O que mudou com a Reforma Trabalhista em relação ao "home office"
Renata Olandim
Uma das mais polêmicas alterações inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) com a Lei nº 13.467/2017, a chamada “Reforma Trabalhista”, foi a introdução expressa do conceito de home office ou teletrabalho e suas implicações para os trabalhadores submetidos a tal modalidade laborativa, principalmente as referentes à sua jornada de trabalho.
Segundo os artigos 75-B e 75-C (1), introduzidos na CLT, configura-se como “teletrabalho” a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. Assim, para ser juridicamente válido, “deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado”.
Ocorre que o chamado “home office” já encontrava guarida no Direito do Trabalho antes da Reforma Trabalhista, estando genericamente previsto no art. 6º de tal diploma legal (2). Este dispositivo preceitua que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.
Ou seja, a prestação de serviços fora do ambiente físico empresarial não retirava da relação entre o prestador de serviços e o seu tomador seu caráter empregatício, desde que presentes os requisitos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação previstos nos artigos 2º e 3º do Diploma Celetista (3).
Ainda, sob a égide da antiga redação da CLT, o parágrafo único do artigo 6º estabelecia que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. Esse dispositivo, analisado em conjunto com o art. 62, I, da CLT (4), preceituava que somente não faria jus às horas extras aqueles empregados que não poderiam ter sua jornada controlada por dispositivos, aplicativos ou outros meios eletrônicos capazes de conceder ao empregador os meios de supervisioná-la.
Todavia, a nova Lei 13.467/2017 também introduziu no art. 62 da CLT, que trata das exceções legais à fixação do limite de 8 (oito) horas diárias e sobrelabor nas relações de trabalho, um terceiro inciso (5) que incluiu entre os empregados que não fazem jus à fixação de jornada e, por conseguinte, ao recebimento de horas extras, os empregados em regime de teletrabalho.
Assim, o Legislador expressamente instituiu que, no caso de trabalho realizado na residência do empregado ou qualquer posto de trabalho remoto a ela equiparada, como bibliotecas, cafeterias, dentre outros, mesmo se o empregador tiver os meios de controlar a jornada do empregado, a atividade desenvolvida não será regulada, não fazendo o trabalhador jus ao recebimento de horas extras.
Nota-se, inclusive, que, com o claro intuito de reforçar a completa inexistência de fixação de jornada para tais trabalhadores e o caráter diferenciado de tal regime laboral, o parágrafo único art. 75-B, da Lei 13.467/2017 preceituou que “o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”.
O §2º do art. 75-C, por sua vez, determina que “poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual”.
Ou seja, em nenhuma hipótese, a não ser mediante alteração promovida pelo empregador e expressamente registrada no contrato de trabalho, o teletrabalho poderá ser considerado trabalho normal, realizado nas dependências da empresa. O empregado, portanto, não fará jus à fixação de jornada nem em caso de eventuais comparecimentos ao estabelecimento do empregador para a realização de atividades que exijam sua presença.
Ressalta-se, ainda, que foram introduzidas outras previsões específicas a tal modalidade de labor, como o fato de a alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho necessitar de mútuo consentimento entre as partes, formalizado em aditivo contratual. Além disso, também é necessário estabelecer por contrato escrito quem deverá arcar com o ônus de adquirir, manter ou fornecer os equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como as questões referentes ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado no exercício de tal atividade.
Por fim, não importando sobre quem recair a responsabilidade pelos equipamentos, restou, ainda, estabelecido expressamente que tais utilidades não integrarão a remuneração do empregado.
Observa-se, portanto, que o trabalhador submetido ao regime denominado “teletrabalho”, em nenhuma hipótese, terá controladas as horas trabalhadas, podendo ser cobrado apenas por metas estabelecidas independentemente da carga horária diária e semanal que tenha que realizar para atingi-las. Embora tal situação possa, numa relação salutar de trabalho, conceder ao trabalhador a liberalidade e o conforto para trabalhar quando, onde e nas horas que melhor lhe atenderem, é possível também que haja deturpações para submeter os empregados em regime de teletrabalho a jornadas exaustivas. Esse quadro, entretanto, não encontra guarida nos princípios norteadores do Direito do Trabalho, que não foram alterados, como, principalmente, a proteção do trabalhador, a sua saúde e segurança.
Dessa forma, com a entrada em vigor, em novembro próximo, da Lei 13.467/2017, resta saber como o judiciário irá interpretar tais novas previsões, sendo certo que as mesmas deverão ser aplicadas em consonância com os fundamentos da República Federativa do Brasil e em atenção ao princípio do valor social do trabalho e ao direito social à limitação à jornada de trabalho, consagrados no art. 1º, inciso IV, e art. 7º, XIII, da CR/88 (6).
Caso contrário, uma facilidade concedida ao trabalhador, diante da modernidade das relações de trabalho, se converterá em um mecanismo que pode gerar riscos à saúde e segurança do trabalhador.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Renata Olandim
Advogada da equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) ‘Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§ 2o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.’
(2) Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
(3) Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (...)
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
(4) Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
(5) Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (...)
III - os empregados em regime de teletrabalho.
(6) Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;