Qual é a taxa legal de juros? 1% ao mês?
Lucas Sávio Oliveira e Aline Piteres
A fixação de juros constitui prática comum no mercado, tanto nacional quanto internacional, estando presentes nas mais diversas relações negociais. No entanto, apesar de sua vasta aplicação, o tratamento dado aos juros pelo direito brasileiro ainda não está consolidado e o instituto é constantemente tema de debates.
O Código Civil Brasileiro (1) determina a taxa legal de juros como sendo aquela “que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (2). Atualmente, tal definição é dada pelo art. 13 da Lei nº 9.065/95 (3), que prevê que os juros “serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic para títulos federais, acumulada mensalmente”. Sendo assim, a taxa de juros legal vigente no país é a Taxa Selic.
Entretanto, parte da doutrina e da jurisprudência entende como indevida a utilização da Taxa Selic como juros legais. Exemplo disso está no entendimento alcançado durante a I Jornada de Direito Civil, em setembro de 2002, quando se formulou o seguinte enunciado: “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês” (4, 5).
As justificativas para tal entendimento foram (i) a possível insegurança jurídica gerada pelo desconhecimento prévio dos juros; (ii) a incompatibilidade entre a Taxa Selic, que é calculada diária ou mensalmente, com a regra do art. 591, do Código Civil (6), que permitiria apenas a capitalização anual dos juros; (iii) a incompatibilidade com o art. 192, §3º da Constituição da República, que à época impediria juros superiores a 12% ao ano (7); e (iv) a suposta inviabilidade da utilização da Taxa Selic quando se pretende calcular somente juros ou somente correção monetária, por entender-se que ela abrangeria ambos (8).
O argumento de insegurança gerada pelo desconhecimento prévio dos juros, devido à variabilidade da Taxa Selic, não merece prosperar. Isso porque um padrão móvel de taxa de juros apresenta maior adaptabilidade ao contexto econômico. Ademais, a aplicação da Taxa Selic não é incompatível com nenhuma norma vigente. A permissão de capitalização anual estabelecida pelo art. 591 do Código Civil não é incompatível com a Taxa Selic:
A Selic poderá ser tomada com base anual, como é a meta fixada pelo Copom, sendo sua taxa, diária ou mensal, calculada como se fosse juros compostos ou juros simples. Ou seja, não é a Selic que é capitalizada, mas sua aplicação ao principal que poderá ser ou não capitalizada. Assim, com uma Selic anual de 9%, poder-se-á calcular a taxa mensal dos juros legais mediante a divisão por 12 meses. Nesse caso, não haverá capitalização e a taxa mensal de juros legais será de 0,75%. Por outro lado, é possível calcular a taxa mensal que, capitalizada, chegue a 9%. Essa corresponderia a 0,72% ao mês. Quanto à limitação constitucional do art. 192, §3º este sequer encontra-se vigente, visto que a Emenda Constitucional nº 40, de 2003, o revogou. (9)
Cabe esclarecer, por fim, que juros e correção monetária são institutos distintos, possivelmente cumulativos. A correção monetária relaciona-se intrinsecamente com a variação do poder aquisitivo da moeda no decorrer do tempo; sua incidência, portanto, decorre da desvalorização do dinheiro (10). Os juros são a remuneração pela disponibilidade do capital (11), podendo ser exigidos em conjunto com a correção em casos de mora, por exemplo, conforme disposição do art. 395 do Código Civil (12).
A Taxa Selic é definida com base em juros contratados em transações de Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, de forma que não entra em sua composição índice de correção monetária ou qualquer outra medida de variação de preços (13).
Dessa forma, entende-se que aquele um por cento mensal previsto no Código Tributário Nacional não é aplicável como taxa de juros legal. Sua incidência ocorreria apenas na ausência de legislação ordinária que regulasse a matéria, o que, como visto, não é o caso.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Consultoria e Arbitragem do VLF Advogados.
Aline Piteres
Estagiária da equipe de Consultoria e Arbitragem do VLF Advogados.
(1) Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 24 de agosto de 2017.
(2) Art. 406 do Código Civil Brasileiro: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
(3) Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9065.htm. Acesso em 24 de agosto de 2017.
(4) Enunciado nº 20. I Jornada de Direito Civil. 11 a 13 de setembro de 2002. Disponível em http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/i-jornada-de-direito-civil.pdf. Acesso em 24 de agosto de 2017.
(5) O Código Tributário Nacional foi instituído pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 24 de agosto de 2017. Seu Art. 161, §1º dispõe que: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.”
(6) Art. 591 do Código Civil Brasileiro: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.
(7) O parágrafo 3º do art. 192 da Constituição da República Federativa do Brasil foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003. Originalmente, previa que: “As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.” O texto original da Constituição da República está disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 24 de agosto de 2017.
(8) Sobre o assunto, ver: LOPES, Christian Sahb Batista; RIBEIRO, Mariana Richter. A disciplina dos juros no direito brasileiro após o advento do Código Civil de 2002. Belo Horizonte, v. 9, n. 1, p. 15-66. Jan./jun. 2014, p.36-37.
(9) LOPES, Christian Sahb Batista; RIBEIRO, Mariana Richter. A disciplina dos juros... Cit. p. 40.
(10) LOPES, Christian Sahb Batista; RIBEIRO, Mariana Richter. A disciplina dos juros... Cit. p. 18-19.
(11) LOPES, Christian Sahb Batista; RIBEIRO, Mariana Richter. A disciplina dos juros... Cit. p. 18.
(12) Art. 395 do Código Civil: “Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
(13) LOPES, Christian Sahb Batista; RIBEIRO, Mariana Richter. A disciplina dos juros... Cit. p. 38.