A aplicação da prescrição intercorrente
Rafhael Frattari e Glauber Mesquita
No dia 12 de setembro finalmente encerrou-se o julgamento do Recurso Especial n. 1.340.533/RS, que havia sido afetado ao rito dos recursos repetitivos ainda em 2012. No processo, discutiram-se vários temas relacionados à prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei de Execução Fiscal (LEF), cuja aplicação é alvo de controvérsia em milhões de processos, não é exagero falar.
Ao final do julgamento, foram estabelecidas 4 (quatro) teses que serão comentadas a seguir:
1ª Tese:
(a) o prazo de 1 ano de suspensão previsto no art. 40, §§1º e 2º da LEF tem início automaticamente na data de ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido; (b) em se tratando de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa de natureza tributária cujo o despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes do início da vigência da Lei Complementar 118/05, o prazo da prescrição ordinária no período da redação original do inciso I do parágrafo único do artigo 174 do CTN, interrompia-se pela citação válida do devedor por carta, por oficial de justiça ou por edital. Nessa hipótese, depois da citação válida, ainda que editalícia, logo após a primeira tentativa infrutífera de localização do devedor de bens penhoráveis, o juiz suspenderá o curso da execução; (c) Em se tratando de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa de natureza não tributária (§2º, art. 8º da LEF), assim como em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária, cujo o despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da LC 118/05, que conferiu nova redação do artigo 74 do CTN, a interrupção da prescrição ordinária opera-se com o despacho de citação. Nessa hipótese, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o juiz suspenderá a execução;
Fixou-se no item (a) que o prazo de suspensão de 1 (um ano) terá início imediatamente após a constatação de que não há bens a serem penhorados. Esta tese pode ser criticada porque a prescrição intercorrente independe de qualquer suspensão do processo executivo ou algo que o valha. A suspensão pelo prazo de 1 (um) ano prevista na LEF é apenas uma prerrogativa conferida pela lei à Fazenda Pública, que pode utilizá-la ou não. Caso não haja suspensão ordenada pelo Juiz ou mesmo requerida pela Fazenda, o prazo da prescrição intercorrente inicia-se da mesma maneira, a partir do momento em que se verifica a inexistência de bens do devedor ou da verificação de que está em lugar desconhecido. Assim, é importante lembrar, a suspensão do processo por um ano não pode ser pressuposto para a fluência do prazo de prescrição intercorrente.
O item (b) da Tese 1 mais parece uma prescrição legal feita por legisladores e direcionada aos juízes do que a interpretação de algum dispositivo legal, o que mostra o ativismo que orientou a decisão. Certamente, pretendeu-se que os juízes suspendam desde logo as execuções fiscais quando não forem encontrados bens para a sua garantia, depois da citação válida, ainda que por edital, para as execuções de créditos tributários ajuizadas antes da Lei Complementar n. 118/2005.
Já o item (c) aplica-se às dívidas de natureza tributária e não tributária exigidas em execuções fiscais ajuizadas após o advento da Lei Complementar n. 118/2005. Nestes casos, o acordão do STJ determina que logo após a primeira tentativa frustrada de citação ou de localização de bens penhoráveis, o juiz deverá suspender a execução.
Em relação aos itens da Tese 1, talvez a maior crítica deva ser direcionada ao seu conteúdo regulatório, ou seja, o STJ pretendeu colmatar as lacunas do art. 40 da LEF, constituindo regramento mais específico, uma espécie de passo a passo que os juízes devem seguir, especialmente para que seja operada a suspensão do processo executivo, diante da ausência de bens ou da dificuldade em encontrar o próprio executado.
Também é criticável a ideia de que o juiz deverá ordenar a suspensão do processo pelo período de 1 (um) ano tão logo seja constada a inexistência de patrimônio passível de constrição para caucionar o crédito exequendo. Ora, essa possibilidade é uma faculdade da Fazenda, mas nunca pode ser tida como pressuposto da prescrição intercorrente, o que é sugerido pela redação utilizada no item (a) da Tese 1.
2ª Tese:
Decorrido o prazo de um ano de suspensão do processo, inicia-se automaticamente o prazo de prescrição, durante o qual o processo deve ser arquivado sem baixa na distribuição, na forma do artigo 40, §2º, da LEF, findo o qual o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá de ofício reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;
Pela Tese 2 resta evidente que findo o prazo de suspensão de 1 (um) ano, previsto na LEF, iniciar-se-á o prazo para a prescrição intercorrente, sem que seja necessária a prática de qualquer ato. Neste período, havido o transcurso de cinco anos o Juiz deverá ouvir a Fazenda e poderá reconhecer de ofício a prescrição intercorrente, decretando-a de imediato, já que terá havido a oportunidade de participação prévia para o Fisco.
3ª Tese:
A localização do devedor e a efetiva constrição patrimonial são aptas a suspender o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo requerendo a busca do devedor e a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente no intervalo da soma do prazo máximo de um ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (dívida tributária e não tributária) exequendo deverão ser processados ainda que para além da soma destes dois prazos, pois encontrados e penhorados os bens a qualquer tempo, mesmo depois de escoados os referidos prazos considera-se suspensa a prescrição intercorrente retroativamente na data do protocolo da petição que requereu providência frutífera;
A Tese 3 começa muito bem, mas depois torna bastante imprevisível o reconhecimento da prescrição intercorrente. De fato, o STJ acerta ao reconhecer que apenas a localização do devedor e a efetiva constrição patrimonial são capazes de suspender o curso da prescrição intercorrente. Assim, suplantado está o argumento do Fisco de que o simples peticionamento periódico nos autos ou a busca de ativos financeiros e quejandos sejam suficientes para suspender o prazo prescricional intercorrente.
No entanto, a segunda metade da Tese 3 traz possibilidade que certamente causará dificuldade em alguns casos. Pela hipótese, caso a Fazenda tenha requerido, antes do escoamento do prazo de suspensão do processo somado ao prazo da prescrição intercorrente (1+5=6), diligência que só venha a ser concluída com sucesso após o transcurso desses seis anos, ainda assim não haverá a prescrição intercorrente. A constrição do patrimônio do contribuinte retroagiria, portanto, à data do pedido de diligência feito pela Fazenda Pública.
Consideramos que essa possibilidade trará certos problemas práticos, especialmente naqueles casos em que depois do pedido de diligência feito no prazo de seis anos o processo seja esquecido no cartório judicial. Assim, haveria a possibilidade de ato constritivo “eterno”, enquanto a execução não for extinta. Como não há garantia de que os processos sejam extintos de ofício pelo poder Judiciário – já que a oitiva da Fazenda Pública é requisito, a teor da Tese 1 –, essa hipótese poderá trazer problemas aos contribuintes. Num primeiro momento, parece-nos que o importante será requerer a imediata extinção do feito executivo assim que for completado o prazo necessário à configuração da prescrição intercorrente, de modo a impedir futuros e exitosos atos constritivos.
De todo modo, essa é uma primeira impressão das teses formadas, cujo contorno de aplicação será delineado pelos juízes nos próximos meses.
4ª Tese:
A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos - art. 245 do CPC/73 correspondente ao art. 278 do CPC/15 -, ao alegar a nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu, exceto a do termo inicial, onde o prejuízo é presumido, isto é, se ela não foi intimada de nada, por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.
A Tese 4 refere-se aos casos em que a Fazenda deve arguir na primeira oportunidade que falar nos autos, eventual prejuízo sofrido por ausência de intimação, caso pretenda suspender ou interromper a prescrição intercorrente. A regra só não vale para o marco inicial do prazo, em que este prejuízo é presumido. Neste particular, o acórdão do STJ é salutar, já que exige que o Fisco efetivamente demonstre prejuízo decorrente da ausência de intimação ou algo semelhante, de modo que apenas em casos positivos haverá a nulidade da prescrição intercorrente, com a sua suspensão ou interrupção, conforme o caso.
Para saber mais sobre os casos, consulte a equipe de Contencioso Tributário do VLF Advogados.
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela área Tributária do VLF Advogados
Glauber Mesquita
Advogado responsável pela área Tributária do VLF Advogados