STJ: falta de citação dos vizinhos nas ações de usucapião gera apenas nulidade relativa
Lucas Demétrio e Caio Romero
Em recente decisão (1), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), no julgamento do Recurso Especial n. 1.432.579/MG, decidiu por afastar a nulidade declarada de ofício pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (" TJMG"), posicionando-se no sentido de que a ausência de citação de vizinhos em ações de usucapião não gera nulidade absoluta, mas apenas nulidade relativa.
O recurso é relativo a uma ação de usucapião que foi julgada procedente na origem. Foi interposta apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cuja Turma Julgadora entendeu, à maioria, por anular de ofício a sentença, tendo em vista a ausência de citação de alguns confrontantes do imóvel usucapiendo e dos cônjuges dos confrontantes que tinham sido citados.
A autora da demanda interpôs recurso especial buscando a cassação do acórdão proferido pelo TJMG, sustentando que não haveria que se falar em nulidade absoluta da sentença. O recurso foi admitido, conhecido e provido, determinando o STJ o retorno dos autos ao tribunal mineiro para o julgamento dos recursos interpostos contra a sentença.
Na decisão, ponderou o ministro relator que não há como desconsiderar risco de prejuízo para vizinhos confrontantes que não participam de um processo de usucapião. Em determinados casos, a aquisição da propriedade vizinha poderá extrapolar limites territoriais do imóvel pretendido e, nesses casos, é indiscutível a existência de prejuízos.
Nessa hipótese, caso o confinante não tenha participado da relação processual, poderá alegar seu prejuízo em juízo e pleitear a nulidade da decisão meritória.
Todavia, tal nulidade é relativa, que depende de prova do prejuízo. Somente nesses casos é que seria possível falar em nulidade de um ato decisório. Não sendo constatado prejuízo, a não participação dos vizinhos no feito não traz qualquer nulidade ao processo, pois estes apenas reconheceriam que os limites dos seus imóveis foram respeitados e nada teriam a alegar para alterar o provimento final.
O julgamento considerou que retomar todas as fases processuais desde o início em razão da ausência de um confinante, que sequer teve prejuízo, no polo passivo, seria um desmedido apego ao formalismo procedimental, que não deve prevalecer sobre direitos comprovados. O ministro Luís Felipe Salomão, inclusive, citou na decisão uma “onda renovatória” de entendimentos nos tribunais tendente a afastar o excesso de formalismo em prol da justiça social. (2)
Salientou, ainda, o Ministro, sobre o afastamento do formalismo interpretativo:
“Mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar a solução do direito material em litígio, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade”. (3)
Observa-se na decisão da Corte Superior a aplicação de princípios constitucionais que levam em consideração a finalidade social da propriedade. A decisão parece caminhar no sentido do afastamento do formalismo, buscando a máxima eficácia da atuação do Poder Judiciário como intérprete da lei e como agente facilitador de direitos, o que sinaliza benefícios para os jurisdicionados e a descomplicação de alguns procedimentos repletos de solenidades, como é o da usucapião.
Lucas Demétrio
Estagiário da equipe Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
Caio Romero
Advogado da equipe Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
(1) Conforme publicado no site do STJ. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Falta-de-cita%C3%A7%C3%A3o-de-vizinhos-n%C3%A3o-gera-nulidade-absoluta-em-processo-de-usucapi%C3%A3o. Acesso em 20/11/2017.
(2) e (3) Trechos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, decotados da notícia veiculada no site do STJ, acerca do voto proferido no julgamento do Recurso Especial n. 1.432.579/MG.