A aplicação da lei de ofício é dever da Administração Tributária
Rafhael Frattari
Não é de hoje que as legislações que regem o processo administrativo tem abarcado a preclusão nas alegações colocadas pelos contribuintes, seja em nível, federal, estadual ou municipal. Isso quer dizer que a maior parte dessas legislações impõe ao contribuinte o dever de alegar toda a matéria de sua defesa na primeira oportunidade em que podem fazê-lo, sob pena de que os argumentos não mencionados não serem mais apreciados na esfera administrativa.
A vedação se insere na constante formalização que se viu nos processos administrativo-tributários nas últimas décadas, o que lhes vem aproximando em larga medida do processo judicial. Aliás, em muitos casos, com mais rigidez, quando, por exemplo, se exige que na primeira peça de defesa o contribuinte já apresente pedido de prova pericial, com quesitação e indicação de assistentes. Enfim, cada vez mais diminui a distância entre a formalização do processo administrativo e do processo judicial.
Em relação à preclusão, têm sido comuns decisões administrativas de órgãos da 2ª instância administrativa negarem-se a apreciar determinados argumentos, porque não foram colocados em 1ª instância, como demonstram os acórdãos de ns. 3302-006.014 (1), 1002-000.336 (2), 3201-004.184(3) e 1001-000.821(4), por exemplo.
A frase retirada da ementa do acórdão n. 3201-004.184 esclarece o entendimento, ainda que a voo de pássaro:
“Questões não trazidas a debate na petição impugnativa inicial, quando se instaura a fase litigiosa do procedimento administrativo, constituem matérias preclusas das quais não pode o Julgador administrativo tomar conhecimento quando abordadas em momento posterior, por afrontar o rito processual”.
Naturalmente, reconhece-se que a estipulação de regras procedimentos que delimitam a apresentação de provas e a alegação de argumentos existem para dar racionalidade e eficiência ao processo, seja administrativo, seja judicial. No entanto, na esfera administrativa é muito importante que isso não implique em abandono da busca pela verdade material, princípio norteador dos atos processuais a serem determinados.
E por que se precisa da verdade material no processo administrativo tributário? Ora, simplesmente porque a Administração Pública tem o dever de aplicar a lei de ofício. Não pode o Fisco conhecer provas que demonstram a efetiva realidade, mas se negar a considerá-las, sob a escusa de que não foram juntadas no momento apropriado.
O mesmo vale para questões de direito. Suponha-se que há um dispositivo legal que ampare o direito do contribuinte, mas cuja norma correspondente não fora invocada em 1ª instância. Conhecendo o julgador administrativo o direito a ser adequadamente aplicado, não pode ele fazer vistas grossas à ordem jurídica, pois age em nome da Administração, tem o dever de aplicar de ofício a lei.
Aliás, o dever deve ser tomado com a maior amplitude possível. Tomando conhecimento a Administração de algum ato administrativo que aplicou equivocadamente a legislação tributária em detrimento da esfera de direitos do contribuinte, ela deve anular o ato imediatamente, caso ainda não atingido pela prescrição. A exigência advém do princípio da legalidade, em sua mais evidente manifestação, nem mais, nem menos. A aplicação correta da norma, aos fatos que efetivamente ocorreram, ainda que permeados pelo círculo hermenêutico que caracteriza o trabalho do intérprete.
Há ainda outro argumento de ordem prática. É sabido que na esfera administrativa não é necessário que o contribuinte seja representado por advogados. Assim, ainda que em órgãos como o CARF tenhamos a atuação dos melhores advogados do país, há também contribuintes representados por procuradores com menor preparo técnico-jurídico ou contábil. Portanto, não é raro que haja defeito na defesa do contribuinte. Neste caso, é claro que os julgadores não devem defendê-lo, mas apenas aplicar a legislação de maneira correta, ainda que isso signifique ir além do que fora alegado. Lembre-se: o maior interessado na aplicação adequado do direito tributário é a Administração Pública, adstrita às inúmeras dimensões do princípio da legalidade.
Assim, espera-se que os Tribunais administrativos relevem formalidades em excesso quanto ao processo administrativo-tributário quando o princípio da verdade material e a aplicação correta da lei tributária estiverem em jogo
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela área tributária do VLF Advogados.
(1) Ementa(s). Assunto: Classificação de Mercadorias. Data do fato gerador: 10/09/2014, 11/09/2014, 18/09/2014. CONCOMITÂNCIA COM AÇÃO JUDICIAL. RENÚNCIA. SÚMULA CARF Nº 1.
Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.
MODIFICAÇÃO DE CRITÉRIO JURÍDICO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA EM IMPUGNAÇÃO. PRECLUSÃO. VERIFICAÇÃO.
Constatada a ausência de questionamento em impugnação, in casu, a modificação de critério jurídico do lançamento, considera-se incontroversa a matéria, a teor do art. 17 do Decreto nº 70.235/72, não sendo admissível a renovação da altercação em sede recurso voluntário, por verificação da preclusão consumativa.
PRÁTICAS REITERADAS. INEXISTÊNCIA. EXCLUSÃO DE MULTA E JUROS. DESCABIMENTO.
Não consubstanciam práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas a adoção de entendimentos exarados por atos administrativos baixados pela RFB, quando obedecida a sua vigência e a aplicação contemporânea aos casos concretos submetidos, não havendo razão para exoneração de multa e juros, com base no art. 100 do Código Tributário Nacional. (Acórdão n. 3302-006.014. Processo n. 10111.000727/2008-59. Rel. JOSE RENATO PEREIRA DE DEUS. Data de Publicação: 22/10/2018. Disponível no sistema de pesquisa jurisprudencial do CARF.)
(2) Ementa(s)Assunto: Processo Administrativo Fiscal. Ano-calendário: 2002. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA. PRECLUSÃO. REQUISITOS PROCESSUAIS DE VALIDADE NÃO PREENCHIDOS. NÃO CONHECIMENTO.
Se o recurso voluntário inova via motivos de fato e/ou de direito acerca de matérias não expressamente contestadas na impugnação, ou seja, fora dos limites da lide, verifica-se a perda da oportunidade processual da contestação, por preclusão consumativa.
Assunto: Obrigações Acessórias. Ano-calendário: 2002. MULTA POR ATRASO. DCTF. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.
A responsabilidade pela entrega da DCTF não está alcançada pelo art. 138 do Código Tributário Nacional. (Acórdão n. 1002-000.336. Processo n. 19679.015876/2004-48. Relator: ANGELO ABRANTES NUNES. Data de Publicação: 19/09/2018. Disponível no sistema de pesquisa jurisprudencial do CARF.)
(3) Ementa(s). Assunto: Processo Administrativo Fiscal. Período de apuração: 01/01/2010 a 31/12/2012.
AÇÃO JUDICIAL. AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
A busca da tutela do Poder Judiciário não impede a formalização do crédito tributário por meio do lançamento, ainda que houvesse qualquer causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário [o que não é o caso dos autos], não havendo de se falar, portanto, em nulidade do auto de infração lavrado. Constatada a falta de destaque/declaração/pagamento do imposto, cabe ao Fisco a iniciativa de efetuar o lançamento de ofício, constituindo o crédito tributário e prevenindo a decadência.
MATÉRIAS NÃO ABORDADAS NA IMPUGNAÇÃO. ABORDAGEM EM MOMENTO POSTERIOR. PRECLUSÃO.
Questões não trazidas a debate na petição impugnativa inicial, quando se instaura a fase litigiosa do procedimento administrativo, constituem matérias preclusas das quais não pode o Julgador administrativo tomar conhecimento quando abordadas em momento posterior, por afrontar o rito processual.
AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. ERRO DE MOTIVAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
A motivação do ato lançamento tributário, formalizado por meio de auto de infração, é a descrição dos eventos tributários concretizados no mundo fenomênico (ou fatos geradores, segundo o CTN), que se subsumem à hipótese de incidência do tributo descrita na norma geral e abstrata.
RECURSO DE OFÍCIO. NEGADO
Nega-se provimento ao recurso de ofício quando a autoridade julgadora aprecia o feito nos termos da legislação de regência e das provas constantes dos autos. (Acórdão n. 3201-004.184. Processo n. 10480.732386/2015-13. Relator: LEONARDO CORREIA LIMA MACEDO. Data de Publicação: 27/09/2018. Disponível no sistema de pesquisa jurisprudencial do CARF.)
(4) Ementa(s) Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário. Ano-calendário: 2006. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE NOVOS ARGUMENTOS E PROVAS EM SEDE RECURSAL. PRECLUSÃO.
A manifestação de inconformidade e os recursos dirigidos a este Conselho Administrativo de Recursos Fiscais seguem o rito processual estabelecido no Decreto nº 70.235/72, além de suspenderem a exigibilidade do crédito tributário, conforme dispõem os §§ 4º e 5º da Instrução Normativa da RFB nº 1.300/2012.Os argumentos de defesa e as provas devem ser apresentados na manifestação de inconformidade interposta em face do despacho decisório de não homologação do pedido de compensação, precluindo o direito do Sujeito Passivo fazê-lo posteriormente, salvo se demonstrada alguma das exceções previstas no art. 16, §§ 4º e 5º do Decreto nº 70.235/72. (Acórdão n. 1001-000.821. Processo n. 10783.902283/2008-85. Relator: LIZANDRO RODRIGUES DE SOUSA. Data de Publicação: 18/10/2018. Disponível no sistema de pesquisa jurisprudencial do CARF.)