O devido processo administrativo para instituição consensual de servidão minerária
Bruna Colombarolli e Maria Tereza Fonseca Dias
A instituição da servidão minerária, disciplinada pelos arts. 59-62 (1) do Código Minerário, sobre a propriedade onde a jazida está localizada e suas áreas limítrofes tem como objetivo prover as utilidades e condições para implantação de toda infraestrutura demandada pela atividade minerária. O instituto expressa natureza de utilidade pública da atividade minerária, porquanto o ônus pode ser imposto por ordem judicial na propriedade do particular mesmo sem sua anuência.
A despeito da possibilidade de a servidão minerária ser instituída na propriedade alheia de forma impositiva, por decisão judicial, deve-se estimular a instituição de servidões minerárias de forma consensual, estimulando a auto-regulação da relação jurídica e a otimização da tutela dos interesses dos envolvidos. Isso porque a instituição consensual das servidões minerárias evita os custos e a demora de eventual processo judicial e permite a formatação de indenizações mais adequadas a cada caso concreto.
O insucesso da instituição consensual das servidões minerárias tem como uma das causas a ausência de prescrição normativa de um devido processo administrativo a ser seguido.
Apesar da ausência de normas específicas, o devido processo administrativo para instituição consensual das servidões minerárias pode ser forjado a partir da observância dos direitos e garantias fundamentais de dimensão procedimental e dos princípios da boa fé e da cooperação.
A necessidade de realização de devido processo administrativo é reforçada pelo Decreto n. 9.406/2018, que atribui competência à Agência Nacional de Mineração (“ANM”) para declarar determinada área de utilidade pública, para fins de instituição de servidão minerária. Nos moldes da disciplina do Decreto-lei n. 3.365/1941, o ato declaratório de utilidade pública da ANM deflagra o processo administrativo necessário para constituição da servidão minerária.
É preciso ainda destacar que o ato declaratório da Agência não é dotado de auto-executoriedade, o que significa que a medida interventiva somente pode ser instituída pela aquiescência do proprietário ou de autorização judicial. A rigor, por meio do referido ato, a ANM reconhece o interesse público subjacente à necessidade de instituição da servidão e subsidia eventual ação judicial voltada para constituição da servidão.
Assim, a Administração Pública somente pode pretender realizar ocupação temporária de bem alheio no contexto de devido processo administrativo, já que a instituição da medida interventiva não decorre de ato unilateral e isolado da Administração Pública. Ao contrário, trata-se do resultado de uma cadeia de atos sucessivos que resguarda, sobretudo, o direito ao contraditório e à ampla defesa do proprietário do bem. Logo, ele tem direito subjetivo a ser intimado acerca da intenção de o Poder Público utilizar transitoriamente o bem, com a informação motivada sobre a finalidade e o período da ocupação.
Nesse contexto, após a edição da declaração de utilidade, o devido processo administrativo deve ser iniciado a partir da expedição, pelo empreendedor, de intimação direcionada ao proprietário do bem, com a explicitação das razões fáticas jurídicas que justificam a instituição da servidão. É recomendável ainda que o mesmo documento explicite e fundamente a extensão da servidão e os ônus e restrições que serão gerados.
Na sequência, o proprietário deve apresentar manifestação por meio da qual externe sua anuência ou não acerca da instituição da medida interventiva e das respectivas condições de implementação – o prazo, a área do bem a ser afetada, critérios de indenização, mecanismos e procedimentos para solução de eventuais conflitos.
Em caso de concordância, a instituição da ocupação temporária é feita por meio da celebração de contrato de instituição de servidão minerária que deve ser objeto de registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Compete ao contrato a estipulação das caraterísticas da servidão mineraria e das formas utilização do bem pelo empreendedor (dimensões do imóvel, período da medida interventiva, atividades para as quais o bem será vertido, necessidade de uso de recursos naturais do bem, eventuais intervenções que podem ser realizadas no bem), bem como a disciplina dos seguintes aspectos: (a) indenização e respectiva forma de pagamento; (b) necessidade de prestação de caução; (c) possibilidade de prorrogação da medida interventiva; (d) foro competente para dirimir eventuais dissensos sobre o adimplemento contratual; (e) estipulação de compromisso arbitral.
Na ausência de consenso, a Administração Pública fica impedida de realizar a ocupação do bem, devendo buscar provimento judicial que a habilite a efetuar a medida interventiva para fins de realização da atividade de interesse público. Após o ajuizamento da ação pela Administração Pública, compete ao Poder Judiciário apreciar a legalidade da pretensão do poder público, a legitimidade dos argumentos apresentados para fundamentar a ocupação temporária e a definição do valor da indenização.
Dada a relevância das servidões minerárias no setor e as incontáveis vantagens da constituição do direito real pela via contratual, a ANM pode desempenhar papel de mediação entre o empreendedor e o proprietário do bem, com fulcro no art. 2º, XIV, da Lei n. 13.575/2017(2). Nesse sentido, estaria atraída a incidência dos procedimentos fixados pela Lei n. 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Nesse contexto, para estimulação da instituição de servidões minerárias consensuais e para fins de segurança jurídica, seria oportuna a regulamentação do devido processo administrativo pela ANM.
Bruna Colombarolli
Sócia da área de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia da área de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Art. 59. Ficam sujeitas a servidões de solo e subsolo, para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade onde se localiza a jazida, como as limítrofes. (Renumerado do Art. 60 para Art. 59 pelo Decreto-lei nº 318, de 1967)
Parágrafo único. Instituem-se Servidões para:
a) construção de oficinas, instalações, obras acessórias e moradias;
b) abertura de vias de transporte e linhas de comunicações;
c) captação e adução de água necessária aos serviços de mineração e ao pessoal;
d) transmissão de energia elétrica;
e) escoamento das águas da mina e do engenho de beneficiamento;
f) abertura de passagem de pessoal e material, de conduto de ventilação e de energia elétrica;
g) utilização das aguadas sem prejuízo das atividades pre-existentes; e,
h) bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho.
Art. 60 Instituem-se as Servidões mediante indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação. (Renumerado do Art. 61 para Art. 60 pelo Decreto-lei nº 318, de 1967)
§ 1º Não havendo acordo entre as partes, o pagemento será feito mediante depósito judicial da importância fixada para indenização, através de vistoria ou perícia com arbitramento, inclusive da renda pela ocupação, seguindo-se o competente mandado de imissão de posse na área, se necessário.
§ 2º O cálculo da indenização e dos danos a serem pagos pelo titular da autorização de pesquisas ou concessão de lavra, ao proprietário do solo ou ao dono das benfeitorias, obedecerá às prescrições contidas no Artigo 27 deste Código, e seguirá o rito estabelecido em Decreto do Governo Federal.
Art. 61. Se, por qualquer motivo independente da vontade do indenizado, a indenização tardar em lhe ser entregue, sofrerá,a mesma, a necessária correção monetária, cabendo ao titular da autorização de pesquisa ou concessão de lavra, a obrigação de completar a quantia arbitrada. (Renumerado do Art. 62 para Art. 61 pelo Decreto-lei nº 318, de 1967)
Art. 62. Não poderão ser iniciados os trabalhos de pesquisa ou lavra, antes de paga a importância à indenização e de fixada arenda pela ocupação do terreno. (Renumerado do Art. 63 para Art. 62 pelo Decreto-lei nº 318, de 1967)
(2) Art. 2º A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), em legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe: [...]
XIV - mediar, conciliar e decidir os conflitos entre os agentes da atividade de mineração.