O cabimento do mandado de segurança para compensação tributária
Rafhael Frattari
Ao analisar o REsp. 1.365.095/SP e o REsp. 1.715.256/SP, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) finalmente determinou como o mandado de segurança pode ser utilizado em casos de compensação de tributos.
Na verdade, desde agosto de 2010, os contribuintes estão apreensivos com a utilização do mandado de segurança para a compensação tributária, quando o STJ editou a Súmula 460: "É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte". O disposto parecia a muitos incompatível com outro entendimento sumular do mesmo Tribunal, a saber, a Súmula 213: "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária".
De fato, em voo de pássaro pode-se imaginar que o mandado de segurança não poderia ser utilizado para garantir a compensação tributária, a partir da Súmula 460, o que deixaria milhares de contribuintes que se valeram do procedimento (e os seus advogados) em péssima situação, sobretudo por questões prescricionais.
Para piorar, houve a publicação da tese firmada no repetitivo REsp 1.111.164, segundo a qual “é necessária a efetiva comprovação do recolhimento feito a maior ou indevidamente para fins de declaração do direito à compensação tributária em sede de mandado de segurança” (Tema 118/STJ). Neste caso, o Min. Teori Zavasky afirmou que caso o contribuinte pretenda alterar uma relação jurídica concreta com o Fisco, com a suspensão da exigibilidade do crédito ou a obtenção de certidão negativa de débito com o mandado de segurança, seria necessária a comprovação do recolhimento indevido. A decisão faz algum sentido, por exigir prova de uma relação jurídica, mas não é clara o suficiente para explicitar completamente os seus argumentos.
Exatamente por isso, a 1ª Seção do STJ voltou ao assunto no julgamento ora noticiado.
Em primeiro lugar, asseverou o Tribunal que o mandado de segurança pode ser utilizado para a garantia do direito à compensação, determinando os critérios jurídicos pelas quais ela se daria, em assuntos como: lastro prescricional utilizado, índice de atualização ou de juros (antes da SELIC), além de eventuais limitações que os contribuintes reputassem ilegais. Nesta linha, não haveria problema na utilização de mandado de segurança (quase sempre preventivo), para afastar óbices ilegais colocados pela Administração Tributária e declarar o direito à compensação.
Neste caso, a prova a ser acostada ao mandado de segurança é apenas a de que o contribuinte tem atividade determinada e está sujeito ao recolhimento do tributo, cujos créditos pretenda se valer na compensação. Em regra, não há necessidade de outras provas, uma vez que os temas debatidos são questões unicamente de direito. Da mesma forma, a decisão que haverá de ser proferida restringe-se a ordenar que a Administração Pública (aja ou se abstenha, a depender do caso) respeite e considere determinados critérios jurídicos que irão orientar a compensação reconhecida pelo Judiciário. Nesta hipótese, o Juiz não define valores a ser compensados ou algo que o valha, e tais elementos estarão sujeitos à fiscalização da Administração Pública quando a compensação for efetivada segundo os parâmetros definidos judicialmente. Lembrando-se, naturalmente, que não se pode ordenar a compensação em medida liminar, conforme previsto no art. 7º, §2º, da Lei n. 12.016/2009 e art. 170-A do Código Tributário Nacional (“CTN”) (1).
Tarefa bem distinta ocorre quando o contribuinte busca chancelar no Judiciário o reconhecimento de determinado valor a ser compensado. Neste caso, além de superar a Súmula 460 do STJ, que impede que o mandamus seja utilizado para chancelar compensação já realizada, o contribuinte há de juntar todos os documentos necessários ao reconhecimento do valor que ele busca compensar futuramente, a partir do reconhecimento do Judiciário. Portanto, caso o contribuinte pretenda que o Judiciário determine o valor do crédito possuído e apto a ser compensado, há de ser feita a prova do seu recolhimento e dos demais elementos que são suficientes a que se possa atestar o direito a compensação e o seu exato valor. Tudo isso, naturalmente, se a definição desse valor for possível sem que haja qualquer produção probatória, já que o procedimento é incompatível com o mandado de segurança.
Por isso, são mais comuns os mandados de segurança utilizados apenas para se definir os critérios jurídicos que devem orientar a compensação, requerendo-se para que a Autoridade Coatora abstenha-se de autuar o contribuinte pela compensação que será efetivada. Transitada em julgada a medida, o contribuinte fará a compensação seguindo os procedimentos definidos por cada ente político de acordo com o direito declarado pelo Juiz. É importante lembrar que podem ser feitos pedidos declaratórios no mandado de segurança, mas é imprescindível que haja pelo menos um pedido de natureza “mandamental”, para que a Autoridade Coatora faça algo (quando não quer fazer aquilo que está legalmente obrigada) ou para que se abstenha de algo (quando pretende fazer algo que não pode).
A equipe de Contencioso Tributário do VLF está à disposição para dúvidas sobre o assunto.
Rafhael Frattari
Sócio responsável pela equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) Lei 12.016/2009, Art. 7º [...] §2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
CTN, Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.