A extensão da cláusula de arbitragem nos contratos coligados
Marina Leal e Lucas Sávio Oliveira
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em recente julgado, manteve a decisão das instâncias anteriores que entenderam pela possibilidade da extensão da cláusula de arbitragem prevista em um contrato a outros quando estes são coligados (1).
De acordo com Francisco Paulo de Crecenzo Marino, “contratos coligados podem ser conceituados como contratos que, por força de disposição legal, da natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca.” (2)
No caso, as partes celebraram um contrato de abertura de crédito – que seria o contrato “mãe” – e alguns contratos de swap, decorrentes do primeiro instrumento firmado, como forma de operacionalizar a quitação do valor devido, pago via integralização de ações societárias da devedora em favor dos bancos credores. O contrato de abertura de crédito possuía cláusula compromissória enquanto os contratos de swap, por sua vez, elegiam o foro estatal para resolução de disputas. Não obstante, o entendimento foi que, como os contratos eram coligados, e tratavam de uma única operação econômica, eles deveriam ser interpretados conjuntamente.
Ademais, entendeu-se que, como o contrato que possuía a cláusula de arbitragem era o contrato principal da relação, ele deveria determinar as regras que regulariam os demais instrumentos firmados em sua decorrência. Assim, utilizando-se do princípio da gravitação jurídica, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, também concluiu que, em casos como esse, o “acessório segue a sorte do principal”.
A decisão, contudo, não foi unânime. O ministro Luís Felipe Salomão apresentou voto divergente, argumentando que, mesmo sendo os contratos coligados, eles não perdem a sua autonomia e individualidade. Além disso, entendeu que pela primazia do princípio da autonomia da vontade na arbitragem, esta só poderia ser eleita com a vontade expressa e manifesta dos contratantes, o que não teria ocorrido nos contratos de swap.
Trata-se de uma questão vai além de conceitos jurídicos e argumentos teóricos. Há nos efeitos práticos extremamente relevantes decorrentes da extensão objetiva da cláusula de arbitragem aos contratantes. Ocorre que o fatiamento das controvérsias de correntes de contratos que são conexos entre si, principalmente as que versem sobre uma mesma relação econômica, pode ser prejudicial para a resolução das disputas. Como o mesmo litígio pode decorrer de disposições de mais de um contrato, eventual resolução por julgadores diferentes, além de não ser ineficiente, pode gerar, inclusive, resultados incompatíveis.
Como bem lembra Arnoldo Wald (3):
“Não se trata de apurar a existência de cláusula compromissória remissiva, expressamente aceita pela nossa Lei de Arbitragem, no art. 4º, §1º. Ter-se-á, assim, que analisar, caso a caso, para se verificar a verdadeira vontade das partes e se tal conduz a uma unicidade, inclusive econômica, da relação regida por esses diferentes contratos, sendo indivisível em vista dos efeitos que um exerce sobre o outro.”
Assim, quando da redação contratual – principalmente nos casos complexos, em que mais de um instrumento governa a relação econômica entre as partes –, estas devem ter cuidado ao selecionar o método de resolução de disputas mais adequado e refletir isso em todos os contratos da relação.
Caso contrário, poderão ocorrer questionamentos acerca do foro competente que, provavelmente, atrasarão a resolução do conflito.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de arbitragem do VLF Advogados.
Marina Leal
Advogada da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
(1) STJ, REsp 1639035/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 15/10/2018.
(2) MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99.
Como conceito de contratos coligados podemos citar ainda:
“Os contratos coligados são resultado de uma hipercomplexidade contratual que decorre da necessidade de concretização de interesses cada vez mais intrincados e que devem conectar-se com outras situações jurídicas que a estes interesses estejam ligados.” PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 2. 18 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
“O contrato coligado não se confunde com o misto, pois constitui uma pluralidade, em que vários contratos celebrados pelas partes apresentam-se interligados. Quando o elo entre eles consiste somente no fato de constarem do mesmo instrumento, não existe propriamente coligação de contratos, mas união de contratos. Aquela passa a existir quando a reunião é feita com dependência, isto é, com um contrato relacionado ao outro, por se referirem a um negócio complexo. Apesar disso, conservam a individualidade própria, distinguindo-se, nesse ponto, do misto.” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 3. 11 Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
(3) WALD, Arnoldo. A arbitragem, os grupos societários e os conjuntos de contratos conexos. Revista de Arbitragem e Mediação: RArb, v. 1, n. 2, p. 31-59, maio/ago. 2004.