A prática da exclusão de sócio e a burocracia do registro do comércio
Pedro Ernesto Rocha
Nos últimos tempos é possível notar uma clara diferença entre a opinião do empresário e a opinião dos entes públicos sobre o registro do comércio. De um lado, os empresários e especialistas argumentam que o registro continua burocrático, lento e repleto de normas contraditórias (1); de outro, os entes públicos responsáveis argumentam que têm como um de seus objetivos a desburocratização do registro comercial (2).
A burocracia dos registros mercantis aflige o mundo empresarial e os profissionais que assessoram o mercado. É clara a divulgação da ideia de que o Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI (antigo Departamento Nacional do Registro do Comércio) pretende promover a desburocratização do direito empresarial, com a facilitação da abertura de empreendimentos regulares e a garantia de uma célere manutenção da regularidade registral de tais empreendimentos. Na prática, entretanto, tantos são os empecilhos no relacionamento do empreendedor (empresários) com as Juntas Comerciais (entes controlados tecnicamente pelo DREI) que, obviamente, o empreendedor se pergunta: “Se a ideia é menos burocracia, como pode ser tão complicado assim?”
O que a prática mostra é que essa pergunta tem fundamento. Um exemplo pode ser citado para comprovar a anomalia. É, em verdade, clara situação em que a burocracia e a normatização desnecessária inviabilizam a efetivação de direitos societários.
Trata-se do direito de exclusão extrajudicial de sócio. Diz o artigo 1.085 do Código Civil Brasileiro (3) que os sócios titulares de mais da metade do capital social de sociedade limitada poderão excluir extrajudicialmente outros sócios que estejam pondo em risco a continuidade da empresa, por atos de inegável gravidade, desde que tal exclusão seja deliberada em reunião ou assembleia de sócios especialmente convocada para esse fim.
A exclusão de sócio é instituto embasado especialmente em dois princípios, a saber: o princípio da preservação da empresa e o princípio do pacta sunt servanda, pelo qual o contrato faz lei entre as partes. Mas, obviamente, é inegável também a sua relação com o princípio da livre associação (4). Ora, é a livre associação, fortemente apoiada na preservação da empresa e consequente na manutenção da saúde do ente produtivo, que dá a determinados sócios o direito de excluir outro sócio que esteja prejudicando a sociedade. Manter o sócio que esteja prejudicando significativamente as atividades sociais é algo que embaraça a função social e a manutenção da própria empresa, e, consequentemente, dá aos seus sócios o direito de não mais permanecerem associados ao elemento maléfico. Assim, nota-se: o direito de excluir um sócio é potestativo, ou seja, só depende da vontade dos sócios titulares de mais da metade do capital social para ser efetivado.
No entanto, efetivar esse direito tem se tornado um estorvo diante das normas impostas por algumas Juntas Comerciais. A Junta Comercial do Estado de Minas Gerais - JUCEMG, por exemplo, editou “Entendimentos” (5) (que, diga-se, são seguidos pela autarquia como se lei fossem) que tratam da forma de convocação das assembleias ou reuniões de sócios, e, em tais Entendimentos, a JUCEMG determina que as convocações (os comprovantes de recebimento dessas convocações) para reuniões de sócios que tratem de exclusão de sócio devem ser assinadas, quando direcionadas ao sócio a ser excluído, por ele próprio, não podendo ser assinadas por terceiros. A base legal indicada pela JUCEMG para os entendimento é o parágrafo único do citado artigo 1.085, que impõe que o sócio a ser excluído deverá ser cientificado para que ele possa comparecer à reunião e exercer seu direito de defesa.
A justificativa ao entendimento da JUCEMG é de todo vazia, por três motivos, a saber: (1º) o comparecimento em reunião de sócios e o exercício do direito de defesa são facultativos, tanto é assim que as reuniões/assembleias não necessitam da presença da unanimidade dos sócios para serem instaladas e para legalmente deliberarem; (2º) em qualquer caso de convocação, seja por carta ou por publicação de editais de convocação, deve ser levado em conta o princípio da preservação da empresa, e, interpretando a situação com base em tal princípio, torna-se inexorável a possibilidade de presunção da ciência do sócio convocado, sob pena de ficar a sociedade à mercê da vontade individual de um único quotista minoritário, o que, indubitavelmente, poderá obstruir a condução das atividades sociais (ou até mesmo prejudica-las diretamente); e (3º) ora, não há “instância” superior dentro de uma sociedade limitada que seja capaz de suprimir a vontade social (que, nesse caso, forma-se com votos correspondentes a mais da metade do capital social), logo, independentemente dos argumentos de defesa eventualmente apresentados pelo sócio a ser excluído, o fato é que quem analisará tais argumentos são os mesmos sócios que propuseram a exclusão, daí o caráter potestativo do direito à exclusão (em outras palavras: a exclusão só depende da vontade dos sócios majoritários para ser implementada!).
Ademais, as sociedades são, antes de tudo, contratos, logo, presume-se que aqueles que os assinam conhecem seus termos e a eles se subjugam. Dessa forma, uma vez obedecidos os termos do contrato social e, quando for o caso, da lei, para a convocação e instalação das reuniões ou assembleias, legais serão as decisões tomadas em tais conclaves. Não compete às Juntas Comerciais julgar os métodos de convocação escolhidos pelos sócios em sede de contrato social.
Diante dessa flagrante incongruência, a exigência proveniente dos entendimentos da JUCEMG não passa de burocracia injustificável, que, na prática, inviabiliza o exercício do direito de exclusão.
É que, no mais das vezes, quando uma convocação para exclusão de sócio é feita, o sócio que será excluído se esquiva das convocações, não as recebe, ou se “esconde” dos demais sócios, com nítido intuito de dificultar o procedimento de exclusão. Como consequência, da forma como a JUCEMG regulamentou a exclusão (por meio dos Entendimentos 031 e 158), atualmente, se essa situação permanece, ou seja, se por várias vezes os sócios que pretendem excluir outro sócio tentam convocar esse último, mas não obtêm sucesso, nitidamente o instituto da exclusão fica prejudicado. Ao final, o instituto perderá sua utilidade, porque, mesmo que haja a deliberação exclusória, se não for possível comprovar ao registro do comércio o recebimento, pelo próprio sócio a ser excluído, da convocação para a reunião, será impossível registrar e efetivar tal deliberação (6). É um direito legalmente instituído pelo Código Civil sendo sobrepujado por uma equivocada burocracia.
O ideal seria, indiscutivelmente, que a JUCEMG verificasse apenas o cumprimento formal da forma de convocação prescrita pelo contrato social e, quando fosse o caso, da lei, deferisse o registro garantindo a efetivação da exclusão, e deixasse eventuais discrepâncias para serem corrigidas pelo Poder Judiciário. Mas não. Não pode ser assim. Seria fácil demais.
E assim, corroborando o caráter cíclico da História, o empresariado (quem mais investe e emprega no país) demanda por liberdade, o Estado impõe limites inexplicáveis (e o pior, impõe limites a direitos garantidos por lei!), e o registro do comércio continua seu processo de desburocratização burocrática.
Pedro Ernesto Rocha
Advogado da equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados.
(1) Sobre o assunto, ver o artigo de Scilio Faver, publicado no site do Jornal Valor Econômico dia 29/12/2014, com o título “O Poder das Juntas Comerciais” (http://www.valor.com.br/legislacao/3837798/o-poder-das-juntas-comerciais ).
(2) http://drei.smpe.gov.br/noticias/desburocratizacao-e-tema-de-debate-em-brasilia e http://www.jucemg.mg.gov.br/ibr/noticias+informa020115-0830 .
(3) Código Civil Brasileiro: “Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.”
(4) Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; [...]”
(5) E031: “Forma de convocação do sócio para reuniões/assembleias - aceitável AR assinado por terceiros, se previsto no contrato e desde que a deliberação não trate de exclusão do sócio destinatário do AR. -A convocação para reunião/assembléia para tratar de exclusão de sócio, somente será aceita se assinada pelo próprio destinatário, para assegurar o exercício do direito de defesa. (Parágrafo único do art. 1085 do CC2002)”.
E158: “O recebimento do anúncio de convocatório para a reunião/assembleia deverá ser feito por qualquer pessoa que se encontre no endereço do destinatário, desde que identificada a pessoa que recebeu, salvo previsão diversa no contrato ou se constar da pauta como matéria da reunião ou da Assembleia a exclusão de sócio, hipótese em que o recebimento da convocação deverá ser feita apenas pelo cotista a ser excluído ou procurador com poderes especiais e expressos em procuração, para permitir o seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.”
(http://www.jucemg.mg.gov.br/ibr/informacoes+entendimentos-jucemg)
(6) Alternativamente à carta, poder-se-ia, mesmo não sendo esse procedimento obrigatório em casos de reuniões sociais, convocar a reunião por meio de publicações de editais de convocação na imprensa oficial e em jornal de grande circulação. Ocorre, todavia, que essas publicações são onerosas, morosas, e, sem dúvida - em tempos de internet e alta facilidade de comunicação digital -, retrógradas. Sobre essa possibilidade, ver artigo de Marcus Elidius Michelli de Almeida e Arnaldo Luiz Rovai, publicado online pelo Jornal Valor Econômico dia 09/01/2015, intitulado “Problemas Societários e Exclusão Extrajudicial” (http://www.valor.com.br/legislacao/3851568/problemas-societarios-e-exclusao-extrajudicial ).