STJ julga inaplicável o CDC em disputa envolvendo o fechamento de conta corrente de comercializadora de bitcoins
Pedro Guimarães e Elisa Pellegrino
Em recente decisão (1), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, manteve entendimento da 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) (2), favorável ao encerramento da conta corrente mantida pelo Itaú em titularidade de uma sociedade comercializadora de bitcoins.
Na origem, a comercializadora de bitcoins, devido ao recebimento de notificação enviada pela instituição financeira – que comunicava o encerramento de sua conta bancária em 30 dias – ajuizou ação de obrigação de fazer, tendo por propósito obstar que o banco demandado encerrasse o contrato de conta corrente estabelecido entre as partes.
O banco, por sua vez, rebateu a pretensão autoral e baseou sua defesa, dentre outros argumentos, na demonstração de que a conta corrente mantida pela empresa de bitcoins era utilizada como insumo no desenvolvimento da atividade empresarial, razão pela qual seria equivocada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”).
Afirmou também, ter agido em consonância com as determinações do Banco Central, notificando o autor quanto ao encerramento da conta bancária, de modo que não praticou nenhum ato ilícito.
Na ação em comento, a empresa de bitcoins, sustentando a violação aos artigos 6º, IV (3), e 39, II e IX (4), do CDC e 187 do Código Civil (5), defendeu que
"considerando a importância que uma conta corrente representa para a vida de uma empresa, seu encerramento unilateral e sem justificativa agride não só a probidade e a boa-fé, como também a própria política nacional de relações de consumo, a qual, segundo o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.
Em primeira e segunda instância, os juízes, por entenderem inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, reconheceram a inexistência de prática de ato ilícito por parte da instituição financeira demandada, razão pela qual julgaram o pedido improcedente.
No mesmo sentido, ao enfrentar a matéria, o ministro Marco Aurélio Bellizze entendeu que, além de ser inaplicável à hipótese a legislação consumerista, porquanto a recorrente não se subsumiu na qualidade de consumidor (6), inexistiu qualquer inadequação entre a disposição regulamentar do Banco Central do Brasil (7), com o art. 39, IX, do CDC.
Os ministros Ricardo Cuêva, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino acompanharam o relator, negando provimento ao recurso interposto. Contudo, o entendimento não foi uníssono.
A ministra Andrighi sopesou o fato de que além do Itaú Unibanco, os bancos Santander e Banco do Brasil fecharam contas da empresa. Em suas palavras, “a atuação conjunta de outros bancos, também trazida da tribuna, apenas ressalva ainda mais o caráter essencial de sua utilização”.
De acordo com a ministra, o contrato de conta corrente é uma infraestrutura essencial para a existência econômica da empresa, sendo impossível a resilição contratual, neste caso.
Deste modo, relevante foi o posicionamento do STJ, acerca da legitimidade, sob o aspecto institucional, da recusa da instituição financeira recorrida em manter o contrato de conta corrente, utilizado como insumo, no desenvolvimento da atividade empresarial.
Cabe ressaltar, por fim, que a decisão é pioneira, sendo um possível paradigma não somente para as ações que têm como tema questões bancárias, mas para demandas que versem sobre a contratação do serviço de outra empresa para fomentar o exercício de sua própria atividade empresarial.
Pedro Guimarães
Estagiário da equipe de direito consumerista do VLF Advogados
Elisa Pellegrino
Coordenadora da equipe de direito consumerista do VLF Advogados
REFERÊNCIAS
(1) STJ, REsp 1.696.214/SP - Data do julgamento: 09/10/2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1735391&num_registro=201702244334&data=20181016&formato=PDF> Acesso em 18/10/2018.
(2) TJ-SP, Processo 1066603-10.2015.8.26.0100. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/abrirPastaProcessoDigital.do?origemDocumento=P&nuProcesso=1066603-10.2015.8.26.0100&cdProcesso=RI003KMLN0000&cdForo=990&tpOrigem=2&flOrigem=S&nmAlias=SG5TJ&cdServico=190201&ticket=b3faX7U96HU3j3SBE06eBTbDmGLf%2FMwTyeWqRiDkbRiCy4IUZbNOKN4F0xYudKlvHC5%2Bn5RI0G70iwJ691w2TpElur%2Bk8m8uHYKEq9vnBjyvkQg%2Fd2Uzp%2BGny%2BKR%2BYOwYdiFAZdgnhdV3sWpU2yzuHeRvhBITONEPT7TfAKhOGyFBRCzX4se4Zw1aZ42i3HfVRn4xlwY%2F19teMW4Us2%2BKyekLcouu6H0Eb6UGiiAqvoTUCidmx7FWIrDXfabgSlx> Acesso em 17/10/2018.
(3) Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 17/10/2018
(4) Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
(...)
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 17/10/2018
(5) Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 17/10/2018.
(6) O ministro ressaltou ser indiscutível a aplicação da lei consumerista às relações jurídicas estabelecidas entre instituições financeiras e seus clientes, que adquirem o serviço bancário na condição de consumidor final, mas que tal situação não foi verificada na hipótese em comento.
(7) A dicção do art. 12 da Resolução BACEN/CMN n. 2.025/1993, com a redação conferida pela Resolução BACEN/CMN n. 2.747/2000, é, in verbis:
Art. 12. Cabe à instituição financeira esclarecer ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta as seguintes disposições mínimas:
I - comunicação prévia, por escrito, da intenção de rescindir o contrato;
II - prazo para adoção das providências relacionadas à rescisão do contrato;
III - devolução, à instituição financeira, das folhas de cheque em poder do correntista, ou de apresentação de declaração, por esse último, de que as inutilizou;
IV - manutenção de fundos suficientes, por parte do correntista, para o pagamento de compromissos assumidos com a instituição financeira ou decorrentes de disposições legais;
V - expedição de aviso da instituição financeira ao correntista, admitida a utilização de meio eletrônico, com a data do efetivo encerramento da conta de depósitos à vista.
Parágrafo 1º A instituição financeira deve manter registro da ocorrência relativa ao encerramento da conta de depósitos à vista.
Parágrafo 2º O pedido de encerramento de conta de depósitos deve ser acatado mesmo na hipótese de existência de cheques sustados, revogados ou cancelados por qualquer causa, os quais, se apresentados dentro do prazo de prescrição, deverão ser devolvidos pelos respectivos motivos, mesmo após o encerramento da conta, não eximindo o emitente de suas obrigações legais.
Parágrafo único. Fica estabelecido prazo, até 28 de setembro de 2000, para adequação dos procedimentos relacionados à abertura, manutenção e encerramento de contas de depósitos, em decorrência do disposto neste artigo.