Controvérsias acerca da aplicabilidade da reforma trabalhista aos contratos de trabalho
Lorena Lara
A Lei n. 13.467/2017, a “reforma trabalhista”, excluiu vários benefícios trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT"). Como exemplo, podemos citar as horas in intinere, o intervalo de 15 minutos para a mulher previsto no art. 384 da CLT.
Desde então, muitos questionamentos têm sido feitos, principalmente em relação aos contratos de trabalho que estavam em curso quando da entrada em vigor da lei. Pode-se ressaltar a dúvida: os empregados que recebiam benefícios previstos na CLT permaneceriam os recebendo, ou, diante da exclusão legal da obrigatoriedade de pagamento dos benefícios, poder-se-ia cessar o pagamento ou concessão?
A jurisprudência até então não tem sido homogênea. Já foram proferidas decisões em vários sentidos, algumas mantendo o direito ao benefício, sob o fundamento do direito adquirido, enquanto outras entendiam que os empregados tinham direito ao benefício somente até a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, excluindo-o a partir de então.
Visando trazer uma homogeneidade quanto à aplicabilidade da lei, foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 15/05/2018, (1), o Parecer nº. 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU (“Parecer”), elaborado pela Advocacia Geral da União (“AGU”), e aprovado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (“MTE”) com entendimento sobre o tema.
De acordo com o Parecer, a reforma trabalhista é aplicável de "forma geral, abrangente e imediata" a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT, inclusive àqueles iniciados antes de sua vigência, mas apenas relativamente a fatos e atos praticados após 11/11/2017, data de sua entrada em vigor. O Parecer, ainda, deixa claro que não há direito adquirido pelos trabalhadores às regras anteriores à Reforma Trabalhista.
Ou seja, pelo Parecer, a reforma trabalhista não se aplicaria aos contratos de trabalho já encerrados antes da entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017.
Em imediata resposta ao parecer da AGU, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (“Anamatra”) emitiu uma nota de esclarecimento no mesmo dia, informando que o Parecer somente tem efeito vinculante para a Administração Pública Federal, na esfera do Poder Executivo. Dessa forma, não influenciaria, em nenhum aspecto, a atuação dos juízes do trabalho, que tem independência técnica para firmar a jurisprudência sobre o tema.
Em nota, ressaltou ainda que, por ocasião do 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (“Conamat”), a Assembleia Geral Ordinária da Anamatra aprovou a seguinte tese:
"os preceitos jurídico-materiais da reforma trabalhista aplicam-se apenas aos contratos individuais de trabalho celebrados a partir de 11/11/2017. Nesses contratos, ausente decreto legislativo a respeito, somente os atos jurídicos e materiais praticados durante a vigência da MP n. 808/2017, regidos que são por ela (Constituição Federal, art. 62, § 11), permanecem regulados pelas regras da Lei n. 13.467/2017".
Ainda no mesmo dia, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”), Ministro Brito Pereira, recebeu parecer da comissão de ministros criada para estudar a aplicação da Reforma Trabalhista(2). Este parecer sugeriu a edição de uma Instrução Normativa para regulamentar questões ligadas ao direito processual (3).
Quanto à questão processual, o projeto da instrução normativa, ainda não publicada, sugere aplicação de normas processuais de forma imediata, respeitando situações iniciadas ou consolidadas na vigência da lei revogada. Além disso, traz previsão expressa de várias alterações que somente se aplicam a processos ajuizados após a entrada em vigor da reforma:
“Entre os dispositivos expressamente citados estão aqueles que tratam da responsabilidade por dano processual e preveem a aplicação de multa por litigância de má-fé e por falso testemunho (art. 793-A a 793-D). O mesmo entendimento se aplica à condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais (art. 791-A), que, de acordo com a Comissão, deve ser aplicada apenas às ações propostas após 11/11/2017.”
Observa-se, no entanto, que na exposição de motivos, o TST afirma expressamente que “quanto ao direito material, a Comissão entendeu que se trata de disposição que comporta enfrentamento jurisdicional, para que, operando-se a construção jurisprudencial, seja definida a aplicação da lei aos casos concretos.”
Em relação à aplicabilidade da reforma trabalhista aos contratos de trabalho, que tem natureza material, o TST deixou a cargo dos juízes a formação do entendimento jurisprudencial.
Conclui-se, portanto, que o Parecer da AGU, aprovado pelo MTE, define que a reforma não pode ser aplicada retroativamente, não valendo para os contratos finalizados antes da aprovação da lei 13.467/17. Assim, se aplicaria apenas aos contratos celebrados após a reforma trabalhista e aos contratos ainda vigentes, mas somente para os atos praticados após a entrada em vigor da reforma.
Porém, segundo a Anamatra, tal entendimento se limitaria à Administração Pública Federal, na esfera do Poder Executivo, tendo o judiciário ampla liberdade na formação do entendimento jurisprudencial majoritário, ressaltando, entretanto, que o Conamat provou tese de que "os preceitos jurídico-materiais da reforma trabalhista aplicam-se apenas aos contratos individuais de trabalho celebrados a partir de 11/11/2017”.
O TST, por sua vez, sem trazer qualquer posição, entendeu que “se trata de disposição que comporta enfrentamento jurisdicional, para que, operando-se a construção jurisprudencial, seja definida a aplicação da lei aos casos concretos.”
Dessa forma, com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, tem-se que, administrativamente, perante o MTE e a AGU, por uma garantia de segurança jurídica, deve ser respeitado o Parecer, aplicando-se a reforma mesmo aos contratos celebrados antes dela.
Porém, judicialmente, ainda não houve a adoção de um posicionamento pacífico. A Anamatra e o TST optaram por respeitar a independência do judiciário para firmar a jurisprudência sobre o tema. Apesar disso, há entendimento do 19º Conamat no sentido de que a reforma trabalhista aplica-se apenas aos contratos individuais de trabalho celebrados a partir de 11/11/2017.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Lorena Lara
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados.
(1) Diário Oficial da União de 15/05/2018. Disponível em:
<http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=15/05/2018&jornal=515&pagina=59&totalArquivos=78>. Acesso em: 22/05/2018.
(2) Notícia no site do TST sobre a entrega de parecer à Presidência do TST. Disponível em:
<http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24581032>. Acesso em: 22/05/2018.
(3) Parecer da Comissão de estudos sobre a Reforma Trabalhista. Disponível em:
<http://www.tst.jus.br/documents/10157/2374827/Parecer+Comiss%C3%A3o.pdf/adfce987-afaf-c083-89ea-459f08f25209>. Acesso em: 22/05/2018.