STJ decide sobre requisitos para instauração de procedimento arbitral envolvendo consumidor
Lucas Sávio, Marina Leal e Marcus Drumond
Em recente decisão publicada no dia 15 de março deste ano (1), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu que, à luz do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), a cláusula arbitral pode ser considerada como previsão de utilização compulsória de arbitragem mesmo se estabelecida em termo apartado do contrato assinado por ambas as partes.
No caso, o litígio se originou pelo atraso da entrega de um imóvel adquirido a partir de Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda (“Contrato”) celebrado entre a adquirente e construtora. Quando da assinatura do Contrato, ambas as partes assinaram termo apartado que previa a arbitragem como forma de resolução de controvérsias. Não obstante, no momento de buscar a resolução de litígio em razão do Contrato, a consumidora ajuizou ação perante o juízo estatal.
Ao analisar o caso, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que a assinatura de termo apartado tratando especificamente sobre arbitragem não retiraria o caráter compulsório de eventual procedimento instaurado com base no referido termo, o que é vedado nas relações de consumo, conforme art. 51, VII, CDC (2).
A princípio, isso pode parecer contrário ao previsto no art. 4º, §2º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) (3). O dispositivo, que trata da arbitragem em caso de contratos de adesão, estabelece duas hipóteses em que ela seria válida: a instauração da arbitragem por iniciativa do aderente ou sua concordância prévia com a forma de resolução de litígios, desde que por escrito em documento anexo ao contrato, ratificando expressamente a cláusula arbitral. Ou seja, no caso em questão, o segundo requisito teria sido cumprido.
No entanto, segundo a Ministra, devem ser considerados três regramentos em matéria de arbitragem, cada um com um grau de especificidade:
(i) o primeiro, que é a regra geral, obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes;
(ii) em segundo lugar, a regra específica que se aplica a todos os contratos de adesão genéricos, prevista no art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem; e
(iii) por fim, a terceira regra, ainda mais específica, que se aplica a todos os contratos sujeitos ao CDC, sejam eles de adesão ou não. Nestes, a cláusula que determina a utilização da arbitragem seria nula por impor a utilização compulsória de arbitragem, mesmo que preenchidos os requisitos do art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem.
Em outras palavras, o que está vedado pelo legislador é a imposição prévia da arbitragem ao consumidor. Isso porque, no momento de assinatura do contrato, o consumidor, via de regra, não possui conhecimento técnico e os elementos necessários para fazer uma escolha informada. Desse modo, apenas seriam válidas as arbitragens iniciadas pelo consumidor ou por ele acordadas após a constatação da existência do litígio.
Na prática, pelo entendimento do STJ, a instauração da arbitragem nas relações de consumo com base nas cláusulas compromissórias só existiria caso o consumidor solicitasse o procedimento. Para os demais acasos, só seria possível o procedimento mediante assinatura de compromisso arbitral, quando da existência de um litígio (4).
Cabe ressaltar, por fim, que esta recente decisão não diverge de outras do STJ (5), que também têm como pano de fundo a proteção do consumidor.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidos com a equipe de consultoria e arbitragem do VLF Advogados.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de consultoria e arbitragem do VLF Advogados
Marina Leal
Trainee da equipe de consultoria e arbitragem do VLF Advogados
Marcus Drumond
Estagiário da equipe de consultoria e arbitragem do VLF Advogados
(1) STJ, REsp 1.628.819/MG. Decisão disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1671945&num_registro=201602553101&data=20180315&formato=PDF>. Acesso em 19/03/2018.
(2) Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 19/03/2018.
(3) Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
(...)
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9307.htm>. Acesso em 19/03/2018.
(4) Conforme disposto no art. 4º da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória é a “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Ou seja, as partes acordam em usar a arbitragem antes da existência de qualquer controvérsia. Já o compromisso arbitral, previsto no art. 9º da Lei de Arbitragem, “é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.”. Assim, o compromisso arbitral é celebrado após a existência de um conflito.
(5) STJ, REsp 1.189.050/SP. Decisão disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1491127&num_registro=201000622004&data=20160314&formato=PDF>;
STJ, REsp 1.169.841/RJ. Decisão disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1192424&num_registro=200902393990&data=20121114&formato=PDF>. Acesso em 19/03/2018