Armadilhas processuais: não aplicação do prazo em dobro do art. 191 no processo eletrônico
Gabrielle Aleluia e Leonardo Wykrota
Há muito advogamos a tese de que o processo não pode surpreender as partes. É este um corolário não só do contraditório e da ampla defesa, mas também do princípio da eficiência (art. 37, CR/88) a que se vincula o Estado (e por conseguinte, a atividade jurisdicional). Ainda assim, não raro, somos surpreendidos com decisões que aplicam o direito processual de forma contrária a esse preceito.
A Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, regulamenta o uso do meio eletrônico para a prática de atos processuais. A informatização do processo judicial, é, sem sombra de dúvidas, um avanço para o judiciário brasileiro. Ao que tudo indica, reduz as tarefas administrativas, aumenta a celeridade dos atos e traz economia de recursos financeiros e menor impacto ambiental pela eliminação do papel. Aos advogados, permite maior comodidade no protocolo das peças processuais e na obtenção de cópia dos autos.
Nem tudo são flores, porém. Recentemente, alguns julgados surpreenderam as partes ao negar a vigência do art. 191 do CPC ao processo judicial eletrônico. Trata-se de dispositivo que estabelece prazo em dobro para os litisconsortes com procuradores distintos, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos. A regra tem uso corrente na prática forense e, não recebeu qualquer tratamento específico pela Lei que instituiu o processo eletrônico.
Apesar da inexistência de qualquer inovação normativa a esse respeito no âmbito do processo eletrônico, os Tribunais têm mantido o afastamento da norma, surpreendendo as partes na aplicação do Direito Processual, conforme se vê da ementa abaixo:
PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. LITISCONSÓRCIO COM DIVERSIDADE DE PROCURADORES. PROCESSO ELETRÔNICO. DESNECESSIDADE. O artigo 191 deve ser interpretado de forma teleológica, isto é, de forma a atender à finalidade da norma, respeitando os princípios da utilidade, igualdade e da ampla defesa. Assim, a regra contida no art. 191 do CPC é inaplicável ao processo eletrônico, posto que não se fazem mais presentes as restrições para vista dos autos. Agravo desprovido. (2)
Como se vê, o argumento para afastar a dita norma reside no fato de os litisconsortes, no âmbito do processo eletrônico, conseguirem consultar os autos simultaneamente e, por isso, não se justificaria a aplicação do prazo em dobro.
Não discordamos do raciocínio de fundo, pois a disponibilização digitalizada dos autos torna mesmo obsoleta a referida norma. Porém, não se pode descurar do devido processo legal (art. 5º, LIV da CR/88), a impor que as partes saibam, antes do litígio, quais as regras de regência do procedimento, sob pena de grave insegurança jurídica.
O prejuízo é evidente, na medida em que a parte, de boa-fé, pode ser levada a crer que teria o prazo em dobro, já que não houve alteração na regra então vigente do Código de Processo Civil. Desse modo, conquanto o prazo em dobro dos litisconsortes representados por procuradores distintos possa não ser o tratamento mais adequado à sistemática do processo eletrônico, a efetiva alteração das normas de regência do procedimento deve acontecer por via legislativa.
Vale anotar, quanto ao ponto, que o legislador manteve o regramento processual no projeto que institui o Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), cuja aprovação é esperada ainda para este ano. Vejamos, então, se a jurisprudência será atenta às garantias processuais, ou se irá chancelar mais uma “armadilha” processual, como tantas outras que os causídicos precisam enfrentar no cotidiano forense.
Gabrielle Aleluia
Advogada da equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
Leonardo Wykrota
Sócio responsável pela equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
(2) 5001481-41.2012.404.0000, 3ª Turma, Relator p/ Acórdão Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DE 24-05-2012