves que as condutas apuradas fossem, discordava das gravosas sanções legais estabelecidas aos administradores judiciais destituídos.
Isso se dá porque o art. 30 da Lei nº 11.101/2005 determina que o administrador judicial destituído não poderá exercer novamente a função pelos próximos 5 anos (5). Já o art. 24 §3º, da mesma Lei garante apenas ao administrador substituído a remuneração proporcional aos serviços já prestados (6).
Com efeito, a antiga administradora financeira não será impedida de participar de futuros exercícios de administração judicial, bem como será remunerada pelos serviços prestados no caso em questão.
Esse era o objetivo do juiz responsável pela decisão de substituição, que deixou clara sua intenção de amenizar as consequências para a antiga administradora, afirmando que, apesar de haver motivos para a destituição, optou pela substituição, diante das graves consequências que a primeira acarretaria para a antiga administradora.
De toda forma, a legislação não parece ter deixado abertura à interpretação judicial para sanção dos administradores judiciais que descumprirem os deveres estabelecidos pela legislação. Em tais casos, é clara a determinação do art. 31 da Lei nº 11.101/2005 supramencionado.
Por mais que o juiz discorde das consequências atribuídas pela legislação aos administradores judiciais destituídos, é questionável a sua possibilidade de motivar a decisão de substituição apenas em decorrência do seu inconformismo com o texto legislativo.
É certo que o juiz possui a prerrogativa de decidir de acordo com seu livre convencimento, mas este deve ser motivado e fundamentado no ordenamento jurídico ao qual o juiz se submete.
No caso concreto, pode-se entender, inclusive, que houve intenção de preservar o administrador judicial, que deveria ser destituído em detrimento à Recuperanda e aos seus credores, já que houve dispêndio de recursos para pagar pelos serviços prestados, ainda que considerados inadequados pelo juízo.
Portanto, além de se tratar de subversão da lógica da legislação falimentar, que consagra o princípio da preservação da empresa, a decisão, já que despida de qualquer fundamento legal, consiste em indesejável aumento da insegurança jurídica.
Para mais informações, acesse a íntegra da decisão disponível aqui.
Patrícia Bittencourt
Coordenadora da equipe de Contencioso Estratégico do VLF Advogados
Victor Milagres
Estagiário da equipe de Contencioso Estratégico do VLF Advogados
(1) Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembleia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;
(2) COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 111.
(3) COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 111.
(4) Art. 31. O juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado, poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de quaisquer dos membros do Comitê de Credores quando verificar desobediência aos preceitos desta Lei, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros.
(5) Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.
(6) Art. 24 O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. (...)
§3. O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalho realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções por desídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações fixadas nesta Lei, hipóteses em que não terá direito à remuneração.