Dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou lícita a terceirização de quaisquer atividades: aplicação da tese pelos Tribunais Trabalhistas
Isabela de Carvalho Teixeira
Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) n. 324 e do Recurso Extraordinário (“RE”) 958252 (1), o Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada no dia 30 de agosto de 2018, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo. Na ocasião, foi firmada a seguinte tese de repercussão geral:
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Foi declarada, também, a inconstitucionalidade dos incisos I, III, IV e VI da Súmula 331 do TST, que preceituavam que a terceirização de atividade-fim caracterizaria fraude, ensejando o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
A decisão foi proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade e no julgamento de recurso extraordinário em repercussão geral, possuindo, portanto, efeitos “erga omnes”, vinculando os juízes de 1ª instância e tribunais.
Vale ressaltar que o STF assegurou o respeito às decisões já transitadas em julgado, sendo que, nesses casos, as partes interessadas deverão ajuizar ações rescisórias, para tentar desconstituir as sentenças que, com fulcro na Súmula 331/TST, reconheceram suposta ilicitude da terceirização.
Diante da declaração de inconstitucionalidade parcial da Súmula 331 do TST, há muito aplicada, sem quaisquer ressalvas, pelos Tribunais Trabalhistas, poder-se-ia imaginar alguma resistência de tais órgãos na observância do entendimento do STF.
Todavia, tem-se verificado que os Tribunais Trabalhistas vêm, como não poderia deixar de ser, aplicando tal tese de repercussão geral, até mesmo por meio de juízo de retratação, reconhecendo a hierarquia e competência do STF para apreciar a matéria. O efeito é positivo, pois se evita, ainda que contrariamente à jurisprudência consolidada dos TRTs e TST, a inócua remessa ao Supremo de discussão já superada.
A título de exemplo, cita-se a recentíssima decisão obtida pela equipe trabalhista do VLF que, por meio de Embargos de Declaração opostos contra acordão proferido pelo TRT da 3ª Região em Ação Anulatória, conseguiu anular 10 Autos de infração. Todos os autos tinham a mesma fundamentação: o reconhecimento de vínculo empregatício com os empregados de uma empresa prestadora de serviços por terceirização de atividade-fim da tomadora, o que, segundo o STF, ao contrário do anteriormente entendido pelo TRT/MG, é perfeitamente lícito.
Neste sentido, o i. Juiz Convocado Helder Vasconcelos Guimarães, em juízo de retratação, deu provimento aos Embargos de Declaração opostos, para, diante do recente entendimento do STF, reconhecer a licitude da terceirização e, consequentemente, excluir as multas aplicadas pelo MTE contestadas na Ação Anulatória. Vejamos a fundamentação da referida decisão, publicada em 09.10.2018, nos autos do proc. 0011874-72.2016.5.03.0014:
(...)O STF, no dia 30.8.18, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958252, tendo aprovado a seguinte tese de repercussão geral:
É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Verifica-se que a multa aplicada no auto de infração nº 203335767 que deu origem aos demais autos decorreu do reconhecimento pela fiscalização do MTE da ilicitude da terceirização, com a existência de vínculo de emprego entre empregados da TETRA TECH e a ANGLO ao fundamento de que esta "deveria ter realizado a formalização direta do registro desses seus empregados" e que "assim não agindo, descumpriu a norma disposta no artigo 41, caput, da CLT".
Assim, considerando que a referida decisão do STF vincula os demais órgão do Poder Judiciário, impõe-se a exclusão das multas aplicadas pelo MTE à autora, tornando sem efeito os autos de infração.
Invertido o ônus da sucumbência, deve a União pagar os honorários advocatícios aos advogados da autora, que fixo em 10% sobre o valor arbitrado à causa, em conformidade com a Súmula 219 do TST. (...)
Veja-se, ainda, que o Tribunal Superior do Trabalho também já vem aplicando tal novo entendimento nos casos que versam sobre ilicitude da terceirização com fulcro em labor em atividade-fim da tomadora, conforme se verifica nas seguintes ementas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TERCERIZAÇAO ILÍCITA. ATIVIDADE PRECÍPUA. VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIA. PROVIMENTO. Ante possível contrariedade ao item I da Súmula nº 331, o processamento do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. TERCERIZAÇAO ILÍCITA. ATIVIDADE PRECÍPUA. VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIA. PROVIMENTO. A aferição da licitude da terceirização no âmbito desta Corte Superior demandava prévia análise do objeto da contratação. Isso porque sempre se entendeu pela impossibilidade da terceirização de serviços ligados à atividade precípua da tomadora de serviços, com o fim de evitar a arregimentação de empregados por meio da intermediação de mão de obra e, por consequência, a precarização de direitos trabalhistas (Súmula nº 331, itens I e III). A questão, contudo, foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 e no RE 958.252, em repercussão geral, os quais foram julgados conjuntamente em 30.8.2018, ocasião em que foi fixada a seguinte tese jurídica: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante." Desse modo, a partir dessa data, em razão da natureza vinculante das decisões proferidas pelo excelso Supremo Tribunal Federal nos aludidos feitos, deve ser reconhecida a licitude das terceirizações em qualquer atividade empresarial, de modo que a empresa tomadora apenas poderá ser responsabilizada subsidiariamente. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença em que foi reconhecido o vínculo de emprego com a tomadora de serviços. Reconheceu que a terceirização seria ilícita em razão de o tomador de serviços ter terceirizado "atividade essencial à própria subsistência da empresa: atividades necessárias ou úteis à execução dos serviços do setor bancário". Entendeu que a prestação de serviços ligados à atividade precípua da tomadora de serviços pressupõe a existência dos elementos subordinação e pessoalidade. Desse modo, ao assim decidir, a Corte Regional contrariou o entendimento consubstanciado no item I da Súmula nº 331. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR - 841-82.2015.5.06.0161, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 26/09/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2018) g.n. (3)
RECURSOS DE REVISTA DOS RECLAMADOS SERVIÇO DE CALL CENTER. BANCO. TERCEIRIZAÇÃO. LICITUDE. PROVIMENTO. A aferição da licitude da terceirização no âmbito desta Corte Superior demandava prévia análise do objeto da contratação. Isso porque sempre se entendeu pela impossibilidade da terceirização de serviços ligados à atividade precípua da tomadora de serviços, com o fim de evitar a arregimentação de empregados por meio da intermediação de mão de obra e, por consequência, a precarização de direitos trabalhistas (Súmula nº 331, itens I e III). A questão, contudo, foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 e no RE 958.252, em repercussão geral, os quais foram julgados conjuntamente em 30.8.2018, ocasião em que foi fixada a seguinte tese jurídica: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante." Desse modo, a partir dessa data, em razão da natureza vinculante das decisões proferidas pelo excelso Supremo Tribunal Federal nos aludidos feitos, deve ser reconhecida a licitude das terceirizações em qualquer atividade empresarial, de modo que a empresa tomadora apenas poderá ser responsabilizada subsidiariamente. No presente caso, o Tribunal Regional julgou ilícita a terceirização por entender que a reclamante desenvolvia atividades que se inseriam no objeto dos tomadores dos serviços, tais como a formalização de contratos de crédito consignado e cartões de crédito, e reconheceu o vínculo de emprego entre a reclamante e o quarto reclamado, a partir de 13/03/14. Recursos de revista conhecidos e providos. (RR - 392-64.2015.5.03.0014, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 19/09/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2018) g.n. (4)
Dessa forma, pode-se observar ser questão de tempo a completa uniformização da jurisprudência trabalhista atinente à terceirização de atividade-fim, estando a mesma, agora, limitada ao entendimento cogente já proferido pelo STF sobre a matéria, gerando, assim, maior segurança jurídica às empresas na terceirização de suas atividades.
Importante ressaltar, todavia, que, muito embora a terceirização, agora, esteja devidamente regulamentada e amplamente permitida, tanto com fulcro no entendimento do STF, quanto com base na legislação atinente à matéria (Lei 13.429/2017), não resta completamente afastada a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego dos prestadores de serviços diretamente com os tomadores. Tal situação ocorre caso haja, no caso concreto, a comprovação judicial dos requisitos caracterizadores da relação empregatícia, insertos nos artigos 2º e 3º da CLT (5).
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Isabela de Carvalho Teixeira
Advogada do contencioso trabalhista do VLF Advogados
Referências:
(1) DIsponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4304602&numeroProcesso=713211&classeProcesso=ARE&numeroTema=725>. Acesso em 15. out. 2018.
(2) Súmula n, 331 do TST:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
(3) Decisão disponível em <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000841&digitoTst=82&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=06&varaTst=0161&submit=Consultar> Acesso em 15 out. 2018.
(4) Decisão disponível em <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000392&digitoTst=64&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0014&submit=Consultar> Acesso em 15 out. 2018.
(5) Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
(...)
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.