Fazenda Nacional apresenta Embargos Declaratórios contra decisão que excluiu ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS
Vinícius Vasconcelos
A Procuradoria da Fazenda Nacional apresentou no último dia 19 de outubro Embargos de Declaração em face do acórdão proferido no julgamento, em repercussão geral, do Recurso Extraordinário n. 574.706/PR (1), no qual se decidiu que o ICMS não integra a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Os Ministros decidiram, seguindo o voto condutor da Ministra Relatora Carmen Lúcia, que os valores referentes ao ICMS não se incluem na definição de faturamento e que, portanto, não podem ser considerados para fins de cálculo do PIS e da COFINS.
Na peça apresentada, a União Federal tenta dar relevo a argumentos que não prevaleceram no julgamento do plenário, e requer ao Supremo Tribunal Federal (“STF”) que se manifeste sobre o alcance da decisão, buscando modulação dos efeitos do acórdão e defendendo regras específicas para a restituição dos valores de PIS/COFINS indevidos.
Na tentativa de provar erro material e omissão no acórdão, a Fazenda Nacional alega que ao analisar o art. 187 da Lei n. 6.404/76 (do qual se extraiu conceito de faturamento), o STF desconsiderou o art. 12 do Decreto-lei n. 1.598/77, que versa sobre a receita bruta. Segundo a União, ainda que a questão conste dos votos vencidos dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, e tenha sido levantada nos debates em plenário, os argumentos vencedores não seriam suficientes para afastar a questão relativa ao art. 12 do Decreto-lei n. 1.598/77.
Ora, neste ponto, o que a Fazenda busca é promover a integral rediscussão da matéria, e não apenas esclarecer suposto erro material ou omissão no julgado. Pretende, em verdade, que o Tribunal exare novo julgamento sobre o mérito, objetivo ao qual os embargos declaratórios não se prestam.
Outro ponto destacado pela Procuradoria foi que, a seu entender, a corrente vencedora encontra-se em contradição com o RE 212.209 e com o RE 582.461-RG, quando se decidiu que os valores de ICMS se incluem em sua própria base de cálculo. Nessa linha, a União requer que o STF se manifeste sobre o alcance do seu pronunciamento, considerando o risco de que outros tributos também tenham afetada a quantificação de suas bases de cálculo, esclarecendo ainda se foi superado o entendimento firmando no RE 212.209 e no RE 582.461.
Assim, deve-se reconhecer que o julgamento dos Embargos Declaratórios dará um norte para os demais juízos e tribunais no julgamento de diferentes tipos ações que visam excluir tributos da base de cálculo de outros tributos e que já estão se proliferando país afora.
Os Embargos Declaratórios também foram utilizados para questionar o que efetivamente deve ser decotado da base de cálculo do PIS e da COFINS: se cada contribuinte da cadeia deverá decotar a integralidade do imposto ou se o decote se limita à parcela do ICMS a ser recolhido, em cada etapa da cadeia de circulação, como resultado do cálculo escritural. A Fazenda afirma que a decisão dá espaço para ambas as interpretações, mas que apenas a segunda alternativa é possível, sob pena de se permitir deduções cumulativas em relação a um tributo recolhido de modo não cumulativo.
O pronunciamento claro do Supremo sobre a questão, de fato, é imprescindível para evitar decisões dissonantes nas instâncias ordinárias.
A procuradoria também reiterou o pedido para modulação de efeitos (que devem ser prospectivos), ao fundamento de que o acórdão do STF tem potencial revolucionário, já que promove profundas alterações no sistema tributário brasileiro, além do impacto financeiro e orçamentário. Ao defender tal modulação, a Fazenda afirma que os efeitos da decisão seriam, na prática, desfavoráveis aos contribuintes em geral e à seguridade social, beneficiando, sobretudo “setores específicos da economia, que estejam em posição privilegiada para se apropriar das vantagens decorrentes da redução da base de cálculo do tributo, e aqueles que produzem bens supérfluos e prejudiciais à saúde, os quais receberão maiores créditos”, já que nestes casos o ICMS cobrado é maior.
O pedido para que os efeitos da decisão apenas valham para casos futuros significa que o tributo indevidamente recolhido não seria devolvido. Como já defendido neste informativo por Rafhael Frattari, não deveria sequer haver espaço para essa discussão, pois a não devolução do tributo indevido despreza os direitos fundamentais dos contribuintes. Entretanto, não se pode esquecer que Supremo já atribuiu efeitos prospectivos a julgamento de matéria tributária. A situação ocorreu no julgamento que originou a Súmula Vinculante n. 08, quando o STF determinou que somente os contribuintes que já tinham ajuizado medidas judiciais contra a aplicação do prazo decadencial e/ou prescricional de 10 anos para as contribuições devidas à seguridade social poderiam se beneficiar dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Ainda no âmbito da discussão sobre a operacionalização dos efeitos da decisão, a União afirmou também que a Receita Federal não dispõe de dados para aplicar a decisão de forma puramente retroativa, já que na apuração do ICMS, na sistemática de débito e crédito, não se segrega os valores a recolher por tipo de receita e diferentes contribuintes recolhem a contribuição ao PIS e à COFINS de diversas maneiras, conforme a classificação do tipo de receita definida na legislação de regência.
Nessa linha, a União afirmou que seria necessário o estabelecimento de regra “que guardasse proporcionalidade entre o valor do ICMS a recolher e os diversos tipos de classificação de receitas definidos na legislação das contribuições sociais” e solicitou ao STF que reconheça a possibilidade da Receita Federal do Brasil instituir “regras gerais, obviamente neutras” para a realização retroativa do decote, “ainda que de forma imperfeita”.
Ao analisar tal pedido, revela-se necessário que o STF se manifeste, também, sobre como a edição de normas gerais pela Receita Federal repercutiria em relação às ações sobre decote de ICMS do PIS/COFINS que transitam no Judiciário há anos. Ora, a definição de regras retroativas para o cálculo não pode prejudicar aqueles que já recorreram ao Poder Judiciário e não pode cercear o direito dos litigantes de se manifestar sobre o valor que entendem que deve ser restituído, sob pena de limitar indevidamente os direitos dos contribuintes.
Ainda não há previsão para o julgamento dos Embargos de Declaração.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidos com a equipe de Contencioso Tributário da VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da equipe Tributária do VLF Advogados
(1) EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. (RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017)