STJ entende que atraso na entrega não gera multa para fornecedor
Samilly Motta
Com as festas de final de ano, as vendas – em lojas físicas ou virtuais – aumentam. Assim, é importante que se saiba quais as consequências de atrasos na entrega de produtos. O tema foi decidido este ano pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) que, inclusive, deu destaque ao julgado, incluindo-o no Informativo de Jurisprudência nº. 0628, publicado em 3 de agosto de 2018 (1).
No caso, o Ministério Público do Estado de São Paulo (“MP-SP”), moveu ação civil pública em face de grande empresa do ramo varejista – com relevante atuação comercial na internet – pleiteando a inclusão de cláusula penal em desfavor da fornecedora quando esta incorresse em atraso na entrega de produtos ou na restituição devida ao consumidor arrependido.
Era alegado, em síntese, que a compra efetuada por meio de cartão de crédito configurava um tipo de financiamento do produto adquirido e que, caso restasse inadimplente, o consumidor seria penalizado com a cobrança de encargos bancários. A fornecedora, em contrapartida, não possuiria nenhum tipo de penalidade pela mora das obrigações por ela assumidas.
Por sua vez, a ré sustentou, principalmente, que a sua obrigação de entregar o produto na forma e tempo contratados, quando o pagamento foi realizado por meio de cartão de crédito, só se concretizava com a autorização da instituição financeira administradora. Assim, uma vez utilizado o cartão de crédito, a empresa que o administra torna-se responsável pelo repasse das quantias à fornecedora ré e assume todos os riscos de inadimplemento.
Em outras palavras, mesmo que o comprador não pague a fatura, as instituições financeiras estão contratualmente obrigadas a efetuar os repasses à fornecedora, impossibilitando a mora do consumidor e, portanto, a sua penalização nos contratos de compra e venda oferecidos em seu sítio virtual.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) julgou procedente a demanda e impôs à ré a obrigação de incluir em seus contratos de adesão a previsão de cláusula penal, genérica e abstrata, para pagamento de multa em decorrência de eventuais atrasos na entrega de mercadoria vendida através da rede mundial de computadores e na devolução de quantia paga pelo comprador na hipótese de arrependimento prevista no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”).
No entanto, ao julgar o recurso especial interposto pela fornecedora, STJ acolheu seus fundamentos, afastando totalmente as pretensões do MP-SP (2).
Em seu voto vencedor, a Ministra Maria Isabel Gallotti destacou que a multa moratória na qual o MP-SP baseou sua pretensão era estipulada apenas no contrato de concessão de crédito cujas partes eram o consumidor e a instituição financeira operadora do cartão de crédito, sendo esta empresa única beneficiada por sua eventual cobrança. Além disso, salientou que as instituições financeiras e a ré são empresas distintas e que os contratos bancários possuem regras próprias, especialmente no tocante à política de cobrança de juros, e que estes não guardam nenhuma relação com as vendas realizadas pela empresa varejista.
A Ministra entendeu, ainda, que, com base nas referidas premissas, o fato de a operadora de cartões realizar a cobrança de multa ao consumidor por eventual atraso no adimplemento das faturas só poderá ser considerado para efeito de equilíbrio contratual no âmbito do próprio contrato financeiro.
Restou determinado, portanto, que, como a empresa varejista não pode estipular cláusula penal em desfavor do consumidor, a ausência de previsão contratual para pagamento de multa pela fornecedora nos casos de atraso na entrega de mercadoria e de restituição do preço não ofende o princípio do equilíbrio contratual. E, não havendo desequilíbrio contratual previsto no art. 4º, III, do CDC, não há que se falar em intervenção do Poder Judiciário nos negócios celebrados entre particulares.
A decisão é uma vitória para as empresas que possuem loja virtual, especialmente aquelas cujas vendas realizadas por meio da internet representam grande parte ou a totalidade do seu faturamento, pois, embora a decisão não seja unânime, foi, como ressaltado, publicada em informe de jurisprudência do STJ, indicando assim que poderá entender de forma semelhante em casos análogos.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de direito consumerista do VLF Advogados.
Samilly Motta
Advogada da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Direito-do-consumidor-em-compras-pela-internet-%C3%A9-tema-do-Informativo-de-Jurisprud%C3%AAncia>.
Acesso em: 19/12/2018.
(2) <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1607640&num_registro=201301044217&data=20180607&formato=PDF>. Acesso em: 19/12/2018.