Novas disposições sobre aquisição, arrendamento e regularização de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil
Marcus Drumond e Clara Carvalho
A possibilidade de aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil é um debate recorrente. Para além dos aspectos jurídicos da discussão, o assunto ganha ainda maior sensibilidade por sofrer inegável influência de tendências políticas. Nos últimos tempos, os posicionamentos adotados sobre política externa e econômica, assim como proteção à soberania nacional, influenciaram a forma com que a legislação pertinente era interpretada. Tanto é assim que, entre 1994 e 2010, a Advocacia Geral da União (“AGU”) proferiu três pareceres sobre o tema com posicionamentos divergentes.
Em meio ao regime militar, a Lei n. 5.709/71, regulada pelo Decreto n. 74.965/74, impunha uma série de restrições aos estrangeiros interessados em adquirir ou arrendar imóveis rurais no país. Entre os seus dispositivos, destaca-se o artigo 1º que, em seu §1º, determinava que essas restrições se aplicavam não somente às pessoas físicas estrangeiras, mas também às pessoas jurídicas brasileiras cujo capital social, no entanto, era detido majoritariamente por estrangeiros – as quais foram posteriormente chamadas pela AGU de “pessoas jurídicas estrangeiras equiparadas”.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”), passou-se a questionar a recepção do dispositivo acima mencionado pela normativa constitucional, em razão do contraste dessa norma com o conceito de “empresa brasileira de capital nacional” contido no artigo 171 da CF/88.
Nesse contexto, em 1994, a AGU emitiu parecer no sentido de que o §1º do artigo 1º da Lei n. 5.709/71 não deveria ser recepcionado pela CF/88. Ou seja, as restrições à aquisição ou arrendamento de imóveis rurais não deveriam se aplicar às pessoas jurídicas brasileiras cujo capital era detido majoritariamente por estrangeiros, mas apenas às pessoas físicas estrangeiras residentes no Brasil e às pessoas jurídicas estrangeiras. Um ano depois, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 6/95, o artigo 171 da CF/88 foi revogado. Esse fato, contudo, não alterou o entendimento proferido pela AGU em 1994, que emitiu novo parecer em 1998 naquele mesmo sentido.
Acontece que, em 2010, essa situação mudou. Naquele ano, a AGU, em novo parecer, posicionou-se a favor da recepção do artigo 1º da Lei n. 5.709/71 pela CF/88. Com esse novo entendimento, as restrições da Lei n. 5.709/71 voltaram a ser aplicadas às pessoas jurídicas estrangeiras equiparadas.
Diante desse cenário, começaram a surgir várias dúvidas sobre o tema, apresentadas especialmente perante os cartórios de registro de imóveis e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (“INCRA”).
Talvez esse seja a razão para o INCRA ter publicado, em 2017, a Instrução Normativa n. 88/2017 (“IN 88/17”) que, além de estabelecer novas regras atinentes à aquisição, arrendamento e regularização de imóveis rurais adquiridos por pessoas físicas estrangeiras em desacordo com a Lei n. 5.709/71, instituiu o Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro (“Manual”).
Para a IN 88/17, a regularização de imóveis rurais era permitida em duas hipóteses: (i) quando o estrangeiro fosse casado com brasileiro e tivesse filhos residentes no Brasil; e (ii) quando, mediante autuação de processo e prévio requerimento, o INCRA analisasse e autorizasse o pedido (1).
Mais recentemente, o INCRA publicou a Resolução n. 51/18 (“Resolução”), alterando o artigo 28 da IN 88/17 e o Item 8.1 do Manual, que dispõem sobre regras e procedimentos para a referida regularização.
Agora, no caso da primeira hipótese, além da necessidade que o estrangeiro seja casado com brasileiro e tenha filhos brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil, é expressamente necessário que a propriedade rural, concomitantemente: (i) não ultrapasse o limite de 50 Módulos de Exploração Indefinida (“MEI”); (ii) não ultrapasse o limite de 25% da área total do município em mãos de estrangeiros; (iii) não ultrapasse o limite de 10% da área total do município em mãos de estrangeiros de mesma nacionalidade; e (iv) não se localize em faixa de fronteira ou de proteção à segurança nacional (2).
A segunda hipótese, por sua vez, foi excluída da IN 88/17. Se por um lado isso implica, na prática, em maior taxatividade quanto às possibilidades de regularização por pessoa física estrangeira, por outro a Resolução incluiu duas novas hipóteses ao rol original (3). São elas: (i) nos casos em que o estrangeiro transferir o domínio do imóvel rural para brasileiro e (ii) naqueles em que o imóvel tiver sido adquirido em data anterior a 7 de outubro de 1972.
No que diz respeito ao item 8.1 do Manual, agora, com relação às pessoas físicas estrangeiras, a regularização pode ser realizada quando o estrangeiro: (i) falecer, se casado com brasileiro e com herdeiros residentes no Brasil; (ii) transferir a propriedade a adquirente brasileiro de boa-fé; e (iii) adquirir a nacionalidade brasileira por meio de naturalização (4).
Quanto às pessoas jurídicas estrangeiras e as que a elas se equiparam, a regularização abrange duas situações. A primeira delas, na mesma linha das pessoas físicas estrangeiras, trata dos casos em que há transferência do imóvel a adquirente brasileiro de boa-fé. A segunda, dos imóveis cuja escritura pública é lavrada ou cujo registro é feito no nome do estrangeiro, desde que comprovada tal situação (5).
Como se pode notar, os temas envolvendo a aquisição, arrendamento e regularização de imóveis rurais por estrangeiros são complexos e passíveis de dúvidas que ainda carecem de respostas satisfatórias. De todo modo, considerando tantas restrições impostas pela legislação, é indiscutível que as alterações promovidas pela Resolução propiciaram certa flexibilidade, ainda que para viabilizar mais hipóteses de regularização das operações já concretizadas.
Clique aqui para acessar a íntegra da Resolução nº 51/18 do INCRA e, aqui, para acessar o Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro.
Para mais informações ou esclarecimentos, entre em contato com a equipe de consultoria do VLF Advogados.
Marcus Drumond
Trainee da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Clara Carvalho
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Art. 28 As aquisições ou os arrendamentos de imóvel rural por pessoa estrangeira, realizados em descompasso com a Lei n. 5.709, de 07 de outubro de 1971, até a data da publicação desta Instrução Normativa poderão ser regularizados nas seguintes hipóteses: I - quando o(a) estrangeiro(a) for casado(a) com brasileira(o) e que tenha filhos brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil; II - após análise, com base nos parâmetros deste diploma normativo constatando a plausibilidade e juridicidade do pedido, em havendo requerimento junto ao INCRA e autuação de processo.
(2) Art. 28. As aquisições ou os arrendamentos de imóveis rurais por pessoa natural estrangeira, realizadas em descompasso com a Lei n. 5.709, de 7 de outubro de 1971, até a data da publicação desta Instrução Normativa poderão ser regularizados no Sistema de Nacional de Cadastro Rural - SNCR nas seguintes hipóteses: I - quando o(a) estrangeiro(a) for casado(a) com brasileira(o) e que tenha filhos brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil, na condição de indeterminada ou no caso de naturalização após a aquisição desde que: a) Não ultrapasse o limite de 50 MEI, em área contínua ou descontínua; b) Não ultrapasse o limite de 25% (vinte e cinco por cento) da área total do município em mãos de estrangeiros; c) Não ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) da área total do município por estrangeiro da mesma nacionalidade; e d) Não se localize em faixa de fronteira e nem em área considerada indispensável à segurança nacional.
(3) Art. 28 (...): II - o(a) estrangeiro(a) transfere o domínio do imóvel rural para brasileiro. III - o(a) estrangeiro(a) tenha adquirido o imóvel rural em data anterior a 7 de outubro de 1972.
(4) Nos casos em que o imóvel adquirido ou arrendado descumprir os limites de MEI, porcentagem do município e localização em áreas específicas, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado deve manifestar-se em prol ou contra o cabimento do registro.
(5) II. PESSOA JURÍDICA: a) O estrangeiro, pessoa jurídica estrangeira ou a ela equiparada, com imóvel rural registrado em seu nome, cuja aquisição violou as prescrições legais, e, transferido posteriormente para adquirente brasileiro de boa-fé, desde que seja comprovado a situação; e b) A pessoa jurídica estrangeira ou brasileira a ela equiparada que adquiriu imóvel rural violando as prescrições legais, com a lavratura da escritura pública ou registrado em seu nome, desde que seja comprovado a situação, nos termos da Instrução Normativa Conjunta MDA/MAPA/MDIC/MTur/INCRA nº 1 de 2012 e Portaria Interministerial nº 4, de 26 de fevereiro de 2014.