Medida Provisória n. 844/2018 reestrutura setor de saneamento básico
Bruna Colombarolli, Maria Tereza Fonseca Dias e Rodrigo Soares
Em 9 de julho de 2018, foi publicada a Medida Provisória n. 844 (1), que promoveu a alteração de pontos significativos da legislação regente sobre a gestão de recursos hídricos e os serviços de saneamento básico (Leis n. 9.984/2000 e Lei n. 11.445/2007) ("Medida Provisória"). Segundo a exposição de motivos, a alteração normativa justifica-se, sobretudo, para promover integração entre as políticas públicas sobre recursos hídricos e saneamento básico e assegurar maior segurança jurídica e estabilidade para os investimentos ligados aos referidos setores.
Entre as principais alterações, destacam-se: (i) a atribuição à Agência Nacional de Águas (“ANA”) de competência para elaborar normas nacionais de referência regulatória para o setor do saneamento básico; (ii) a instituição de normas para coordenação e racionalização das ações do governo federal no setor de saneamento; e (iii) a adequação das normas sobre consórcios públicos às especificidades dos serviços de saneamento básico.
O art. 4º-A da Medida Provisória amplia a seara de atuação da ANA, atribuindo-lhe competência para instituir normas nacionais que devem ser tomadas como referência na prestação dos serviços de saneamento básico pelos titulares dos serviços e entidades reguladoras e fiscalizadoras. Nesse sentido, a ANA deve dispor sobre: (i) os padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico; (ii) a regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico, com vistas a promover a prestação dos serviços adequada, o uso racional de recursos naturais e o equilíbrio econômico-financeiro das atividades; (iii) a padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico, firmados entre o titular do serviço público e o delegatário, os quais contemplarão metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços, além de especificar a matriz de riscos e os mecanismos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das atividades; (iv) os critérios para a contabilidade regulatória decorrente da prestação de serviços de saneamento básico; e (v) a redução progressiva da perda de água.
A Medida Provisória prevê ainda que, na elaboração das normas de referência, a ANA deve buscar estimular a competitividade e a ampla concorrência no setor de prestação dos serviços de saneamento básico, fomentar ações de cooperação entre os entes federados, promover a prestação adequada dos serviços de saneamento e possibilitar a adoção de métodos, técnicas e processos adequados às peculiaridades locais e regionais. Além disso, a Agência deve buscar articular as políticas públicas definidas pelos Plano Nacional de Saneamento Básico, Plano Nacional de Resíduos Sólidos e Política Nacional de Recursos Hídricos.
A Medida Provisória consagra a ANA como entidade regulatória central dos serviços de saneamento, visando, assim, promover unidade e alinhamento entre os atos normativos editados, de forma fragmentada, pelos Municípios e demais órgãos e entidades públicas.
Ocorre, contudo, que a pretensão de uniformizar a regulação setorial dos serviços de saneamento básico, por meio de normas nacionais editadas pela ANA, já vem sendo objeto de críticas em razão do fato de o atual marco constitucional atribuir aos Municípios a titularidade dos serviços e a competência para regulá-los e fiscalizá-los.
Nesse sentido, alega-se que a atribuição de competência para ANA regular as condições de prestação dos serviços de saneamento pode resultar em ilegítima violação das competências dos Municípios. Por outro lado, não se pode olvidar que o art. 21, XX, da Constituição de 1988 atribui à União competência para instituir diretrizes sobre os serviços de saneamento básico e o art. 23, IX, do Texto Constitucional consagra como competência comum de todos entes federados a promoção da melhoria dos serviços de saneamento básico.
A Medida Provisória ainda fixa que o acesso aos recursos públicos federais e a contratação de financiamentos com recursos da União ou geridos por órgãos ou entidades federais, quando destinados aos serviços de saneamento básico, ficam condicionados à demonstração de cumprimento das normas de referência nacionais editadas pela ANA, nos moldes do art. 50 da Lei n. 11.445/2007. Tal condicionamento vinculará tão-somente os contratos de financiamento celebrados após a edição das normas técnicas pela ANA.
Ademais, a Medida Provisória também promove alterações ligadas aos consórcios púbicos. Na exposição de motivos, é diagnosticado que a dispensa de licitação, prevista pela Lei n. 11.107/2005, para celebração de contratos de programa entre o titular dos serviços de saneamento e empresas estatais reduziu a concorrência no setor de saneamento, que, por ser caracterizado por um monopólio natural, “os concorrentes concorrem pelo mercado e não no mercado”. A rigor, a dispensa de licitação estimulou a celebração e prorrogação de contratos de parcerias entre os Municípios e empresas estatais prestadoras de serviço de saneamento e inibiu o desenvolvimento de projetos voltados para delegação desses serviços para o setor privado, pela via de contratos de concessão.
Para estimular a implementação de projetos de tal natureza, a Medida Provisória passa a prever a possibilidade de manutenção dos contratos de programa já celebrados, nas hipóteses de alienação do controle acionário de empresa estatal de serviços de saneamento básico. Portanto, no caso de privatização da entidade estatal, os contratos de programa e convênios de cooperação são preservados.
A Medida Provisória também estabelece que antes da celebração de contratos de programa, com dispensa de licitação, o titular dos serviços de saneamento deve publicar edital de chamamento público para angariar proposta de manifestação de interesse com explicitação de projeto que proponha a prestação descentralizada do serviço. Havendo comparecimento de terceiro interessado, a instituição de procedimento licitatório torna-se cogente. Por outro lado, inexistindo outro interessado, fica autorizada a celebração do contrato de programa com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, XXVI, da Lei nº 8.666/1993.
Verifica-se, assim, que, ao atribuir competência para ANA elaborar normas nacionais sobre os serviços de saneamento básico, a Medida Provisória tem como finalidade a promoção da uniformidade regulatória no setor de saneamento básico e, por consequência, gerar maior estabilidade e segurança jurídica.
Nesse passo, por meio do alinhamento da legislação setorial e da alteração do procedimento de celebração dos contratos de programa, a Medida Provisória busca atrair o investimento privado para os serviços de saneamento, que, até então, são precipuamente prestados por empresas estatais, resultantes do Plano Nacional de Saneamento, instituído na década de 70, pelo Governo Federal.
Mais esclarecimentos sobre o tema podem ser obtidos com a equipe de Direito Administrativo e Regulatório VLF Advogados.
Bruna Colombarolli
Sócia da área de Direito Administrativo e Regulatório VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia da área de Direito Administrativo e Regulatório VLF Advogados
Rodrigo Soares
Estagiário da área de Direito Administrativo e Regulatório VLF Advogados
(1) Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Mpv/mpv844.htm>. Acesso em: 23/07/2018.