Temas debatidos no 6º Congresso Internacional de Compliance revelam mais engajamento das empresas e do Poder Público
Fernanda Galvão
O VLF esteve presente na 6ª Edição do Congresso Internacional de Compliance realizado nos dias 08, 09 e 10 de maio em São Paulo.
O maior evento de compliance da América Latina reuniu mais de 600 profissionais da área e contou com palestrantes nacionais e internacionais de peso, como Deltan Dallangnol (Procurador da República responsável pela coordenação da Operação Lava Jato), Tom Fox (Consultor da Advanced Compliance Solutions LLC nos Estados Unidos e autor dos best sellers em Compliance, como Lessons Learned on Compliance and Ethics), Wagner Rosário (Ministro Substituto do Ministério da Transparência), Presidentes de importantes empresas brasileiras como da Eletrobrás, Wilson Ferreira Junior e Marcos Ambrosano, do Makro Atacadista S/A, Mauricio Campanelli Moreira (Gerente Executivo de Conformidade da Petrobrás) e Fausto de Sanctis (Desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região especializado em crimes financeiros).
A comparação entre a 6ª e a 4ª edição do evento, realizada em 2016, é inevitável: tivemos a grata surpresa ao constatar que o Compliance no Brasil continua em franca evolução, não só pelo aumento do número de profissionais participantes no Evento, mas, principalmente, pela profundidade nos debates dos temas propostos e pelas iniciativas que estão sendo adotadas pelas empresas e pelo Governo.
Neste artigo, apresenta-se um panorama geral sobre os principais pontos discutidos no evento.
A construção da dinâmica de um Programa de Compliance
Muito se discutiu sobre os Programas de Compliance de prateleira. Os programas de Compliance adotados pela empresas não devem ser apenas um amontoado de regras e políticas com escrita difícil e que não são colocadas em prática. Um Programa de Compliance, para ser efetivo, precisa ser vivo e dinâmico, além de estar em constante evolução. Mais do que isso, precisa atingir o comportamento das pessoas, a cultura das empresas e dos órgãos públicos.
Por isso, os especialistas presentes no evento foram uníssonos ao defender que um Programa de Compliance efetivo se constrói com a participação de todos os funcionários de uma organização, inclusive aqueles que estão na base da pirâmide. Esses colaboradores que estão na ponta, na operação em si, tem muito a contribuir para levantar a matriz de riscos da organização e, a partir dela, e auxiliar na implementação de controles internos mais eficientes.
A Petrobrás, por exemplo, recentemente implementou um novo “Modelo de Risco, Compliance e Governança” que já é considerado um benchmark para os profissionais da área. Para formatá-lo, muitos colaboradores foram ouvidos sobre as fragilidades dos controles internos e, a partir dessas informações, foi possível aperfeiçoar os mecanismos e reverter quatro fraquezas materiais da Companhia.
Com efeito, quando um Programa de Compliance leva em conta a participação de todos colaboradores da empresa, inclusive da base, tem como resultado um engajamento maior de seus funcionários, pois eles se sentem parte do processo de desenvolvimento de uma nova cultura, entendem a importância de seguir as regras e o propósito para o qual elas foram criadas.
As métricas do Compliance: instrumentos para a efetividade
Outra tendência na área de compliance, abordada por um dos profissionais de maior proeminência no cenário internacional, Tom Fox, foram as métricas dos Programas de Compliance.
Resumidamente, as métricas são ferramentas objetivas para testar a efetividade dos Programas de Compliance. O assunto ganhou destaque com a publicação, em fevereiro de 2017, da orientação do Departamento of Justice (“DOJ”) dos Estados Unidos, denominado Avaliação dos Programas de Compliance Corporativos (“Evaluation of Corporate Compliance Program”).
As métricas demonstram um genuíno amadurecimento nos Programas de Compliance das organizações norte americanas experimentados nos últimos anos. Assim, aos olhos das autoridades americanas, não basta apenas ter um programa escrito e implementado. Mais importante do que isso, o DOJ espera que as empresas tenham programas efetivos, que são testados por meio de uma série de critérios objetivos, as chamadas métricas. Essa tendência é ainda é novidade no Brasil, mas o mercado já dá sinais de que caminha também nessa direção.
Uma dessas métricas consiste em analisar as punições aplicadas nos casos de malfeitos e o critério fica mais rigoroso quando se trata de envolvimento de pessoas da alta administração. Essa métrica demonstra a efetividade dos Programas de Compliance, pois, quando as penalidades são aplicadas a todos os colaboradores, aumenta-se o nível de engajamento das pessoas. A efetividade dos Programas de Compliance fica prejudicada nos casos em que os colaboradores fazem denúncias e percebem que, na prática, a política de consequência não é aplicada aos níveis da média e alta direção, mas somente ao baixo escalão.
Outra métrica utilizada é justamente a avaliação do número de denúncias recebidas pelos Canais de Denúncias e como elas são tratadas internamente. Para tanto, deve ser levada em conta não apenas a condução de investigações, mas, também, as lições apreendidas, que propiciam, por exemplo, a melhora nos controles internos e na própria credibilidade do canal de denúncias.
Por exemplo, se denúncias de assédio sexual forem muito frequentes no canal de denúncias de determinada empresa, é preciso conduzir as investigações com rigor. Se constatadas as ocorrências de assédio, deve-se implementar políticas de RH com objetivo de conscientizar os colaboradores da importância dos valores de respeito e dignidade para a Companhia, bem como capacitar as pessoas sobre o tema para evitar ou diminuir o número de ocorrências nesse sentido. Neste contexto , a métrica demonstra que somente a regra escrita no Código de Ética sobre a intolerância aos comportamentos de assédio sexual não é suficiente para atingir o comportamento dos colaboradores.
Sem dúvida alguma, a métrica das respostas dadas aos denunciantes também é de extrema relevância. Para que o Canal de Denúncias seja de fato utilizado, além do denunciante receber uma resposta sobre sua denúncia, as políticas de consequências pré-estabelecida nos Programas de Compliance deverão ser aplicadas, inclusive quando os envolvidos são pessoas da alta administração. Se os colaboradores não veem o resultado prático de suas denúncias, essa importante ferramenta cai em descrédito e, em última análise, até em desuso.
Tone of the top
Aliás, sobre a importância o comprometimento da alta administração para garantir o sucesso na aplicação do Programa de Compliance, o chamado “tone of the top”, exaustivamente debatido na 4ª Edição do Congresso, foi abordado nesta 6ª Edição com mais profundidade.
Houve debates intensos sobre a importância do engajamento também da média administração, como por exemplo, os gerentes comerciais. Não raras vezes, a média administração, que está à frente da operação, é pressionada pela própria alta administração para cumprimento de metas e entrega de resultados aos acionistas. Com isso, a média administração pode, muitas vezes, se ver obrigada a desviar das regras de compliance de conflito de interesses, por exemplo, para conseguir atingir os resultados.
Daí a importância da independência da área de Compliance, tema que anda de mãos dadas com governança corporativa.
Amadurecimento do Mercado e autorregulamentação
Debateu-se também sobre o amadurecimento do próprio mercado. Antes da operação Lava Jato, tratava-se de um tema novo no Brasil e muito desconhecido para a grande maioria das empresas e profissionais. Atualmente, não se trata necessariamente de um diferencial de concorrência. Muitas empresas médias e pequenas já se veem obrigadas a implementar um programa por exigência do seu próprio fornecedor. Realidade esta que já faz parte, por exemplo, dos fornecedores da Petrobrás.
Portanto, já se pode notar que o próprio mercado está se autorregulamentando, fenômeno que já acontece nas empresas de publicidade e propaganda, que estão submetidos ao CONAR.
Aliás, nas palavras do Presidente da Eletrobrás, Sr. Wilson Ferreira Junior, presente no evento, as empresas são atualmente maiores que os países em termos de geração de renda e, portanto, são grandes agentes transformadores das sociedades.
Outra prova da autorregulação do mercado é a criação do Rating Integra (1) por empresas participantes do Pacto pelo Esporte. Com o objetivo de desenvolver um ambiente esportivo mais transparente, gerando confiança para atletas, para os patrocinadores do esporte e para a sociedade como um todo, desenvolveu-se o Rating Integra, uma ferramenta independente que busca incentivar organizações esportivas no desenvolvimento de sua governança e de práticas mais íntegras. Em síntese, o processo do Rating Integra será composto de 3 fases.
Na primeira, as entidades esportivas responderão a um questionário de “Autodiagnóstico”. A segunda refere-se a uma Avaliação do Autodiagnóstico por um grupo de verificadores internos, que produz um relatório que será avaliado por um Comitê composto por membros do Instituto Ethos, atletas, membros do Pacto pelo Esporte, membros do COB, dentre outros. A terceira fase, por sua vez, será a divulgação dos resultados das entidades esportivas que atingirem os níveis mínimos esperados. A previsão é que o resultado do primeiro Rating Integra seja publicado em outubro de 2018.
Outro avanço comemorado pelos profissionais de Compliance e também discutido no evento foi a evolução observada no processo de certificação do denominado Selo Pro-Ética, do Instituto Ethos, que é fomentado pelo Ministério da Transparência.
Em 2017, o número de aplicações de empresas recebidas aumentou consideravelmente: das 375 empresas inscritas, 198 apresentaram sua documentação no prazo estipulado, dentre as quais 23 obtiveram o Selo Pró Ética. Em 2016, 195 empresas foram inscritas e 91 enviaram a documentação, tendo 25 delas recebido o Selo Pró-Ética. Os resultados das empresas reconhecidas em 2018 serão divulgados no mês de setembro.
Muito embora o número de empresas certificadas tenha diminuído de 25 para 23, o Instituto Ethos e o Ministério da Transparência comemoram o número recorde de inscrições. Isso demonstra um interesse maior das empresas pelo comprometimento com a ética e com maior transparência nas relações empresariais.
Compliance na administração pública
Se as empresas têm sido protagonistas nesse processo de amadurecimento do Compliance no Brasil, constatou-se que o Governo também tem desempenhado importante papel nesse processo. A esse respeito, o ministro substituto do Ministério da Transparência relatou importantes iniciativas em diversas áreas visando fomentar as práticas do Compliance em todos os níveis da administração pública.
Desde a promulgação da Lei Anticorrupção em 2013, as empresas se ressentiam do fato de não terem sido tomadas providências quanto à aplicação de normas de Compliance para os órgãos da Administração Pública em geral. Em resposta a essa crítica, o governo publicou, em 22/11/2017, o Decreto n. 9.203/2017, que dispõe sobre a política de governança da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
Recentíssima providência para regular o referido decreto, a CGU (“Corregedoria Geral da União”) publicou em 26/04/2018, a Portaria n. 1.089/2018, para estabelecer os procedimentos necessários à estruturação, à execução e ao monitoramento de programas de integridade em cerca de 350 órgãos e entidades do Governo Federal, a exemplo de ministérios, autarquias e fundações públicas (2).
E quem nunca ouviu a frase “criar dificuldades para vender facilidades”? Pois bem. Pode-se afirmar, sem pestanejar, que, infelizmente, essa ainda é uma realidade que atinge todos os setores da administração pública no Brasil. A fim de reduzir a burocratização do sistema brasileiro, que resulta em um sem número de casos de corrupção, foi publicado o Decreto n. 9.094/2017. Ações básicas do cotidiano de qualquer cidadão, antes bastante burocratizadas, como a obtenção do passaporte, a obtenção de autorização para levar animais de estimação para o exterior, dentre outros, agora se tornaram bem mais simples.
Foi também nesse contexto que a CGU lançou o Programa Simplifique, sistema desenvolvido para receber solicitações e sugestões dos cidadãos para a simplificação de serviços públicos (3).
Cultura cidadã desde cedo
A CGU acredita que não há como conseguir melhoras efetivas e sustentáveis apenas com mudanças de legislação, implementação de programas de compliance para os setores públicos e privados, dentre outros. Para tanto, a CGU considera ser preciso fazer uma mudança na base da sociedade, por meio da educação das crianças com valores importantes para a vida em coletividade. De fato, muitas crianças tem acesso a uma série de ensinamentos que nunca serão utilizadas na vida prática, mas, saem da escola sem saber quais são seus direitos básicos, previstos na constituição e como devem ser as condutas éticas, de respeito à dignidade.
Para ilustrar uma das importantes iniciativas governamentais, cita-se o amadurecimento de um projeto piloto da CGU, o Programa “Um por todos e todos por Um”, que teve início 2009 em parceria com Instituto Mauricio de Souza, do prestigiado cartunista Maurício de Souza, e que levou para as crianças de escolas públicas, por meio dos personagens da Turma da Mônica, temas de ética, cidadania e diferenças. Esse Programa atingiu 750 mil crianças, mas se constatou que esse número é ínfimo quando colocado diante do de 48,6 milhões de crianças que cursam 1º a 9º ano no Brasil.
A fim de mudar esse cenário foi que a CGU selou uma parceria com o Ministério da Educação para expandir as ações nas escolas públicas brasileiras (4), desenvolvendo, inclusive, um trabalho para integração desses temas na Base Nacional Comum Curricular.
Compliance além fronteiras
Por fim, não se pode deixar de mencionar a importância para o Compliance dos avanços conseguidos com a cooperação internacional.
Atualmente estão em andamento 570 pedidos de cooperação ativa e passiva no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (“DRCI”), órgão do Ministério da Justiça, responsável pelo rastreamento de recursos no exterior, repatriação de recursos, dentre outros. Com relação à operação Lava Jato, há 215 pedidos ativos para 42 países do mundo.
Além disso, a CGU está trabalhando para fechar acordos de cooperação internacional. Encontram-se em fase adiantada de negociação acordos com Chile e Argentina, tendo sido já celebrado um acordo a Colômbia.
Esses acordos revelam que a cooperação internacional já é uma realidade global, o que ressalta a importância das empresas se adequarem às regras de Compliance.
Compliance a mil
Todos esses pontos discutidos no 6ª Edição do Congresso Internacional de Compliance revelam que o assunto está em plena ebulição e indicam a necessidade das empresas estarem cada vez mais atentas para o cumprimento de todas as normas de regência.
A equipe de consultoria societária e compliance do VLF Advogados está à disposição para o esclarecimento de quaisquer pontos sobre os temas expostos.
Fernanda Galvão
Sócia da equipe de consultoria do VLF Advogados
(1) Mais informações sobre o Rating Integra pode ser obtidas nesta página.
(2) Para saber mais, clique aqui.
(3) Para mais informações, acesse esta página.
(4) O material do Programa será disponibilizado no Portal do Professor e as 26 unidades da CGU que estão espalhadas pelo país farão a fiscalização nas escolas para verificação da efetiva aplicação do Programa. Para saber mais sobre o tema, consulte este link.