Medida Provisória n. 789/17 modifica as regras da CFEM
Rafhael Frattari
Em 25 de julho, foi publicada a Medida Provisória n. 789, que alterou substancialmente algumas normas aplicáveis à Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais (“CFEM”). Para a surpresa do setor minerário, a medida provisória insere-se em um “pacote” do Governo Federal, responsável por uma mini reforma no marco legal da atividade.
Desprezando a discussão sobre a reforma do marco legal da mineração, que está há anos no Congresso, a União Federal resolveu ajustar algumas questões no Código Minerário, transformar o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral em agência reguladora e alterar regras importantes da CFEM, popularmente conhecida como os “royalties” da mineração.
Em relação à CFEM, houve várias novidades e algumas mudanças pontuais, feitas sob medida como uma tentativa de colocar fim à continuidade de certos questionamentos administrativos e judiciais, havidos entre os mineradores e o DNPM.
Obviamente, e por determinação constitucional, o fato gerador da CFEM continua sendo a exploração do bem mineral. Por isso, qualquer definição em relação ao momento de sua ocorrência que extrapole o limite constitucional é indevida. Em resumo: só poderá haver exigência da CFEM se houver a exploração mineral.
Nesta linha, foram determinados como o momento de ocorrência do fato gerador da CFEM: a) o da venda de bem mineral; b) o da arrematação, quando a sua aquisição se der em hasta pública; c) o do ato da primeira aquisição, em se tratando de lavra garimpeira e d) o do seu consumo, quando o mineral é utilizado como matéria prima para outros produtos.
Pela primeira vez, há previsão legal do consumo como momento de ocorrência do fato gerador da CFEM, o que deverá colocar fim a questionamentos do gênero, já que a regra era prevista apenas em decreto.
Em relação à arrematação em hasta pública de bem mineral, é bastante provável que existam discussões a respeito, sobretudo se a CFEM já tiver incidido sobre o bem mineral alienado judicialmente, em evidente dupla incidência. Nesta hipótese, espera-se que o Judiciário afaste a pretensão, eis que o bem mineral já ter sido onerado com a exigência original, quando da sua exploração.
Outra importante alteração foi o estabelecimento de presunção absoluta de que a operação entre estabelecimentos da mesma empresa ou entre empresas coligadas ou do mesmo grupo econômico não será considerada venda. Neste caso, a CFEM deverá incidir no momento do consumo ou na comercialização para terceiros do bem mineral. A medida é de discutível constitucionalidade, uma vez que despreza os efeitos jurídicos de operações reais, lícitas, hígidas e não fraudulentas, comparando-as com planejamentos abusivos. A regra afetará fortemente as operações minerárias que são segregadas do grupo econômico, em desprezo à livre iniciativa dos agentes privados.
Infelizmente, há outros equívocos, agora relacionados com a base de cálculo da CFEM. Para o caso da venda, a base de cálculo foi ampliada inadvertidamente, e passou a incluir despesas como frete e seguro, que em nada se relacionam com a materialidade da exploração mineral, permitindo-se apenas a dedução dos tributos incidentes sobre a sua comercialização, pagos ou compensados, de acordo com o regime de apuração. Da incidência sobre o faturamento líquido passou-se a onerar a receita bruta.
No caso do consumo, as mudanças também não foram comemoradas pelos mineradores. Até então, a base de cálculo do CFEM/consumo era o custo da exploração, já que não há receita ou qualquer outra grandeza que pudesse ser utilizada, por simples impossibilidade lógica, eis que o produto era utilizado pelo próprio proprietário.
A MP 793 alterou a regra, e dispôs que a nova base de cálculo na hipótese seria a “receita calculada”, considerada como o preço corrente do bem mineral, no mercado local, regional, nacional ou internacional ou, ainda, o preço de referência definido pela entidade reguladora.
A possibilidade de que a base de cálculo da CFEM/consumo seja imposta pela agência reguladora causa apreensão entre os mineradores, receosos do estabelecimento de preços artificiais, pelo simples fato de que se dá ao credor a possibilidade de determinar o que ele mesmo receberá.
Também não empolga a possibilidade de se utilizar o preço correte de mercados locais, regionais, nacional ou internacional, uma vez que tais valores podem oscilar muito ante a diversidade de situações que podem ser encontradas para determinadas substâncias minerais e também diante de condições negociais concretas, que podem ser influenciadas por inúmeras variáveis.
Em caso de exportação para pessoas jurídicas vinculadas ou domiciliadas em paraísos fiscais, a MP prevê a utilização das regras estabelecidas pela Receita Federal do Brasil para os preços de transferência, e passará a ser válido o preço de referência estabelecido pelo Fisco ou, na sua falta, o preço determinado pela agência reguladora do setor, o que traz os mesmo riscos noticiados acima. Por fim, na polêmica hipótese da incidência no momento da arrematação do bem, a base de cálculo será o valor pago pelo adquirente.
A Medida Provisória ainda determina que a entidade reguladora estabeleça se a base de cálculo no consumo será o preço de referência ou a cotação corrente nos mercados, para cada substância mineral, o que deve ser feito apenas depois de consulta pública, que se espera democrática, em que o setor possa ser efetivamente considerado.
As alíquotas da CFEM foram alteradas e passam a ser de:
- 0,2% (ouro e diamante, quando extraídos sob o regime de permissão de lavra garimpeira, demais pedras preciosas e pedras coradas lapidáveis);
- 1,5% (rochas, areias, cascalhos, saibros e demais substâncias minerais quando destinadas para uso imediato na construção civil);
- 2% (ouro e demais substâncias minerais, exceto minério de ferro);
- 3% (bauxita, manganês, diamante, nióbio, potássio e sal-gema);
- 2% a 4% (minério de ferro de acordo com a cotação Plats Iron Ore Index – Iodex)
Além dessas medidas, a MP ainda dispôs sobre a responsabilidade do pagamento da CFEM em casos de arrendamento mercantil, bem como reforça a competência da União Federal para regular, fiscalizar e cobrar a exação, o que deve tornar ilegais as obrigações acessórias estabelecidas por vários Municípios para “fiscalizar” a exploração minerária.
Em relação à vigência das alterações, a MP estabeleceu que as novas alíquotas serão exigidas a partir de fatos geradores havidos em 1º de novembro de 2017 e os demais dispositivos a partir de 1º de agosto de 2017.
Na definição da vigência da base de cálculo sobre o consumo, há alguma agitação no mercado, eis que a MP enrolou-se na confusa redação do parágrafo único do art. 5º, deixando a dúvida se haveria alguma mudança até 31 de dezembro de 2017.
Veja que o dispositivo prevê que “até 31 de dezembro de 2017, para fins de incidência da CFEM, o consumo, a transformação e a utilização da substância mineral equiparam-se à venda, considerado como receita bruta o valor de consumo.”
A interpretação que parece ser mais coerente é de que haverá equiparação à sistemática de cobrança da CFEM na venda do bem mineral, que passou a adotar a receita bruta como base de cálculo, e que, a receita bruta será equiparada ao valor do consumo, que corresponderia ao custo da produção. Veja-se que depois de todo o círculo hermenêutico, não haverá alterações em relação à base de cálculo até então adotada.
O objetivo da norma seria, portanto, apenas reafirmar que até o início do próximo ano, nada é alterado. Em manifestações informais, agentes do extinto DNPM tem confirmado que não haverá alterações em relação à CFEM em caso de consumo de bem mineral até o fim do ano.
Essas foram as principais alterações na CFEM. Informações mais detalhadas podem ser obtidas com a equipe de direito minerário do VLF Advogados.
Rafhael Frattari
Sócio da área Tributária do VLF advogados