A importância da adequada escolha de Incoterms nos contratos de compra e venda de mercadorias
Lucas Sávio Oliveira e Marcus Drumond
Há tempos, os comerciantes tendem a usar pequenas abreviações – como “FOB” e “CIF” para os termos “Free On Board” e “Cost Insurance and Freight”, respectivamente – para estabelecer a alocação de obrigações, custos e riscos relacionados à compra e venda de mercadorias no comércio internacional. E ainda que a tentativa fosse de simplificar as transações, por vezes conflitos surgiam quanto à interpretação mais apropriada das expressões.
Foi nesse contexto que a Câmara de Comércio Internacional (“CCI”) resolveu adotar e publicar regras para a interpretação desses termos comerciais, criando os conhecidos Incoterms, abreviação de "International Commercial Terms", que, apesar do nome, também podem ser usados no mercado interno (1), desde que devidamente escolhidos. A adoção dos Incoterms facilita o comércio por padronizar obrigações essenciais, tais como a responsabilidade pelo transporte das mercadorias, desembaraço aduaneiro, seguros e divisão de custos e riscos decorrentes do transporte das mercadorias.
A primeira edição dos Incoterms foi publicada no em 1936, tendo como principal foco o comércio de commodities e a fixação de regras de interpretação específicas para transferência de riscos atinentes ao transporte realizado por via marítima. Desde então, foram feitas revisões em 1957, 1967, 1976, 1980, 1990, 2000 e em 2010 – sua última versão (2). Essas atualizações se fizeram e se fazem necessárias, a fim de que os Incoterms acompanhem a natural evolução das práticas internacionais de comércio, mantendo a coerência com os costumes incorporados pelo mercado internacional. Daí a importância de se indicar corretamente nos contratos qual das edições dos Incoterms é adotada.
Mas, fica a pergunta: qual Incoterm escolher? A resposta dependerá das obrigações que as partes querem assumir e, especialmente, do meio de transporte a ser utilizado para o transporte das mercadorias.
Sem entrar em detalhes sobre as especificidades de cada Incoterm, a primeira distinção possível está no nível de responsabilidade do vendedor com relação à entrega das mercadorias:
(i) mínima obrigação do vendedor, que deve apenas assegurar que as mercadorias se tornem disponíveis para o comprador nas próprias instalações do vendedor (EXW); ou
(ii) extensão da obrigação do vendedor, que deverá entregar as mercadorias para transportador nomeado pelo comprador (FCA, FAS, FOB), ou para transportador escolhido e pago pelo próprio vendedor (CFR, CPT), podendo, ainda, assumir a contratação de seguro contra possíveis riscos decorrentes do trânsito das mercadorias (CIF, CIP); ou
(iii) máxima obrigação do vendedor, que deverá entregar as mercadorias no destino, assumindo todos os custos e riscos (DAT, DAP, DDP).
Todavia, não basta apenas alocar as responsabilidades entre vendedor e comprador, sendo essencial a adequação do Incoterm escolhido ao meio de transporte utilizado. Isso porque os Incoterms são divididos em dois grupos:
(i) Grupo I – aplicável a todos os meios de transporte: FCA, CPT, CIP, DAT, DAP e DDP; e
(ii) Grupo II – aplicável apenas aos transportes marítimos e por vias aquáticas dentro de um território: FAS, FOB, CFR e CIF.
Embora a CCI tenha se empenhado em dispor sobre modo e hipóteses de utilização, bem como organizado e didaticamente explicado as várias regras de interpretação em comento, ainda se tem visto a instituição inadequada de Incoterms em contratos de compra e venda de mercadorias. A confusão mais comum nesse sentido é a adoção dos famosos FOB ou o CIF em contratos cujo transporte das mercadorias será realizado por via terrestre.
O Incoterm FOB estabelece que o vendedor entregue as mercadorias a bordo do navio nomeado pelo comprador no porto de embarcação acordado. Já o CIF prevê que o vendedor entregue as mercadorias a bordo do navio por ele contratado e pago para para levar as mercadorias ao porto de destinação acordado, arcando ainda com um seguro mínimo. Ou seja, FOB e CIF devem ser usados somente para transportes marítimos ou por vias aquáticas demarcadas em um determinado território (3). Nestes meios de transporte, a transferência de riscos, os custos envolvidos e as operações necessárias ao transporte se dão de forma diversa do observado no transporte terrestre.
Ora, se o transporte é terrestre, ao invés das modalidades FOB ou CIF, o correto seria acordar qualquer dos Incoterms elencados no Grupo I (FCA, CPT, CIP, DAT, DAP e DDP). Neste caso, para se manter a alocação de riscos e responsabilidades similares, o mais adequado em detrimento da modalidade FOB seria o FCA (Free Carrier). Já no caso do CIF, seria o CIP (Carriage and Insurance Paid to).
O FCA prevê que a transferência dos riscos ocorra no momento em que o vendedor entrega as mercadorias ao transportador ou a terceiro nomeado pelo comprador, nas instalações do próprio vendedor ou em local indicado pelo comprador. O CIP, por sua vez, estabelece que a transferência dos riscos ocorra quando o vendedor entregar as mercadorias a transportador ou a terceiro nomeado pelo próprio vendedor em um local a ser acordado pelas partes, e que o vendedor deve arcar com os custos do transporte necessários a levar as mercadorias ao local de destinação, além de pagar por um seguro com cobertura mínima.
Quando há transporte por via terrestre e escolha da modalidade FOB ou CIF, o risco por perdas ou danos às mercadorias do vendedor, seguindo o estabelecido pelos Incoterms, simplesmente não será transmitido ao comprador, já que não ocorrerá, em momento algum, a devida entrega a bordo de uma embarcação marítima ou fluvial.
É, pois, fundamental a escolha adequada dos Incoterms, buscando-se sempre observar o tipo de transporte envolvido e os riscos, custos e obrigações assumidas por cada uma das partes. Assim, pode-se efetivamente promover uma relação balanceada entre as partes e evitar que o deslocamento inapropriado de responsabilidades ocasione a estas possíveis prejuízos financeiros e insegurança jurídica em eventuais litígios decorrentes do contrato.
Mais esclarecimentos sobre Incoterms podem ser obtidas com a equipe de Consultoria do VLF Advogados.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Consultoria do VLF Advogados
Marcus Drumond
Estagiário da equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) “What are the Incoterms rules, and what can they do for you?”. ICC Guide to Incoterms 2010, p. 16.
(2) “The Evolution of Incoterms rules from 1936 to 2010”. ICC Guide to Incoterms 2010, p. 8.
(3) ICC Guide to Incoterms 2010, pages 171 and 199.