A incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física sobre a operação de incorporação de ações
Clara Carvalho, Pedro Ernesto Rocha e Henrique Coimbra
O tema da incidência tributária sobre a incorporação de ações exerce fundamental importância tanto em relação à análise da viabilidade de procedimentos societários quanto ao planejamento tributário a eles relacionado. Um ponto de destaque acerca dessas operações diz respeito à incidência ou não do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (“IRPF”), que afeta diretamente os rendimentos dos acionistas envolvidos.
Em janeiro de 2019, o debate sobre o assunto – bastante conhecido no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) e com decisões em sentidos contrários – ganhou nova página. Em acórdão exarado em 16 de janeiro de 2019, o CARF determinou a incidência do IRPF sobre a incorporação de ações, nesse caso, independentemente da existência de cláusula contratual que restrinja sua alienação.
A incorporação de ações é uma operação societária típica regida pelo art. 252 da Lei nº 6.404/76 (1) (“Lei das S.A.”), e representa situação em que uma sociedade subscreve aumento de capital em outra, por conta de seus acionistas. Essa operação acontece por meio das ações da própria sociedade subscritora, que é então incorporada.
O resultado da incorporação é a emissão de novas ações da companhia que teve seu capital aumentado em favor dos acionistas da incorporada. A sociedade incorporada não deixa de existir, mas passa a ter uma única acionista – isto é, a incorporadora. Os acionistas originais da incorporada, por sua vez, passam a ser titulares de ações da incorporadora, em razão do aumento de capital decorrente da operação.
Até 2010, o entendimento firmado pelo antigo Conselho de Contribuintes era no sentido de que não incide o IRPF sobre a operação de incorporação de ações (2). Boa parte da doutrina empresarial adota posição no mesmo sentido. Diversos autores, dentre os quais se destaca Nelson Eizirik (3), defendem que, nesse tipo de situação, ocorre uma mera sub-rogação real. Em outras palavras, essa corrente defende que as ações da incorporadora são um ativo de igual valor, que substitui o equivalente da incorporada. O novo bem teria a mesma natureza e se submeteria ao mesmo regime jurídico do anterior. Nesse sentido, não ocorreria nem ganho de capital, pois os ativos são similares, nem fato gerador do IRPF.
Em abril de 2010, contudo, a Câmara Superior do CARF posicionou-se em sentido contrário. Passou-se a interpretar a incorporação de ações como espécie de alienação de bens, tendo em vista que o acionista da sociedade incorporada, por liberalidade, estaria na verdade vendendo suas ações à incorporadora. Em troca, aceitaria as ações da própria incorporadora como forma de pagamento. Esse novo norte decisório sofreu críticas e foi objeto de debates, pois muitos não viam na incorporação essa alegada voluntariedade do ato do acionista, que, na verdade, não é necessariamente representado pela ação da diretoria da incorporada.
No Acórdão publicado em 16 de janeiro de 2019, prevaleceu a interpretação de que existe ganho de capital quando se apura diferença positiva entre o valor de mercado das ações negociadas e o valor constante da declaração de IRPF. Essa diferença entre valor de venda e valor de aquisição, no entendimento do CARF, deve ser utilizada como base de cálculo para a incidência do Imposto Sobre a Renda (4).
O caso em análise tratava da incorporação de uma sociedade de fraldas por outra, e, na situação, uma cláusula do contrato celebrado impedia, durante 5 (cinco) anos, qualquer ato relacionado à alienação, oneração ou disposição dessas ações. O argumento apresentado pelo contribuinte foi o de que, sendo impossível ao acionista sequer alienar as ações, não haveria no caso disponibilidade econômica ou jurídica pela realização de renda passível de tributação.
O Relator do caso, o conselheiro Maurício Nogueira Righetti, aduziu que a mera existência de cláusula contratual restringindo a alienação das ações recebidas não tem a eficácia de desconstituir a transferência de propriedade das ações, restando configurada a disponibilidade econômica e, por conseguinte, o acréscimo patrimonial passível de tributação pelo IRPF.
O Acórdão em questão reacendeu os questionamentos acerca das interpretações que o CARF vem dando à incidência de IRPF na incorporação de ações. Dentre os diversos argumentos favoráveis à não incidência do IRPF nessa operação, o tema julgado no acórdão em análise não foi apreciado sob sua perspectiva crucial, qual seja: se apenas a presença de acréscimo patrimonial pressupõe a existência de renda passível de tributação.
Definir se a incorporação de ações enseja ganho de capital exige a compreensão do conceito constitucional de renda e sua definição à luz do Código Tributário Nacional. Ora, a tributação da renda está condicionada à disponibilidade econômica ou jurídica, que expresse manifestação de capacidade contributiva do contribuinte.
Os laudos de avaliação em que se baseia o Fisco para exigir o imposto serve somente para estabelecer os parâmetros para substituição das ações, para fins de adimplemento da legislação societária e contábil, as quais determinam que no caso de incorporação de ações o patrimônio das empresas seja avaliado pelo mesmo critério. Entretanto, essa avaliação não caracteriza a opção pelo valor de mercado, não define o preço.
A transação ocorre entre as duas companhias e não entre os acionistas dessas. Assim, a incorporação de ações ocasiona, no patrimônio da pessoa física, a substituição das ações da incorporada pelas ações da incorporadora. Consiste, portanto, em um fato contábil permutativo, troca entre os elementos do ativo. Assim, a transação na perspectiva do acionista não gera renda, apenas transforma patrimônio em patrimônio. E patrimônio e renda são grandezas distintas.
Desse modo, mesmo que a Contabilidade determine reconhecer o valor da ação com base nos laudos de avaliação, essa é a perspectiva contábil da empresa naquele momento. Não há dúvidas de que existe acréscimo patrimonial. Mas, trata-se de acréscimo patrimonial sob uma perspectiva adotada nesse momento, sem realização.
Como exemplo seria o mesmo que a legislação tributária determinasse que as pessoas físicas atualizassem na declaração de ajuste anual os valores de seus imóveis de acordo com o valor de mercado, e estabelecesse que em razão do acréscimo esse ajuste fosse tributado a título de ganho de capital.
Admitir a tributação como entendido pelo acórdão da 2ª Turma da 4ª Câmara do CARF implica em tributação sobre o patrimônio e não tributação sobre a renda.
Esse acórdão revela que o CARF caminha em sentido contrário ao entendimento firmado pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, no acórdão nº 9202-003.579, ao julgar caso semelhante ao presente, concluiu pela não incidência do IRPF na operação.
Para mais informações ou esclarecimentos, entre em contato com a equipe de consultoria do VLF Advogados.
Clara Carvalho
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Henrique Coimbra
Advogado da Equipe de Tributário do VLF Advogados
(1) Para acesso à Lei das S.A., clique aqui.
(2) Para acesso à coletânea de decisões jurisprudenciais do CARF sobre diversos temas de relevância, clique aqui.
(3) EIZIRIK, Nelson. Incorporação de ações: Aspectos Polêmicos. In: WARDE JR., Walfrido Jorge (Coord.). Fusão, Cisão, Incorporação e Temas correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 77-99.
(4) O CARF vem se manifestando em prol da tributação da diferença de custo de ação das duas companhias. Vide:
ACÓRDÃO: 1301-001.856 – 2ª Turma
Ano calendário: 2008 (...)
GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO. Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos. A alienação é gênero, do qual a transferência das ações, nos termos do art. 252 da lei 6.404, de 1976, é espécie. INCORPORAÇÃO DE AÇÃO. Na incorporação de ações, há alienação pelos acionistas da incorporada de seus ativos, nos termos do art. 3º, § 3º, da lei 7.713, de 1988, sendo a transmissão da propriedade dos ativos onerosa e avaliada em moeda corrente. Assim, havendo diferença positiva entre o valor da transmissão e o respectivo custo de aquisição, esta deve ser tributada como ganho de capital, independentemente da existência de fluxo financeiro. (...)
ACÓRDÃO: 9202-00.662 – 2ª Turma
Ano calendário: 2010
IRPF - OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES - GANHO DE CAPITAL. As operações que importem alienação a qualquer titulo, de bens e direitos, estão sujeitos a apuração do ganho de capital. A incorporação de ações constitui uma forma de alienação em sentido amplo. O sujeito passivo transferiu ações, por incorporação de ações, para outra empresa, a título de subscrição e integralização das ações que compõem seu capital, pelo valor de mercado. A diferença a maior (entre o valor de mercado e o valor constante na declaração de bens) deve ser tributada como ganho de capital. Recurso especial provido.”
ACÓRDÃO: 9202¬005.618 – 2ª Turma
Ano calendário: 2017
INCORPORAÇÃO DE AÇÕES. ALIENAÇÃO. GANHO DE CAPITAL. A incorporação de ações constitui uma forma de alienação. O sujeito passivo transfere ações, por incorporação de ações, para outra empresa, a título de subscrição e integralização das ações que compõem seu capital, pelo valor de mercado. Sendo este superior ao valor de aquisição, a operação importa em variação patrimonial a título de ganho de capital, tributável pelo imposto de renda, ainda que não haja ganho financeiro.
JUROS DE MORA SOBRE MULTA DE OFÍCIO. A obrigação tributária principal compreende tributo e multa de ofício proporcional, e sobre o crédito tributário constituído, incluindo a multa de ofício, incidem juros de mora, devidos à taxa Selic.
(5) Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.