Receita Federal mantém posição restritiva sobre a tributação no lucro presumido de serviços médicos
Érika Villar e Rafhael Frattari
A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta n. 99.001/2019 (1), reafirmou seu entendimento já exarado nas Soluções de Consulta n. 245/2014 e n. 36/2016: “a base de cálculo presumida do IRPJ incidente na prestação de serviço de procedimentos cirúrgicos, com utilização de ambiente de terceiro, corresponde a 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta auferida mensalmente.”.
Pela resposta, sociedades empresárias de médicos que prestam serviços de cirurgia, dentre eles o serviço de anestesiologia, não podem utilizar a base de cálculo presumida de 8% (própria dos serviços hospitalares) caso exerçam a atividade em estabelecimento de terceiros – o que ocorre na maior parte das vezes.
A base de cálculo presumida de 8% para os serviços hospitalares está prevista no art. 15, § 1º, III, “a” da Lei n. 9.249/95 que determina a aplicação de percentuais de presunção diversos para as pessoas jurídicas que prestam serviços hospitalares, em relação às seguintes atividades:
serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.
Uma primeira análise já indica que o Fisco tem utilizado seu poder regulamentar de modo indevido, restringindo o alcance do dispositivo legal em comento.
O que se percebe pela leitura do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/95, é que o legislador nunca colocou a titularidade do estabelecimento como requisito para a utilização da base de cálculo presumida de 8%, mas tão somente que os serviços fossem de natureza hospitalar.
Ademais, a Administração extrapola de forma flagrante o seu propósito regulamentar ao condicionar o conceito de “serviços hospitalares” à estrutura física do estabelecimento prestador.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no Recurso Especial (“REsp”) n. 951.251/PR (2), entende que o conceito de serviços hospitalares deve ser interpretado de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não nas características do contribuinte que os executa.
Assim, segundo a atual posição do STJ, serviços hospitalares são aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde. Em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.
A questão foi pacificada de vez no julgamento do REsp n. 1.116.399/BA, sob o regime do art. 543-C, do CPC (Recursos Repetitivos), em 28 de outubro de 2009 (3).
O STJ firmou entendimento de que o conceito de "serviços hospitalares" previsto no art. 15, §1º, III, "a", da Lei n. 9.249/95, abrange também serviços não prestados no interior do estabelecimento hospitalar e que não impliquem em manutenção de estrutura para internação de pacientes.
Por isso, é provável que a discussão chegue ao Poder Judiciário, uma vez que há decisões judiciais favoráveis aos contribuintes. De todo modo, é importante que as sociedades que exerçam essas atividades possam desenvolvê-las de modo mais seguro, tomando medidas que tornem mais efetivo o exercício profissional.
Saiba mais sobre o assunto com a equipe tributária do VLF Advogados.
Érika Villar
Advogada da Equipe Tributária do VLF Advogados
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) Solução de Consulta n. 99.001/2019. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=98210>. Acesso em 23.01.2019.
(2) STJ, REsp 951.251/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 03/06/2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=746885&num_registro=200701102360&data=20090603&formato=PDF>. Acesso em: 24 de janeiro de 2019.
(3) STJ, REsp 1116399/BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 24/02/2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=924983&num_registro=200900064810&data=20100224&formato=PDF>. Acesso em: 24 de janeiro de 2019.