Obrigatoriedade de divulgação das incertezas na apuração do IRPJ/CSLL pode expor as companhias e fomentar litígios
Henrique Coimbra
No apagar das luzes no último ano, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou a Deliberação n. 804, de 27 de dezembro de 2018 (“Deliberação 804/2018”), por meio da qual aprovou a Interpretação Técnica IPCP 22 do Comitê de Pronunciamento Contábeis (“CPC”) (1). Essa norma, elaborada a partir da IFRIC 23, esclarece como aplicar os requisitos de reconhecimento e mensuração contidos no CPC 32, quando há incerteza sobre o tratamento tributário do IRPJ/CSLL.
A intenção é a de conferir maior transparência e comparabilidade às demonstrações financeiras disponibilizadas ao mercado, protegendo os acionistas de um desembolso inesperado. Isso porque, segundo o Comitê, nem sempre está claro como a legislação tributária se aplica a determinada transação ou circunstância, de modo que eventual contestação de determinado tratamento tributário pela autoridade fiscal pode afetar a contabilização do tributo corrente ou diferido ativo ou passivo da entidade.
Se a companhia concluir que é improvável que a autoridade fiscal aceite o tratamento fiscal incerto, ela deve evidenciar o efeito da incerteza na determinação do respectivo lucro ou prejuízo, informando a base fiscal, prejuízos e créditos fiscais não utilizados e alíquotas aplicadas.
Até a edição dessa norma, as companhias só eram obrigadas a divulgar em suas demonstrações os litígios efetivos, classificando o risco de perda em provável, possível e remoto. Como os temas tributários sempre foram bastante importantes no Brasil, a ideia foi de se preservar os usuários das informações de maiores surpresas.
De fato, dos 27 temas com repercussão geral que foram objeto de sobrestamento nos últimos 2 anos, 18 são de matéria tributária.
Soma-se a isso o fato de que tais divergências duram bastante tempo até que sejam definitivamente julgadas pelo Judiciário, o que aumenta consideravelmente o seu impacto econômico.
Embora a intenção da CVM não seja ruim, é necessário analisar com calma a sua legalidade, pois a evidenciação das incertezas quanto ao tratamento tributário dado pelas companhias poderá revelar suas estratégias para a concorrência e outras questões relacionadas à estruturação do negócio. Tudo isso sem falar, é claro, no risco de autuações por parte da própria Receita Federal.
Por outro lado, se a companhia não evidenciar como incerto um tratamento tributário do lucro que a Receita futuramente questionar, a CVM poderá instaurar um processo sancionador sob a justificativa de que o mercado não havia sido corretamente alertado. Assim, caberá a companhia demonstrar que não havia condições de interpretar esse tratamento como incerto.
Portanto, caberá às companhias melhorar e atualizar constantemente suas compreensões e análises acerca dos pontos sensíveis à interpretação do Fisco sobre os temas relativos ao IRPJ/CSLL.
Henrique Coimbra
Advogado da equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) Deliberação CVM n. 804 de 2018. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/legislacao/deliberacoes/deli0800/deli804.html>. Acesso em 25/02/2019.