O que muda na homologação de sentenças estrangeiras com a Emenda Regimental nº 18 do STJ?
Lucas Sávio Oliveira
Uma empreiteira brasileira é contratada para a construção de uma estrada para deslocamento interno em uma das plantas de uma grande siderúrgica na França. Durante o desenvolvimento da obra, as partes se desentendem: a brasileira alega ausência de pagamento; a francesa diz que não pagará por ter verificado que as especificações técnicas não estavam sendo observadas e que a existência de atrasos injustificados atrapalharam seus negócios. Como o contrato previa que os litígios seriam resolvidos perante os tribunais franceses, a empresa contratante ingressa com ação, conseguindo ao final sentença favorável que condenou a empresa brasileira ao pagamento de € 780.000,00 (setecentos e oitenta mil euros) a título de perdas e danos. A ausência de ativos da empresa brasileira na França obriga a francesa a buscar a execução da sentença no Brasil.
O caso acima ilustra uma situação típica na qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá necessariamente ser acionado a fim de que homologue a sentença estrangeira para posterior execução, o que também vale para as sentenças arbitrais estrangeiras, ou seja, aquelas que foram proferidas por tribunal arbitral fora do território nacional (art. 34 caput e parágrafo único, Lei 9.307/1996). Este procedimento acaba de sofrer alterações com a recente Emenda Regimental nº 18 (E.R. nº 18), que acrescentou ao Regimento Interno do STJ regras específicas sobre processos oriundos do exterior, tanto no que diz respeito à homologação de sentenças estrangeiras, quanto à concessão de exequatur às Cartas Rogatórias, ou seja, à autorização para que um pedido de cooperação jurídica internacional seja cumprido pelo juiz nacional a fim de auxiliar no andamento de um processo que tramita no exterior.
Desde 2004, ano em que foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, esta competência, que antes era do Supremo Tribunal Federal, passou a ser exclusiva do STJ (art. 105, I, i, Constituição da República). Até 19 de dezembro de 2014, data em que a ER nº 18 foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico, a antiga Resolução Nº 9 do STJ era o instrumento normativo que dispunha sobre os procedimentos de homologação e concessão de exequatur, de forma transitória até que o STJ alterasse seu Regimento Interno.
Em linhas gerais, a homologação de sentenças estrangeiras seguirá ocorrendo de forma bastante semelhante ao que já era anteriormente praticado pelo Tribunal. O autor da demanda, ou seja, a parte que busca executar uma sentença estrangeira, seguirá tendo que demonstrar em sua petição inicial que a sentença foi proferida por autoridade competente, que as partes foram regularmente citadas ou que, de forma regular, foi verificada a revelia e que a sentença transitou em julgado no Estado de origem. Para tanto, apresentará “original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira competente, quando for o caso” (art. 216-C, Regimento Interno do STJ). Assim, pela nova normativa, existirão casos em que a tradução e a chancela consular poderão ser dispensados, possibilidade que não existia anteriormente. Cite-se como exemplo os casos de tratados ratificados pelo Brasil que dispensam estas formalidades com relação a determinados países.
Outra novidade é a estabelecida pelo art. 216-E do Regimento Interno, segundo o qual será possível que o Presidente do STJ conceda um prazo razoável para que, caso a petição inicial não preencha os requisitos acima, ou apresente defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento, a parte requerente emende ou complete a inicial. Não cumprida a exigência no prazo assinalado, o processo será arquivado.
Os casos de indeferimento da homologação também sofreram alterações. A partir de agora, além das sentenças que ofenderem a soberania nacional ou a ordem pública, também as que ofenderem a dignidade da pessoa humana não serão homologadas pelo STJ. A menção expressa ao princípio, que para alguns é redundante - já que a dignidade da pessoa humana já estaria compreendida no conceito de ordem pública -, pode também demonstrar a importância a ele atribuída pelo Tribunal.
Ressalte-se ainda que, além da possibilidade de réplica e tréplica em caso de contestação do pedido de homologação, também existe agora a possibilidade de decisão monocrática do ministro relator caso exista jurisprudência consolidada da Corte Especial a respeito do tema, não havendo a distribuição para julgamento pela Corte Especial, sendo estas as últimas alterações no procedimento de homologação trazidas pela ER nº18. Segue havendo a admissão de tutela de urgência nos procedimentos de homologação, a possibilidade de agravo das decisões do Presidente - e agora também do relator -, e a definição de que as sentenças homologadas serão executadas no Juízo Federal competente, o que, na verdade, é uma previsão constitucional (art. 109, X, Constituição da República).
A ER nº 18 entra em vigor justamente no momento em que a comunidade jurídica espera pela sanção presidencial ao Novo Código de Processo Civil, o qual, atualizando e aprofundando o que dispõe o hoje vigente Código, que data de 1973, já prevê que o procedimento de homologação de sentenças estrangeiras obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do STJ (art. 957, §2º, PL 166/2010).
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Consultoria Internacional e Contratos do VLF Advogados.