A possibilidade de alegar a convenção de arbitragem por simples petição
Marina Leal e Lucas Sávio Oliveira
As partes de um contrato, quando escolhem a arbitragem como forma de resolução de litígios, abrem mão da jurisdição estatal. Ou seja, a não ser que ambas mudem de ideia, necessariamente terão de submeter à arbitragem eventuais controvérsias decorrentes do instrumento que possui a cláusula arbitral.
Contudo, pode haver casos em que uma parte, desrespeitando a cláusula compromissória, ajuíze uma demanda perante o juízo estatal. Pela dinâmica do Código de Processo Civil (“CPC”), a outra parte, caso queira fazer prevalecer a escolha pela arbitragem, poderia alegar, como preliminar de contestação, a cláusula arbitral.
Há, no entanto, um inconveniente nesta previsão. Ao ter que alegar em contestação que compete ao juízo arbitral discutir a controvérsia, e não o estatal, a parte inevitavelmente terá que contestar os argumentos de mérito apresentados pela outra parte. Em outras palavras, terá que apresentar sua própria versão dos fatos e seu entendimento sobre o direito de cada uma das partes. Isso porque, de acordo com o art. 341 do CPC, caso não o faça, presumir-se-ão verdadeiros todos os fatos não impugnados, caso a exceção de arbitragem não seja acolhida.
Assim, para tentar contornar esse embaraço, foi pensada a figura da “exceção de arbitragem”, que permitiria à parte alegar a existência da convenção de arbitragem por meio de uma simples petição, não precisando apresentar sua contestação nos autos do processo. Trata-se de hipótese similar à exceção de pré-executividade, em que algumas matérias podem ser alegadas independentemente da apresentação de embargos à execução (2).
Aqueles que defendem a possibilidade dessa figura afirmam que isso poderia ser feito por meio de um negócio jurídico processual, novidade trazida pelo atual CPC. O regramento processual vigente permite às partes que estipulem mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, definindo seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo (3). Seguindo esse raciocínio, as partes poderiam, por exemplo, estipular no contrato que a alegação da existência de cláusula arbitral poderia ser feita por meio de petição de exceção de arbitragem.
A principal vantagem desta solução está, justamente, no fato de que a parte que apresenta a exceção de arbitragem não precisa apresentar seus argumentos no processo judicial, seja por questões de confidencialidade ou mesmo por estratégia processual.
Ressalta-se, ainda, que essa possibilidade já foi matéria do Fórum Permanente de Processualistas Civis, em que foi aprovado o Enunciado 580 (4):
É admissível o negócio processual estabelecendo que a alegação de existência de convenção de arbitragem será feita por simples petição, com a interrupção ou suspensão do prazo para contestação.
Ademais, também é relevante notar que o instituto da exceção de arbitragem foi incluído no projeto de lei que originou o atual CPC por meio das alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados em 2010 (5). Entretanto, as disposições a ele atinentes foram descartadas no fim da tramitação do projeto, para crítica de alguns (6).
A validade e eficácia da previsão de exceção de arbitragem serão confirmadas com o tempo, a depender de como se firmar a jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça. Por enquanto, é um tema controvertido e que exige atenção daqueles que optam pela arbitragem.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de arbitragem do VLF Advogados.
Marina Leal
Advogada da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da Equipe de Arbitragem do VLF Advogados
(1) Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
(...)
X - convenção de arbitragem;
(2) Art. 803. É nula a execução se:
I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;
II - o executado não for regularmente citado;
III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.
Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.
(3) Art. 190, CPC/15.
(4) Disponível em: <https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf>. Acesso em: 20/11/2018.
(5) “Da Alegação de Convenção de Arbitragem”, arts. 345 a 349 do Substitutivo da Câmara dos Deputados (nº 8.046, de 2010, na Câmara dos Deputados). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/mudancas-cpc-integral.pdf>. Acesso em: 26/11/2018.
(6) “A redação do texto legal previa a manutenção da possibilidade de oferecimento de exceção de arbitragem, o que permitiria ao juiz extinguir o processo indevidamente ajuizado no seu nascedouro. A redação final infelizmente inseriu a defesa baseada na existência da convenção de arbitragem dentre os temas próprios da contestação.” FICHTNER, José Antônio. Alegação de convenção de arbitragem no novo CPC. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI226957,51045-Alegacao+de+convencao+de+arbitragem+no+novo+CPC>.
Acesso em: 20/11/2018.