Imposição de cláusula de impenhorabilidade ou incomunicabilidade não importa a proibição de alienar o bem gravado
Stefânia Bonin
Em recente julgado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por unanimidade, reverteu a decisão da instância anterior para reconhecer que a existência de cláusula de impenhorabilidade ou de incomunicabilidade em doação de imóvel não implica automaticamente que o bem não possa ser alienado (1).
No caso, a beneficiária de doação de imóvel, após a morte da doadora, requereu o cancelamento dos gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade instituídos sobre o imóvel para que fosse possível registrar a sua transferência a terceiro, alegando a inexistência de cláusula de inalienabilidade.
O acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido da postulante sob o fundamento de que, “segundo as regras instituídas originalmente pelo artigo 1.676 do CC/1926, e mantidas em sua essência no novo Código Civil (art. 1.911), as cláusulas restritivas de propriedade não se extinguem com a morte do doador, com exceção do usufruto vitalício, cuja vigência está adstrita ao período de vida do beneficiário doador.”
A controvérsia era, então, definir a interpretação adequada das cláusulas restritivas estabelecidas no art. 1.911do Código Civil de 2002, que assim dispõe:
Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.
Ao interpretar o caput do art. 1.911 do CC/02, o STJ entendeu que a imposição de cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade não importa a de inalienabilidade do bem gravado.
Em seu voto, o Ministro Relator, Marco Buzzi entendeu que há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador.
Ademais, explicou que, uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, automaticamente, a proibição de penhorar ou comunicar. No entanto, a lei civil não estabeleceu que a impenhorabilidade ou a incomunicabilidade, gravadas de forma autônoma, importariam na inalienabilidade.
Segundo ele, a cláusula de inalienabilidade possui maior amplitude que as demais, razão pela qual as engloba, porém o inverso não se justifica.
Nesse sentido, vale destacar os ensinamentos de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2) a respeito de tal dispositivo legal, que foram indicados no voto do Ministro Relator:
O art. 1.911 do Código Civil estabelece que a cláusula de inalienabilidade gravada sobre bens que compõem a herança implica, automaticamente, nas cláusulas de 'impenhorabilidade e incomunicabilidade'. Ou seja, basta gravar o patrimônio transmitido com a cláusula de inalienabilidade para que as demais decorram de pleno direito. A recíproca, entretanto, não é verdadeira. Por isso, as cláusulas de impenhorabilidade e de incomunicabilidade podem ser impostas isoladamente, produzindo efeitos únicos. A cláusula de inalienabilidade, porém, se apresenta mais larga e profunda, trazendo consigo, a reboque, as demais.
Assim, o STJ firmou seu entendimento pela possibilidade de alienação do imóvel onerado somente com os gravames de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade, sem necessidade de sub-rogação das cláusulas em outro bem.
Stefânia Bonin
Advogada da Equipe do Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados
(1) STJ, REsp 1155547/MG, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 23/10/2018, DJe 09/11/2018. Disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=88777320&num_registro=200901718817&data=20181109&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 16/11/2018.
(2) FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Sucessões. Vol. 7. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, p. 464