O financiamento de terceiros na arbitragem
Marina Leal e Lucas Sávio Oliveira
Você é o CEO de uma sociedade que vem sofrendo com o desaquecimento do mercado. Em meio a todos os desafios que vem enfrentando, o inadimplemento de um de seus principais fornecedores, somada à ausência de cooperação por parte dele para resolver a questão amigavelmente, acaba fazendo com que a única saída seja solicitar arbitragem de acordo com a cláusula compromissória firmada. Todavia, os custos do procedimento, que em outras épocas foram tidos como razoáveis considerando o valor do contrato e a necessidade de soluções técnicas e ágeis, passaram a ser proibitivos dado o atual contexto. Ainda assim, é preciso achar uma solução, já que a condenação do fornecedor, tida como provável, trará um alívio para o caixa da sociedade.
Uma possibilidade, até há pouco não explorada no Brasil, é o financiamento da arbitragem por terceiros. O terceiro financiador, que muitas vezes é um fundo, normalmente recebe, em contrapartida, uma porcentagem em eventual êxito da parte financiada na arbitragem (1). Há, também, hipóteses em que o terceiro adquire direitos futuros sobre a decisão arbitral ou realiza um empréstimo a juros e bônus em caso de decisão favorável.
Podem existir muitos motivos para se contratar o financiamento de uma arbitragem. Dentre os mais comuns, podemos destacar: i) a impossibilidade de que a parte arque com as despesas do procedimento, sendo necessário que um terceiro custeie parte ou sua totalidade; ii) razões de fluxo de caixa, por ser mais interessante para a parte utilizar este dinheiro para tocar seu negócio ou realizar investimentos (2); ou iii) simplesmente por uma decisão de não arcar sozinha com os riscos do litígio (3).
O financiamento por terceiros deve ser encarado como uma estratégia da sociedade, considerando que as despesas na arbitragem, que englobam as custas da câmara e os honorários dos árbitros, advogados, peritos e assistentes técnicos, por exemplo, podem ser, a depender do caso, extremamente altas. Como alguns desses valores são recolhidos no início do procedimento (tais como a taxa de administração da câmara arbitral e os honorários dos árbitros), a parte pode não ter como arcar – ou não achar interessante comprometer seu fluxo de caixa – com esse tipo de dispêndio.
Também conhecido pela expressão em inglês third party funding, o investimento de terceiros não tem como foco, apenas, os procedimentos arbitrais, podendo ser utilizado em outros tipos de litígio, inclusive judiciais (4). No entanto, no Brasil, como os custos do judiciário não são tão expressivos, o seu uso em litígios perante as cortes estatais não é muito discutido.
Já utilizado há algum tempo em outros países, o instituto do financiamento de terceiros em arbitragens vem ganhando cada vez mais destaque no cenário nacional. Em 2017, foram reportadas no Brasil quatro arbitragens em que houve o financiamento de algum terceiro (5). Apesar de parecer um número ainda irrisório, já é um aumento em relação ao ano de 2016, em que não foi reportado nenhum financiamento (6), mesmo sendo este, à época, um assunto já em voga. Ademais, é preciso que se considere a possibilidade de que tenha havido financiamento em outros casos que não foram divulgados.
Apesar de crescer no país, ainda não há regulação específica no Brasil sobre o assunto, característica que se replica em muitos países nos quais o investimento de terceiros em arbitragem é utilizado. Algumas câmaras arbitrais, no entanto, como o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá (“CAM-CCBC”), já publicaram diretrizes gerais sobre o seu uso. A Resolução Administrativa 18/2016 do CAM-CCBC (7), que trata sobre o assunto, tem como foco possíveis conflitos de interesse dos financiadores com os árbitros, um dos principais problemas discutidos dentro do tema.
O instituto não deixa de gerar controvérsias. Há quem defenda que ele poderia ser uma monetarização do direito da parte lesada, que o estaria alienando parcialmente ao entregar parte de seus eventuais ganhos a um terceiro. Ademais, há preocupações acerca da ingerência do terceiro financiador no procedimento, da necessidade de revelação do financiamento para a câmara, árbitros e para a parte contrária e de eventual conflito de interesse com os árbitros.
As críticas são válidas, mas, com o aprimoramento e regulação do instituto, muitas das questões poderão ser respondidas e devidamente endereçadas.
Fato é que este é um mercado emergente, que pode ser de grande auxílio na promoção ainda maior da arbitragem, significar benefício às partes e, ao que tudo indica, se tornará cada vez mais recorrente.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de arbitragem do VLF Advogados.
Marina Leal
Advogada da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
(1) “A party (nearly always a claimant) secures a commitment from a funder who otherwise has no interest in the dispute, to pay the claimant’s expenses, including legal fees, in return for a share of whatever amount may be awarded to the claimant in the litigation or arbitration. The share varies from 5% to 50%, depending on the parties involved, the merits and complexity of the case, and the chances of collecting. If the claimant loses, nothing is payable to the funder. In some cases the funder may pay an adverse costs award to the successful respondent.” BARRINGTON, Louise. Third Party Funding and the International Arbitrator. Em: SHAUGHNESSY, Patricia; TUNG, Sherlin. The Power and Duties of an Arbitrator – Liber Amicorum Pierre A. Karrer. Wolters Kluwer. 2017.
(2) Conforme explica Matthew Knowles, (t)his implicitly recognizes the increasing use of TPF as a risk management tool by parties who could use their own resources to pursue a claim but prefer to use external non-recourse funding, for example for accounting reasons or so that they can use their cash for other business priorities.” KNOWLES, Matthew. Third party funding in ICSID arbitration: comments on ICSID’s proposed revised Rules. Disponível em: <https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=7094a613-e7da-4dda-8d52-be12a5d34bbb>. Acesso em: 21/09/2018.
(3) De acordo com Louise Barrington, “(t)oday, perfectly solvent companies are using third-party funding as a risk-allocation technique, or simply to retain their own capital for running their business. As one funder reflected, it is probably an easier sell for a company’s general counsel to persuade the CEO to embark on an arbitration if they are using someone else’s money.” BARRINGTON, Louise. Third Party Funding and the International Arbitrator. Em: SHAUGHNESSY, Patricia; TUNG, Sherlin. The Power and Duties of an Arbitrator – Liber Amicorum Pierre A. Karrer. Wolters Kluwer. 2017.
(4) A indústria de financiamento de disputas judiciais também tem crescido nos Estados Unidos: “The litigation-funding industry has grown exponentially in the past decade to include virtually all types of commercial cases and portfolios of cases where multiple matters are used as collateral to secure capital.” Disponível em: <https://thelawreviews.co.uk/edition/the-third-party-litigation-funding-law-review-edition-1/1152267/united-states>. Acesso em: 21/09/2018.
(5) BAPTISTA, Luiz Olavo; NAKAGAWA, Adriane. The Third Party Litigation Funding Law Review - Edition 1 – Brazil. Disponível em <https://thelawreviews.co.uk/edition/the-third-party-litigation-funding-law-review-edition-1/1152248/brazil>. Acesso em: 21/09/2018.
(6) BAPTISTA, Luiz Olavo; NAKAGAWA, Adriane. Brazil – Litigation Funding 2017. Disponível em <https://gettingthedealthrough.com/area/94/jurisdiction/6/litigation-funding-2017-brazil/>. Acesso em: 21/09/2018.
(7) Resolução Administrativa 18/2016 do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá. Disponível em: <https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/resolucoes-administrativas/ra-18-2016-financiamento-de-terceiros-em-arbitragens-cam-ccbc/>. Acesso em: 21/09/2018