STJ utiliza princípios gerais do Direito na fundamentação de recentes decisões sobre recuperação judicial
Karen Oliveira e Gabrielle Aleluia
Recentemente, duas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) firmaram importantes entendimentos relacionados ao Direito da Insolvência, tendo como pano de fundo alguns dos princípios gerais do Direito.
A primeira delas, proferida pela Terceira Turma (1), decidiu que a falta de publicação de Edital com a relação de credores, por si só, não é capaz de gerar a nulidade do ato, sendo essencial a demonstração de prejuízo do credor.
Primeiramente, em relação à obrigatoriedade de publicação do edital na imprensa oficial, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que o art. 191 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (“Lei 11.101/05”) (2) comporta mais de uma interpretação no que se refere à necessidade de publicação do edital na imprensa oficial. Este artigo prevê que:
Art. 191. Ressalvadas as disposições específicas desta Lei, as publicações ordenadas serão feitas preferencialmente na imprensa oficial e, se o devedor ou a massa falida comportar, em jornal ou revista de circulação regional ou nacional, bem como em quaisquer outros periódicos que circulem em todo o país.
Parágrafo único. As publicações ordenadas nesta Lei conterão a epígrafe "recuperação judicial de", "recuperação extrajudicial de" ou "falência de".
Apesar da pluralidade de interpretações, o entendimento exarado pela Ministra – diferente daquele manifestado no primeiro e segundo grau de jurisdição –, é que há sempre a obrigatoriedade de publicação em imprensa oficial. E, caso seja possível pela condição econômica da sociedade, esta também deverá ser feita em jornais ou revistas de circulação regional ou nacional.
No caso recorrido, o pedido de recuperação judicial da empresa foi deferido, tendo sido determinada a publicação da relação de credores em órgão oficial. Posteriormente, diferente do que determina o art. 191 da Lei 11.101/05, o administrador judicial fez publicar em jornal local um segundo edital contendo a relação nominal dos credores.
Diante disso, o recorrente requereu então a nulidade da publicação do último edital, com fundamento na violação do art. 191, e, ainda, impugnou o crédito listado em favor dele, indicando uma diferença a menor de aproximadamente R$ 32.000,00. O pedido foi negado na origem, mantido em segunda instância, e mais uma vez confirmado na Corte superior.
Não obstante a obrigatoriedade da publicação na imprensa oficial citada pela ministra, ela explicou que, para declaração da nulidade, seria imprescindível a demonstração de prejuízo concreto do credor, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas e da celeridade processual, negando provimento ao recurso do credor. Em suas palavras:
“não há razão jurídica apta a ensejar a declaração de nulidade do edital impugnado, sendo certo que, dadas as especificidades do caso, entendimento em sentido contrário teria como efeito prático, tão somente, causar retrocesso, temporal e econômico, à caminhada processual”.
Assim, ao mesmo em tempo que reconheceu a obrigatoriedade da publicação do edital de credores na imprensa oficial, a ministra Nancy Andrighi entendeu que a sua não publicação não geraria, automaticamente, nulidade. Sendo necessária, para tanto, a demonstração de efetivo prejuízo sofrido pelo credor.
A segunda decisão (3), também relativa à recuperação judicial, teve como pano de fundo a valorização do princípio da autonomia das partes nas relações privadas.
Em sede de Recurso Especial, a Terceira Turma do STJ entendeu que os acordos firmados entre sociedades em recuperação judicial e credores não estão sujeitas à intervenção do poder judiciário, a não ser que colidam com ditames legais. Isso porque estes possuem natureza contratual, prevalecendo, assim, a autonomia das partes.
No caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia decretado a nulidade da deliberação dos credores em Assembleia – que aprovou o plano de recuperação das recorrentes – por considerar excessiva a previsão de 70% de deságio e 20 anos para o pagamento de algumas das dívidas.
Ao ser levada a julgamento pela Corte Superior, a decisão de segunda instância, que havia transformado a recuperação judicial em falência, foi revertida, sendo declarada a validade da deliberação da assembleia.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a concessão de prazos e descontos para pagamento dos créditos é um dos meios de recuperação judicial, com previsão expressa no art. 50 da Lei 11.101/05, razão pela qual não haveria nenhuma nulidade.
Ademais, ressaltou que não competiria ao judiciário avaliar as condições financeiras do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores em assembleia geral, vez que as partes são dotadas de autonomia e tiveram oportunidade de avaliar até qual ponto estavam dispostas a abrir mão de seus direitos.
Por fim, destacou a importância da recuperação das sociedades recorrentes para a economia local, valorizando então a função social do processo de recuperação judicial.
Sem dúvidas, ambas as decisões valorizaram sobremaneira princípios gerais e importantes do Direito, traçando contornos mais firmes no que tange o Direito da Insolvência.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de direito contencioso do VLF Advogados.
Karen Oliveira
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Gabrielle Aleluia
Advogada da Equipe de Contencioso Cível de VLF Advogados
(1) STJ, REsp 1758777/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 13/09/2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1750336&num_registro=201500354330&data=20180913&formato=PDF>. Acesso em: 22/10/2018.
(2) Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm>.
(3) STJ, REsp 1631762/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1724416&num_registro=201602683932&data=20180625&formato=PDF>. Acesso em: 22/10/2018.