Convenção Coletiva pode excluir determinadas vagas do cálculo da reserva legal de portadores de deficiência
Renata Olandim
Como forma de contraprestação à sociedade e de modo a corroborar com sua função social, as empresas com mais de 100 (cem) empregados possuem o dever, consubstanciado no caput do art. 93 da Lei nº 8.213/91, de possuir em seu quadro de pessoal empregados que sejam beneficiários reabilitados da Previdência Social ou possuidores de alguma deficiência física ou menta.
A base de cálculo para tal cota se dá em função do número geral de empregados da empresa com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo variar entre 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) de seus cargos disponíveis, dependendo da quantidade de empregados. Veja-se:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados...........................2%;
II – de 201 a 500 empregados.................3%;
III – de 501 a 1.000.....................................4%;
IV – de 1.001 em diante............................5%.
Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao manter acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), entendeu que tal base legal de cálculo pode ser alterada mediante norma coletiva quando a natureza do cargo for incompatível com as habilidades e capacidades físicas e mentais do empregado a ser reintegrado.
No caso em referência (1), o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região ajuizou Ação Anulatória contra o Sindicato dos Trabalhadores em Vigilância do Estado de Tocantins – SINTVISTO e o Sindicato das Empresas de Segurança Privada, de Transporte de Valores, de Cursos de Formação e de Segurança Eletrônica do Estado de Tocantins, alegando ilegalidade de cláusula de convenção coletiva (1) celebrada entre tais Sindicatos, que determinava que a reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais nas empresas de vigilância estaria limitada aos cargos administrativos, sendo o cálculo de tal reserva, consequentemente, efetuado com base tão somente nesses cargos.
Em defesa, os Sindicatos alegaram que a norma coletiva leva em consideração que os serviços de vigilância devem ser prestados por pessoas com plenas condições físicas e mentais – inclusive comprovadas em cursos de formação específica – sendo estas até exigências insertas na Lei nº 7.102/1983 (2), que regula tal atividade, o que destoa da realidade do empregado com necessidades especiais que precisa ser reabilitado ou inserido no mercado de trabalho.
Ao julgar a controvérsia, o TST entendeu que a aplicação do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991 deve ser feita com razoabilidade, respeitando, sobretudo, o preceito inserto no artigo 24, XIV, da Constituição da República, que estabelece como prerrogativa do poder público a proteção e integração social do portador de deficiência, o que somente será garantido com sua inserção em trabalho digno e, principalmente, possível de ser por ele realizado, não podendo tal obrigação legal apenas simular o atendimento a números mínimos e estatísticas frias.
Nesse sentido, entendeu a i. Relatora, Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, ser plenamente válida a norma coletiva em discussão, por concluir ser desarrazoado que a pessoa com deficiência física, por tal condição especial, seja submetida a emprego não condizente com suas atribuições – no caso, exercendo o cargo de vigilante – somente para se considerar o preenchimento de genérica reserva legal. A ministra considerou que o ingresso no emprego do portador de deficiência deve ser digno e garantir a sua segurança. Assim, somente quando existem condições para efetivo exercício de suas capacidades, será alcançada a real isonomia pretendida no artigo 5º, inciso I, da CR/88 (4).
A decisão demonstra a razoabilidade da norma coletiva que exclui a possibilidade de pessoas com deficiência laborarem em atividades de risco para as quais não teriam capacitação e, ao mesmo tempo, exclui tais atividades da base de cálculo para a cota de pessoas com necessidades especiais, uma vez que não seria razoável que os cargos que não podem ser ocupados pelos cotistas fossem contabilizados na base de cálculo da reserva legal.
Importante ressaltar que tal decisão, mais do que conferir reconhecimento à convenção coletiva de trabalho, o que, inclusive, é assegurado pela CR/88 (5) como direito fundamental do trabalhador, é vanguardista ao ampliar sua força de lei – que, em regra, se aplica apenas às partes – a terceiro (no caso, o poder público), sobrepondo-se à lei federal.
Nesse sentido, não poderá a administração pública exigir, ou, ainda, sancionar as empresas de vigilância da base territorial dos Sindicatos Réus por utilizar como base para o cálculo da reserva legal de vagas de pessoas com deficiência apenas os cargos administrativos existentes em sua dinâmica empresarial.
A decisão demonstra que o TST caminha no sentido de conferir maior plausibilidade ao cumprimento de cota de pessoas com deficiência, à medida que ressalta que o objetivo da norma – a efetiva integração na sociedade e no mercado de trabalho das pessoas com necessidades especiais – não pode ser ignorado.
Trata-se de julgamento de inegável relevância, considerando que inúmeras empresas no Brasil, com dificuldades para preencher a cota legal em função das próprias características da atividade principal que desempenham, tem “inflado” o setor administrativo para não desrespeitar a determinação legal.
Veja a íntegra da decisão aqui tratada neste link.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Renata Olandim
Advogada da área Trabalhista do VLF Advogados
(1) CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA - CONTRATAÇÃO DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA HABILITADO OU REABILITADO
Considerando que o vigilante tem a função legal de inibir ou proibir ação delituosa com o uso de armas de fogo ou branca, sendo treinado para defesa pessoal, de patrimônio, de pessoas necessitando, assim, estar em plenitude física e mental, o cumprimento do art. 93 da Lei nº 8.213/91 e arts. 136 a 141 do Decreto 3.048/99, com relação a admissão de pessoa portadora de deficiência física habilitada ou reabilitada, tomará como parâmetro, a exemplo do que ocorre na contratação de policiais (Art. 37, VIII/CF), o dimensionamento relativo ao pessoal da administração, ressalvado o comparecimento de profissionais atendendo a publicação da empresa, que comprove ter curso de formação de vigilante, e que porte Certificado Individual de Reabilitação ou Habilitação expedido pelo INSS, que indique expressamente que está capacitado profissionalmente para exercer a função de vigilante (art. 140 e 141 do Decreto nº 3048/99). Fica facultado a empresa submeter antes à Polícia Federal, conforme Lei 7.102/83 e Portaria/DPF 387/2006, e não se aplicará o aproveitamento em outras funções, porque mais de 99% (noventa e nove por cento) de seus empregados são vigilantes.;
(2) Art. 16 - Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos: (...)
V - ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
(3) Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
(4) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(5) Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;